Aceleração de 0,62% na inflação não justifica pressão sobre os juros
Economistas consultados pelo Vermelho ressaltam a sazonalidade dos aumentos e a necessidade de respostas alternativas ao problema, em vez da simples contenção do consumo
A aceleração da inflação no Brasil reacendeu debates sobre a eficácia do aumento das taxas de juros como principal instrumento de controle. O IPCA-15, índice que antecipa a tendência oficial da inflação, subiu 0,62% em novembro, acumulando 4,77% em 12 meses, acima da meta de 3% estabelecida pelo Banco Central (BC). Enquanto analistas do mercado financeiro indicam a necessidade de manter juros elevados, economistas entrevistados pelo Portal Vermelhoalertam para as limitações dessa abordagem e apontam causas estruturais para o aumento dos preços.
O papel das condições climáticas e da demanda externa
Para Diogo Santos, economista pela UFMG, o aumento recente da inflação está ligado a fatores específicos, como a pressão sobre alimentos, especialmente carnes, óleo de soja e tomates.
“As carnes subiram devido à forte demanda no mercado externo e ao impacto da estiagem prolongada, que aumentou os custos de produção. Além disso, estamos em um período de entressafra, o que reduz a oferta de animais para abate”, explicou Santos.
O economista destacou ainda que o tomate apresentou alta após um período de queda expressiva nos preços, resultante da recuperação da oferta pós-estiagem. Esses fatores pontuais reforçam a ideia de que a inflação atual não representa um cenário de descontrole generalizado, mas sim um fenômeno que exige respostas específicas.
O “monstrinho da inflação” e o risco Brasil
Wellinton Duarte, economista da UFRN, concorda que eventos climáticos extremos, como as queimadas no Sudeste e a seca prolongada, contribuíram para a inflação. Contudo, ele ressalta que outros fatores, como a economia aquecida e o dólar valorizado, também exerceram pressão.
“Os arautos do Apocalipse já espalham o medo sobre o estouro da meta de inflação, vinculando o aumento do índice ao risco fiscal e à incerteza sobre os gastos do governo. Essa narrativa resgata o ‘monstrinho da inflação’ para justificar juros altos e cortes de despesas públicas, ignorando as condições materiais que persistem”, afirmou Duarte.
Segundo o economista, a manutenção de juros elevados para conter o consumo e reverter a inflação é um “engodo”, pois não ataca as causas estruturais do problema.
O papel das taxas de juros: transferência de renda
Os dois especialistas criticaram a política de juros elevados como resposta padrão à inflação. Para Santos, a elevação da taxa básica de juros transfere rapidamente recursos para o setor financeiro, mas tem baixa eficácia no controle de preços.
“É um remédio que serve mais ao mercado financeiro do que à economia real. Ele desacelera o crescimento, reduz a renda da população e, no final, tem pouco impacto sobre os fatores que realmente estão pressionando a inflação, como os preços dos alimentos e dos combustíveis”, argumentou.
Duarte acrescenta que o aumento dos juros atinge desproporcionalmente a população, especialmente em um cenário de inflação provocada por choques de oferta e não pelo excesso de demanda.
Políticas alternativas: o que fazer?
Os economistas defendem uma abordagem mais ampla para enfrentar a inflação, com foco em políticas que aumentem a oferta de alimentos e controlem preços estratégicos, como os de energia e combustíveis.
“É preciso adotar instrumentos que ampliem a produção agrícola e criem mecanismos para estabilizar preços, em vez de insistir em uma política monetária que só agrava a desigualdade”, disse Santos.
Duarte concluiu afirmando que o contexto atual exige uma análise mais complexa e menos imediatista:
“Os juros altos têm um custo social elevado e não resolvem problemas estruturais, como a volatilidade nos preços dos alimentos ou os impactos climáticos. Precisamos de políticas coordenadas que abordem as causas reais da inflação.”
Projeções e expectativas
Com o IPCA-15 acima do esperado em novembro e o mercado projetando inflação de 4,63% para 2024, acima do teto da meta (4,5%), a pressão sobre o BC para manter os juros elevados deve continuar. No entanto, as críticas à política de juros altos ganham força, especialmente a partir do Ministério da Fazenda, destacando a necessidade de soluções estruturais e integradas para lidar com a inflação e seus impactos na economia real.