A Justiça do Trabalho se rendeu ao capital
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Você bem sabe que, mesmo que não me venda a terra,
eu, como rei, poderia tomá-la sem nada lhe pagar.
O senhor, tomar-me o moinho?
Isso seria verdade se não houvesse juízes em Berlim”.
O nada amistoso diálogo da epígrafe, extraído do conto “O moleiro de Sans-souci”, de Francois Andrieux, registra a pronta resposta à explícita e ostensiva ameaça do rei da Prússia, Frederico II, ao proprietário do terreno que lhe interessava, após a recusa deste em aceitar sua proposta de venda. A mensagem maior é a hipotética aplicação das regras de direito a todos, sem distinção, inclusive aos que governam, como, no caso do conto, o rei.
Se, no conto, o moleiro tinha razão para acreditar que os juízes de Berlim, em eventual contenda envolvendo o rei, não faltariam com seu dever e aplicariam as regras do direito, na vida real brasileira, dos dias atuais, os/as trabalhadores/as têm todas as razões possíveis para acreditar que não há mais juízes em Brasília capazes de fazer prevalecer as regras do direito, assegurados pela Constituição Federal, pela CLT, pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e pelos princípios que regem o direito do trabalho.
Se já havia essa certeza, quanto ao STF, no que tange aos direitos fundamentais sociais, a partir do julgamento do processo 528-80.2018.5.14.0004 pelo Pleno do TST, que ocorreu no dia 25 de novembro último, essa certeza se ampliou, para incluir a Corte maior da Justiça do Trabalho.
No referenciado julgamento, o pleno do TST decidiu, por 15 votos a 10, que a lei da de/reforma trabalhista (Lei 13.467/2017°, que entrou em vigor ao dia 11 de novembro de 2017, alcança os contratos celebrados antes do advento desta, ou seja, retroage. Foi fixada a seguinte tese:
“A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência — Tema 23”.
Votaram pela retroação da lei os ministros Aloysio Corrêa da Veiga, presidente do TST e relator do processo; Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Guilherme Caputo Bastos; Alexandre de Souza Agra Belmonte; Douglas Alencar Rodrigues; Breno Medeiros; Alexandre Luiz Ramos; Luiz José Dezena da Silva; Evandro Pereira Valadão Lopes; Amaury Rodrigues Pinto Junior; Sergio Pinto Martins; Ives Gandra da Silva Martins Filho; e as ministras Dora Maria da Costa; Maria Cristina Irigoyen Peduzzi; e Morgana de Almeida Richa.
Votaram contra a retroação os ministros Maurício Godinho Delgado; Augusto César Leite de Carvalho; José Roberto Freire Pimenta; Hugo Carlos Scheuermann; Alberto Bastos Balazeiro; Cláudio Mascarenhas Brandão; e as ministras Kátia Magalhães Arruda; Delaíde Alves Miranda Arantes; Maria Helena Mallmann; e Liana Chaib.
A ministra Kátia Arruda, que integra o grupo dos ministros divergentes, propôs a seguinte tese:
“A alteração legislativa introduzida pela Lei 13.467/17 que suprime ou modifica direitos trabalhistas não se aplica aos contratos de trabalho iniciados anteriormente e em curso na data da vigência da nova lei, aplicando-se somente, como diz a própria lei, às novas relações de trabalho”.
Lélio Bentes e Antônio Fabricio não participaram do julgamento.
Aos olhos do mundo do trabalho e todos quantos mais repudiam o retrocesso social, essa inédita decisão do TST, a um só tempo, rasga o Art. 5º, XXXVI, da CF, que assevera:
“XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; os princípios da segurança jurídica e da confiança, da condição mais benéfica e da norma mais favorável”.
A partir dessa fatídica decisão, haverá total segurança jurídica para as empresas e insegurança para os trabalhadores; confiança para as empresas e certeza de que a justiça decidirá contra seus direitos, para os trabalhadores. Bem assim, há inversão dos princípios da condição mais benéfica e da norma mais favorável, que passam a ser adotados para atender os escusos interesses das empresas.
Certamente, essa decisão caracteriza-se como a mais certeira rasteira dada pela Justiça do Trabalho aos direitos trabalhistas em todos os seus 83 de história. Se é fato que ela nunca foi madrugadora em ser garantista de direitos fundamentais sociais — muitas vezes acendendo mais velas ao diabo que a Deus, ou seja, mais ao capital que ao trabalho —, também o é que, em tempo algum, tinha se subjugado com tamanha dimensão aos interesses do capital. Hoje, pode-se afirmar, sem cisma alguma, que a Justiça do Trabalho, que sempre fez grandes acenos ao capital, doravante se entrega a ele, incondicionalmente.
Para mais bem entender o que foi decidido e as consequências que advirão da decisão, vale a pena trazer, aqui, excertos de matéria publicada no Portal Migalhas, no dia 27 de novembro, com o título “TST: Reforma trabalhista é aplicável a contratos anteriores a ela”:
“Corte trabalhista analisou a retroatividade da reforma e aplicação do direito intertemporal.
Nesta segunda-feira, 25, o pleno do TST, por maioria, entendeu que a reforma trabalhista (lei 13.467/17) se aplica a contratos firmados antes de sua vigência. No caso concreto analisado, ficou definido que trabalhadores fazem jus a horas in itinere apenas até a data de 10/11/17, até a proclamação da reforma.
A Corte trabalhista analisou questão de direito intertemporal, para determinar se o empregador permanece obrigado a cumprir disposições alteradas ou revogadas por legislações criadas após o início do contrato de trabalho (tema 23).
Além das horas in itinere, as alterações promovidas pela reforma também afetam, em contratos anteriores a ela, o intervalo intrajornada, o direito à incorporação de gratificação de função e o descanso de 15 minutos para mulheres antes da prestação de horas extras.
[…]
A questão jurídica discutida foi a seguinte:
Quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera?
Ao final, foi firmada a seguinte tese:
‘A lei nº 13.467/17 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei, cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir da sua vigência’.
O caso envolvia uma trabalhadora da JBS S.A., em Porto Velho/RO, que reivindica o pagamento das horas gastas no trajeto realizado em ônibus fornecido pela empresa, entre 2013 e 2018. A JBS argumentou que, após a reforma trabalhista, o tempo de deslocamento deixou de ser considerado como período à disposição do empregador.
A 3ª turma do TST havia decidido que o direito à parcela seria parte do patrimônio jurídico da trabalhadora e não poderia ser suprimido, condenando a empresa a pagar o benefício por todo o período contratual, de dezembro de 2013 a janeiro de 2018.
A JBS recorreu à SDI-1, que encaminhou o caso ao tribunal Pleno em razão da relevância do tema.
[…]
Voto do relator
O ministro relator, Aloysio Corrêa da Veiga, destacou em seu voto que a vedação ao retrocesso funciona como critério para controle de constitucionalidade, enquanto a norma mais favorável é um princípio hermenêutico essencial para a compatibilização de normas trabalhistas.
Sustentou que a reforma trabalhista possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em vigor, regulando os direitos cujos fatos geradores ocorreram a partir da data de sua vigência.
Ao analisar o caso específico, o ministro votou pelo provimento do recurso para limitar a condenação ao pagamento das horas de trajeto apenas ao período anterior à vigência da reforma.
Também afirmou que não é possível reconhecer como direito adquirido as disposições previstas em normas coletivas, acordos ou contratos individuais, reforçando que não há direito adquirido a regimes jurídicos.
[…]
O ministro revisor, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, enfatizou em seu voto que a aplicação da lei trabalhista no tempo deve ser analisada à luz da CF e da LINDB — Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Estabeleceu que o contrato de trabalho é um negócio jurídico de trato sucessivo, cuja natureza complexa se adapta às mudanças legislativas.
Segundo o ministro, quando uma nova lei modifica o estatuto jurídico vigente, os contratos anteriormente baseados nesse estatuto perdem sua fundamentação normativa e precisam ser adequados às novas disposições.
Destacou que, de acordo com a doutrina, embora os direitos já constituídos sob a vigência da lei antiga não possam ser atingidos, toda regra jurídica que disciplina direitos possui incidência imediata a partir de sua entrada em vigor.
O revisor ressaltou, contudo, que parcelas de caráter personalíssimo, protegidas pelo direito adquirido, pela coisa julgada ou pelo ato jurídico perfeito, devem ser respeitadas. No entanto, as regras jurídicas que tratam de direitos, por serem de ordem pública, alteram o estatuto e têm aplicação imediata.
Ressaltou que o STF não admite retrocessos sociais, destacando que a não aplicação de novas regras a contratos vigentes é uma medida que preserva a segurança jurídica, a vedação ao retrocesso social, a boa-fé e a isonomia material.
A ministra enfatizou que proteger os direitos previamente garantidos é essencial para assegurar a estabilidade das relações de trabalho, reforçando que essa abordagem respeita os fundamentos constitucionais que sustentam o equilíbrio entre empregadores e empregados.”
O Portal R7 publicou, no dia 1º de dezembro, diversas manifestações sobre a comentada decisão, com o título “Saiba os impactos do marco temporal da reforma trabalhista definido pelo TST”, em texto assinado por Beatriz Oliveira, que ajudam a entender o que acontecerá a partir dela:
“A advogada trabalhista e tributarista Tatielle Carrijo afirma que o marco temporal beneficia as empresas no âmbito jurídico. ‘A decisão traz maior segurança jurídica e a uniformização da aplicação da reforma trabalhista aos contratos antigos, o que reduz incertezas em disputas trabalhistas’.
Os empregadores também precisam se adaptar às novas regras, já que a reforma agora abrange todos os contratos. Carrijo explica que as empresas precisam revisar os contratos antigos e alinhar suas práticas com a reforma, aplicando-as aos contratos firmados antes de 2017.
Os ajustes devem ser feitos em processos que incluam os principais pontos modificados pela reforma, que são:
Horas in itinere: o empregador não é mais obrigado a remunerar as horas de deslocamento em veículos cedidos pela empresa;
Supressão de intervalos: antes da reforma, se o trabalhador suprimisse parte do horário de almoço e isso fizesse com que o limite de horas diárias fosse excedido, a hora excedida seria contabilizada como uma hora extra e deveria ser paga pelo patrão. A lei reformista define que apenas o período suprimido deve ser remunerado em caráter indenizatório;
Contribuição sindical: antes, a contribuição sindical era obrigatória e descontada do salário do empregado como um dia de trabalho. Após a reforma, o trabalhador só contribui se desejar;
Acordos individuais: empregados e empregadores passaram a poder fazer acordos individuais a respeito da escala, jornada de trabalho, férias e outros aspectos.
A advogada trabalhista Vitoria Paola Nascimento também aponta que as empresas terão mais segurança no quesito financeiro e terão seus custos diminuídos.
‘Imagine uma empresa que precisava pagar horas de deslocamento a uma quantidade muito grande de empregados. Hoje, ela não vai precisar mais pagar. Então, de fato, isso é um benefício para ela’.
Trabalhadores com direitos limitados
Nascimento explica que essa decisão acaba extinguindo direitos que os trabalhadores com contratos anteriores à reforma tinham e pode prejudicar direitos trabalhistas se não for usada com cautela.
Apesar disso, ela afirma que a situação é uma questão de ponto de vista e que, por outro lado, os empregados ganharam mais segurança jurídica, assim como as empresas.
Segundo ela, a decisão faz com que o trabalhador entenda e saiba com certeza quais são os direitos aplicáveis ao seu contrato a partir da delimitação e, com isso, pode prever o que pode ou não acontecer em caso de tramitações jurídicas.
Já os sindicatos consideram que a decisão não trouxe benefícios para os trabalhadores. À Agência Brasil, o advogado da CUT (Central Única dos Trabalhadores) disse que ‘o julgamento evidencia a falácia amplamente divulgada no momento da edição da lei, de que a dita reforma trabalhista não retiraria direitos dos trabalhadores’.
Além disso, afirmou que o julgamento ‘não retirou só direitos, como ofendeu normas legais, constitucionais e pactos internacionais ratificados pelo Brasil, no sentido da impossibilidade do retrocesso social’.
Menor atuação dos sindicatos
Carrijo aponta que a reforma dispensou a atuação do sindicato, já que trouxe a possibilidade de empregado e empregador negociarem diretamente, submetendo o acordo à homologação judicial. Entretanto, ainda perduram as convenções coletivas, que são reuniões anuais dos sindicatos para definir pisos salariais, jornadas de trabalho e outros benefícios.
A reforma também define que a contribuição sindical não é mais obrigatória e se torna opcional ao empregado. Para Nascimento, a decisão do TST não deve trazer mais dificuldades para os sindicatos, que já perduram desde o início da reforma.
‘O sindicato já perdeu uma certa centralidade com a falta de investimentos e com a flexibilização dos acordos entre empregado e empregador, não dependendo tanto do sindicato’”.
O Portal Hora do Povo, publicou, no dia 27 de novembro, a opinião das centrais sindicais, com o título “Para centrais, decisão do TST que impõe reforma trabalhista a contratos anteriores à lei ‘é um retrocesso’”. A matéria destaca:
“Centrais sindicais e sindicatos de trabalhadores reagiram com indignação à decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), na última segunda-feira (25), que definiu que as mudanças da reforma trabalhista de 2017 passam a valer também para os contratos de trabalho anteriores a ela.
De acordo com o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, a definição tomada pela instância máxima da Justiça trabalhista representa ‘um retrocesso’ e um ‘golpe’ contra os trabalhadores.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também considera a decisão ‘um retrocesso social’. A entidade afirma que vai questionar a decisão no próprio TST.
Segundo o julgamento do Tribunal, que terminou com placar de 15 a 10, vencendo o voto do relator e presidente do órgão, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, os empregadores não precisam garantir aos funcionários contratados antes da reforma os direitos que foram extintos pelas mudanças na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), que entrou em vigor no governo Temer.
Além da prevalência nos acordos negociados diretamente entre patrões e empregados, em detrimento das negociações coletivas, algumas das principais mudanças nos direitos dos trabalhadores a partir da vigência da reforma são a perda da remuneração pelo período de deslocamento ao trabalho (em caso de local de difícil acesso ou não servido por transporte público); flexibilização das regras sobre intervalo dentro da jornada de trabalho; perda de direito à incorporação de gratificação de função, e perda do descanso de 15 minutos para mulheres antes da prestação de horas extras.
Para o presidente da CTB, ‘a decisão controvertida do TST sobre a validade da aplicação da reforma trabalhista aos contratos de trabalho anteriores à sua promulgação, consolida um retrocesso e é mais um golpe contra a nossa sofrida classe trabalhadora’.
Referindo-se ao caso concreto em discussão no TST, o de uma ex-funcionária do setor de abate da JBS em Porto Velho requerendo a remuneração pelo tempo em que se deslocava ao trabalho, Adilson afirma que, ‘no caso específico julgado pelo tribunal do ponto de vista do trabalhador não cabe dúvidas de que no momento em que sai de casa em direção ao trabalho o seu tempo não é mais livre, foi colocado à disposição do patrão’.
‘É lastimável que a maioria do Tribunal Superior do Trabalho tenha optado por este entendimento que sacrifica os interesses e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras. A CTB não só lamenta como repudia esta decisão’, disse.
Segundo o advogado da CUT, Ricardo Carneiro, ‘o julgamento evidencia a falácia amplamente divulgada no momento da edição da lei, de que a dita reforma trabalhista não retiraria direitos dos trabalhadores’.
Ele destaca que o julgamento, ‘não só retirou direitos, como ofendeu normas legais, constitucionais e pactos internacionais ratificados pelo Brasil, no sentido da impossibilidade do retrocesso social’.
O diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Carlos da Silva Dias, ressalta que ‘a decisão tomada, infelizmente, só favorece os empregadores, tirando dos trabalhadores o direito que tinham já garantido por acordo ou convenção anteriormente à reforma’.
Conforme Luiz Carlos, a decisão ‘significa dinheiro no bolso do patrão e menos no bolso do trabalhador, por isso é muito ruim’.
O advogado José Carlos Manhabusco, publicou artigo no Portal Dourados, no dia 2 de dezembro, com o título “Aplicação temporal da Reforma Trabalhista – Violação ao direito adquirido”. O subtítulo é “Julgado que diminui a força da Justiça do Trabalho — Desconstrução do Direito do Trabalho”, e o texto que igualmente reflete sobre a horrenda decisão sob realce:
“Demorou, mas o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho enfrentou e julgou o tema por intermédio do Incidente de Recurso Repetitivo (IRR) — Tese 23.
A questão era saber se a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) tem aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, ou apenas em relação aos fatos que forem ocorrendo a partir de sua vigência.
Deve-se ressaltar que os fatos enfrentados tiveram origem antes da vigência da Lei 13.467/2017.
O disposto nos artigos 5º, XXXVI, da CF e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) garantem a proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido.
A motivação principal é a de que a lei não deve incidir sobre relações contratuais em curso, sob pena de violar ato jurídico perfeito, salvo quando sobrevier norma mais favorável (ao titular de direito fundamental) que comporte, por isso, aplicação imediata (CF, art. 5º, §1º).
Logo, em se tratando de parcela salarial, porque integra o núcleo de irredutibilidade na contraprestação pecuniária devida em razão do trabalho, não pode ter a sua natureza retributiva modificada por lei, sob pena de violar o direito adquirido.
O objetivo do julgado era estabelecer um precedente vinculante para casos semelhantes em todas as instâncias trabalhistas.
De acordo com o teor dos votos dos ministros a discussão foi profunda e calorosa, pois demonstrou a preocupação com a aplicação dos princípios contidos na Constituição Federal, especialmente o do direito adquirido; da irredutibilidade salarial; da segurança jurídica, dentre outros.
O placar foi de 15 votos pela aplicação da Reforma Trabalhistas e 10 votos pela sua não aplicabilidade no caso em concreto.
O relator afirmou que as mudanças na lei têm aplicação imediata a fatos futuros.
O ministro Mauricio Godinho Delgado, vice-presidente do TST, abriu divergência, por entender que os contratos de trabalho firmados antes da reforma deveriam permanecer sob as regras vigentes na época da celebração.
A tese vinculante firmada foi a seguinte: ‘A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência’.
Nosso entendimento é de que há ofensa as normas legais, constitucionais e pactos internacionais ratificados pelo Brasil, o que impossibilita o retrocesso social.
Em face do resultado, é certo que as entidades sindicais irão recorrer da referida decisão.
A decisão comprova que reforma trabalhista retirou direitos”.
O portal Consultor Jurídico veiculou, no dia 28 de novembro, artigo do advogado Marco Aurélio dos Anjos, com o título “Decisão do TST contradiz propósito da reforma trabalhista e fragiliza segurança jurídica”, que suscita questões instigantes e merecem ser divulgadas:
“O Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao decidir no dia 25 de novembro de 2024 pela aplicação imediata da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) aos contratos em curso, mesmo que limitada a fatos geradores ocorridos após sua vigência, abriu caminho para um intenso debate jurídico. A decisão, proferida no contexto de um Incidente de Recursos Repetitivos (IRR), parece ter ignorado o objetivo fundamental da reforma, claramente estabelecido na ementa da lei, que limita sua aplicação às “novas relações de trabalho”, ou seja, aquelas iniciadas após sua promulgação.
A decisão foi tomada no caso de uma trabalhadora da JBS S.A., em Porto Velho (RO), que reivindicava o pagamento do período de deslocamento (horas in itinere) em transporte fornecido pela empresa. Esse tempo, antes da reforma, era considerado como tempo à disposição do empregador e, portanto, remunerado. A Reforma Trabalhista, contudo, eliminou essa obrigação a partir de sua entrada em vigor, em novembro de 2017. A controvérsia estava em determinar se essa nova regra afetaria contratos vigentes antes da reforma ou apenas aqueles firmados posteriormente.
A Terceira Turma do TST, ao analisar inicialmente o caso, havia decidido que o direito às horas in itinere fazia parte do patrimônio jurídico da trabalhadora e não poderia ser suprimido. Em razão disso, condenou a JBS a pagar o benefício por todo o período contratual, de dezembro de 2013 a janeiro de 2018. No entanto, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, ao receber o recurso da empresa, encaminhou o caso ao Tribunal Pleno, dada sua relevância e o objetivo de estabelecer um precedente vinculante para casos semelhantes.
Durante o julgamento no Pleno, foi decidido, por maioria, que a Reforma Trabalhista deve ser aplicada imediatamente aos contratos em curso, mas apenas em relação aos fatos ocorridos após sua vigência. O relator, Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, destacou que as mudanças legais, ao atingirem normas de caráter imperativo, podem ser aplicadas prospectivamente mesmo nos contratos em curso, sem que isso configure alteração retroativa. Com base nesse entendimento, a condenação da JBS foi limitada ao pagamento de horas de deslocamento até 10 de novembro de 2017, véspera da entrada em vigor da reforma.
Um ponto crucial foi levantado durante o julgamento na sustentação oral pelo advogado Nilton Correa, defensor dos interesses da trabalhadora. Ele destacou que a Reforma Trabalhista promoveu alterações em 363 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), abrangendo artigos, incisos, parágrafos e alíneas. O advogado sublinhou que o legislador não incluiu disposições transitórias na nova lei, um indicativo inequívoco de que as mudanças foram desenhadas exclusivamente para as relações de trabalho iniciadas após a vigência da reforma. Essa ausência de transição normativa reforça a intenção de proteger os contratos existentes contra alterações retroativas, mesmo que estas sejam aplicadas prospectivamente a eventos futuros.
A sustentação oral do advogado Nilton Correa também evidenciou que o legislador, no exercício de sua função constitucional, foi cuidadoso em limitar os impactos da reforma às novas relações de trabalho, exatamente para evitar conflitos dessa natureza. A ausência de normas transitórias não foi acidental, mas intencional, refletindo o respeito ao princípio da estabilidade das condições contratuais e à preservação de direitos previamente garantidos. Ao ignorar essa limitação, a decisão do TST cria um precedente que compromete a confiança dos trabalhadores na justiça do trabalho como guardiã de seus direitos.
Entre os direitos que foram objeto de controvérsia no julgamento está o das horas in itinere, que representava um importante benefício aos trabalhadores. Este direito previa que o tempo gasto em deslocamentos, realizados em transporte fornecido pelo empregador, até locais de trabalho de difícil acesso ou sem transporte público regular, seria considerado como tempo à disposição do empregador e, portanto, deveria ser remunerado. Antes da Reforma Trabalhista, as horas in itinere eram garantidas como uma forma de compensar o trabalhador pelo esforço adicional despendido, muitas vezes em áreas remotas. Contudo, a reforma revogou expressamente essa obrigação, eliminando o direito para fatos ocorridos a partir de 11 de novembro de 2017.
Outro aspecto preocupante da decisão é que ela relativiza a aplicação de princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como a proteção ao trabalhador e a segurança jurídica. Ao justificar a aplicação imediata da reforma com base na dinâmica das relações laborais e na incidência de normas sobre fatos futuros, o Tribunal Superior do Trabalho flexibilizou um pilar essencial do sistema trabalhista brasileiro: o respeito às condições pactuadas sob o regime jurídico vigente no momento da contratação. Isso, na prática, enfraquece o papel protetivo do Direito do Trabalho e pode abrir brechas para que alterações legislativas futuras sejam aplicadas de forma ainda mais abrangente e desfavorável aos trabalhadores.
Além disso, a decisão afeta a percepção pública sobre a estabilidade das relações laborais. Trabalhadores que firmaram contratos sob um conjunto de regras confiavam que essas normas seriam respeitadas ao longo de suas relações de trabalho. Ao admitir mudanças no curso desses contratos, ainda que para situações futuras, o Tribunal Superior do Trabalho introduz um grau de insegurança que pode impactar negativamente tanto trabalhadores quanto empregadores. Para os trabalhadores, significa o risco de verem direitos suprimidos; para os empregadores, a incerteza jurídica pode dificultar o planejamento e a gestão de pessoal.
O julgamento do Tribunal Superior do Trabalho, embora tenha buscado uniformizar a aplicação da reforma trabalhista, deixou de observar o propósito claro da lei e o cuidado legislativo de limitar suas disposições às novas relações de trabalho. Ao reinterpretar o alcance da reforma, a decisão compromete não apenas os direitos dos trabalhadores, mas também a integridade e a previsibilidade do sistema jurídico trabalhista. A legislação foi concebida a pretexto de modernizar as novas relações laborais, e não para intervir em contratos firmados sob a égide de um ordenamento anterior. Ignorar essa distinção é desvirtuar o objetivo da lei e abrir espaço para que princípios basilares do Direito do Trabalho sejam relativizados.
Essa decisão demonstra a importância de um debate contínuo sobre os limites da adaptação legislativa e o respeito às condições pactuadas, elementos que são cruciais para a preservação da confiança e da estabilidade nas relações laborais. O papel do Tribunal Superior do Trabalho, como instância máxima da Justiça do Trabalho, deveria ser o de assegurar que mudanças legislativas respeitem a essência do Direito do Trabalho: a busca pela justiça social e pela proteção do trabalhador em um cenário de desigualdade de forças. Ao desconsiderar esses valores, a decisão cria uma tensão que desafia os fundamentos do sistema trabalhista brasileiro”.
Parafraseando o poeta Carlos Drumond de Andrade, cabe perguntar: “E agora, José?… José, e agora?… José, para onde?”.
Esse colossal retrocesso, que impõe triste desfecho à fantasia, alimentada por nada menos que oito décadas, da justiça protetiva, da justiça do trabalhador, comporta recurso ao STF. O que, convenha-se, não é nada animador, pois que esse tribunal, guardião da CF, em matéria de direitos fundamentais sociais, há muito sucumbiu-se aos ditames do capital.
Parafraseando César, que, ao ser atingido por Brutus, encara seu assassino e brada “Tu quoque, Brute, fili mi” (em tradução livre, “Até tu, Brutus, meu filho”), os trabalhadores hão de perguntar à Justiça do Trabalho, supostamente sua protetora: até tu?
Vale trazer à baila a apresentação do ousado, corajoso e bem fundamentado livro Justiça Política do Capital, do desembargador do TRT da 10ª Região, Grijalbo Fernandes Coutinho, feita por Reginaldo Melhado, professor, magistrado e membro da Associação de Juízes pela Democracia (AJD):
“Ativistas dos direitos humanos ou líderes sindicais certamente vociferam contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e suas decisões dos últimos anos, quase sempre contrárias à classe trabalhadora. Qualquer pessoa razoavelmente atenta também pode ter notado essa tendência. Para a abordagem acadêmica (ou científica, como se queira), entretanto, impressões não são suficientes. É preciso também demonstrar de modo consistente por meio da investigação e da reflexão crítica, com equações lógicas de sustentação, o uso da jurisdição do STF como instrumento de desconstrução de direitos dos trabalhadores. Neste livro, Grijalbo Fernandes Coutinho mostra como a mais alta corte de Justiça do Brasil, de modo sistemático, tomou o proletariado como inimigo de classe, arrasando suas conquistas históricas”.
Apenas a título de ilustração, traz-se, aqui, excerto do voto do ministro Dias Toffoli, relator das ADIs 5389 e 5340, que, dentre outras questões, discutem a vedação do retrocesso social:
“[…] Julgo que todas as considerações acima indicam que a lei impugnada não incidiu em ofensa ao princípio da proibição do retrocesso social, a qual, reitero, não possui caráter absoluto, devendo ser interpretada em harmonia com outros parâmetros de igual envergadura”.
Só faltou dizer, os interesses econômicos do capital.
Não obstante tudo isso, a Contee não se furtará a tomar as medidas judiciais cabíveis e necessárias, pois, como ensinam com sabedoria os versos da música “Espaço liso”, de Paulinho Moska, “Eu amo a causa e não a consequência”, e a ação não pode se condicionar ao seu eventual resultado.
À luta, a cada dia mais injusta e desigual, principalmente agora com a Justiça do Trabalho definitivamente rendida ao capital!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee