PL da anistia: tentativa de apagar crimes antidemocráticos

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

No livro “O 18 Brumário de Louis Bonaparte”, que analisa o golpe levado a cabo pelo sobrinho de Napoleão Bonaparte, Louis Bonaparte, Karl Marx, ao citar Hegel, para quem os fatos e personagens de grande importância na história do mundo acontecem, por assim dizer, duas vezes, afirma que Hegel esqueceu-se de acrescentar que a primeira vez, como tragédia, e a segunda, como farsa.

Louis Bonaparte é a caricatura central de sua ironia, pois que em 1851, por meio do citado golpe- a farsa-, quis repetir o primeiro 18 Brumário, de 1799, que levou Napoleão Bonaparte ao poder- a tragédia.

Como que a dar razão à ironia de Marx, está em curso no Congresso Nacional- que, sem favor algum, acha-se sob o domínio da mais apequenada legislatura da história-, projeto de lei que visa a anistiar, de forma ampla geral e irrestrita, com prioridade, os oito condenados pela Primeira Turma do STF, por serem responsáveis pela formação de organização criminosa, com a finalidade de perpetrar golpe de estado, ao final de 2022, e abolir o Estado Democrático de Direito, começando pela invalidação das eleições presidenciais daquele ano, que rejeitaram a reeleição de Bolsonaro e a morte do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin, e do ministro presidente do TSE, naquele ano, Alexandre de Moraes.

Esse mal-intencionado projeto de anistia, é mera caricatura daquele que mobilizou o Brasil, na segunda metade da década de 1970. Por isso, tem de ser caracterizado como farsa, parafraseando Marx. O da década de 1970, não foi uma tragédia. Mas, isto sim, movimento social de amplo leque, unindo em prol de sua bandeira entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); além de lideranças políticas de grande respeitabilidade, como Ulisses Guimarães Teotônio Vilela, e religiosas, como Dom Paulo Evaristo Arns.

As “lideranças políticas” que apoiam o projeto de anistia de agora são Sóstenes Cavalcante, Luciano Zucco, Valdemar Costa Neto, Nikolas Ferreira e outros parlamentares com igual mau propósito. Será que alguém consegue apontar um só, que seja, projeto de lei de iniciativa dos embaixadores da anistia a Bolsonaro e demais condenados, em prol do bem-estar social ou mesmo de fortalecimento da ordem democrática.

O movimento pela anistia, na década de 1970, visava a anistiar, dentre outros, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião, Betinho e Paulo Freire. O Senador Teotônio Vilela, que se desligou da Arena em 1979 e filiou-se ao MDB, em tom emocionado, lançou o seguinte brado, após visitar 14 presos políticos do Presídio Frei Caneca, no Rio de janeiro:

— A paisagem humana que vi é indescritível. _ Devo dizer que, com a minha sensibilidade de criatura humana, [fiquei estarrecido] ao tomar conhecimento da debilidade total daqueles presos, em pleno estado de ruína, sacrificados em nome de um ideal, porque ninguém se submete a esse tipo de sacrifício se dentro de si próprio não possuir uma estruturação espiritual superior. São jovens envelhecidos nas grades, alguns com 11 anos de cadeia, e um deles preso aos 16 anos de idade, por conduzir debaixo do braço livros de ideologias políticas. Não é possível que aqueles rapazes morram num deserto, castigados pela inclemência e insensibilidade do poder” – Agência Senado.

E mais uma de suas visitas a “terroristas” políticos, o Senador Teotônio Vilela afirmou: “Não encontrei nenhum terrorista, mas jovens idealistas que arriscaram suas vidas pelo bem do Brasil. Convidaria a todos para se hospedarem em minha casa, convite que não faço a muitos ministros do atual governo”. – ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. “Anistia ampla, geral e irrestrita”: as relações Estado e sociedade na campanha pela anistia no Brasil (1977-1979) Alessandra Ciambarella.

Tomando-se, outra vez, a lista daqueles a quem a farsa da anistia pretende conceder salvo-conduto, passado, presente e futuro, é de se perguntar se algum deles seria levado pelo falecido senador Teotônio Vilela, para hospedar-se em sua casa, se isso fosse possível, como ele afirmara em relação aos que as referências políticas dos atuais condenados e dos “líderes” do trágico projeto em curso, taxavam como terroristas? Quem ao menos se deu ao trabalho de conhecer a biografia de Teotônio Vilela, com certeza, responde a essa indagação com o retumbante não.

O projeto de agora visa a anistiar, a rigor, conceder salvo- conduto, passado, presente e futuro, para Bolsonaro, General Walter Braga Neto, Anderson Torres, General Heleno Ribeiro etc, que são os idealizadores e organizadores da tentativa de golpe de estado e de abolição do Estado Democrático de Direito, conforme conclusão da primeira turma do STF, por 4 votos a 1.

Tomando-se as duas listas, é de se perguntar: a não ser por má-fé ou por devaneio, há o mínimo de decência em eventual comparação entre os de agora com os da década de 1970? A resposta é dada pelo simples cotejo das respectivas biografias!

O falecido deputado federal pelo MDB de Pernambuco, Marcos Freire, baluarte pela anistia, em pronunciamento na Câmara Federal, em 1979, asseverou: “Anistia é esquecimento, olvido perpétuo. É medida de oportunidade política para começar, com os espíritos desarmados, uma nova marcha para o futuro. Para isso, é preciso a reintegração de todos na vida pública, sem exceção — acrescentou o deputado Marcos Freire (MDB-PE)” – Agência Senado. Como bem assenta essa afirmação do deputado Marcos Freire, a anistia é esquecimento, como medida de oportunidade para desarmar espíritos, com vista a marchar-se para o futuro.

Ora, os que falam em anistia, agora, jamais deram qualquer sinal de que querem desarmar espíritos e marchar para o futuro. Na verdade, seu inaceitável intento é o de garantir aos inimigos da ordem democrática perdão total pelos seus crimes, para que, uma vez livres, possam retomar sua organização criminosa e marchar para o passado, com a eliminação de todos os obstáculos, inclusive pessoas, que possam interpor em sua sanha golpista.

Calha, ainda, trazer à baila a avaliação que fez Tristão de Atayde (Alceu Amoroso Lima), que gozava de incomensurável respeitabilidade, sobre a anistia aprovada em 1979, pelos referenciais políticos dos que agora empunham a bandeira da comentada farsa, citada pelo senador Humberto Lucena, MDB-PB, em discurso no Senado, em 1979:

— Desejávamos uma nova Lei Áurea que anunciasse uma aurora. Deram-nos um ato sem generosidade, sem horizontes abertos. Eu preferiria a temeridade da princesa Isabel. É bem certo que há muita diferença entre 15 anos de arbítrio e 300 de cativeiro. Ora, não existe apenas diferença, e sim um abismo, entre a grandeza da lei de 13 de maio, que fulgirá sempre como um marco luminoso em nossa história pátria, e a estátua pigmeia da Lei da Anistia”.

Por tudo isso, eventual anistia aos condenados de agora, longe de representar perdão e reintegração deles à vida pública, que tem como farol a ordem democrática, não passará da mais grave capitulação da nação aos inimigos declarados do Estado Democrático de Direito, portanto, os maiores inimigos delas.

Desse modo, não se cogita escutar de todos quantos cultuam a ordem democrática, outro brado, que não seja SEM ANISTIA!.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
666filmizle.xyz