Lula, na abertura do Fórum Mundial da Alimentação, afirma: “Não basta produzir, é preciso distribuir!”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou, nesta segunda-feira (13), em Roma, da abertura do Fórum Mundial da Alimentação 2025, principal evento anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A instituição celebra 80 anos de atuação dedicada à erradicação da fome, à transformação dos sistemas alimentares e à construção de um desenvolvimento rural mais justo e sustentável.
Durante a cerimônia, Lula destacou a urgência de enfrentar a fome e as dFesigualdades globais, ressaltando o papel do Brasil na reconstrução das políticas sociais e de segurança alimentar após anos de retrocessos. O pronunciamento ocorreu dois meses após o anúncio de que o país saiu novamente do Mapa da Fome, resultado das políticas retomadas desde 2023 para combater a miséria, valorizar o trabalho e garantir soberania alimentar.
O exemplo brasileiro e a soberania alimentar
Lula ressaltou a trajetória do país no combate à fome e evidenciou conquistas recentes.
“Desde 2023 temos trabalhado incansavelmente para reconstruir políticas sociais — e isso deu frutos. Trinta milhões de pessoas voltaram a almoçar, jantar e tomar café.”
Em 2024, o Brasil alcançou a menor proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar grave da história, incluindo aqueles com crianças menores de cinco anos. O presidente também diferenciou a política de combate à fome do assistencialismo:
“Não se trata de assistencialismo. É preciso colocar os pobres no orçamento e transformar esse objetivo em política de Estado.” Complementou ainda: “Um país soberano é um país capaz de alimentar o seu povo.”
Para Lula, a fome não é apenas um problema econômico, mas sobretudo político.
“O mundo produz comida suficiente para alimentar uma vez e meia a população mundial. Ainda assim, 673 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar.”
Segundo o presidente, o combate à fome exige ação política concreta, compromisso e solidariedade internacional.
“A fome é inimiga da democracia e do pleno exercício da cidadania. É uma questão de opção, de saber para onde vai o dinheiro que o Estado arrecada.”
Em dois anos, 26,5 milhões de pessoas deixaram a condição de insegurança alimentar grave, e 2,2 milhões de famílias brasileiras saíram da situação de fome, segundo dados do IBGE e da Rede Penssan. O Brasil já havia alcançado essa conquista em 2014, também sob a gestão de Lula, com programas como o Fome Zero, mas anos de descontinuidade devolveram o país à vulnerabilidade alimentar.
“O retrocesso que vivenciamos demonstrou que o combate à fome deve ser uma luta perene”, afirmou o presidente.
Legado de Josué de Castro e Carolina de Jesus
Em uma fala marcada por referências simbólicas, Lula evocou o pensamento do brasileiro Josué de Castro, que presidiu o Conselho Executivo da FAO nos anos 1950 e é autor de Geografia da Fome, obra fundamental para compreender as raízes estruturais da miséria.
“O brasileiro Josué de Castro, que presidiu o Conselho Executivo da FAO nos anos cinquenta, dizia que ‘metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come’”, lembrou o presidente.
Ao resgatar a figura de Josué, Lula sublinhou que o acesso a alimentos continua sendo um recurso de poder, e que a fome está diretamente vinculada às desigualdades globais.
“Não há como dissociar a fome das desigualdades que dividem ricos e pobres, homens e mulheres, nações desenvolvidas e nações em desenvolvimento.”
O presidente também citou a escritora Carolina Maria de Jesus, cuja obra deu voz à luta das populações invisibilizadas.
“A escravatura do mundo atual é a fome”, dizia Carolina. Partindo dessa evidência, Lula acrescentou:
“Só vamos combater a fome, a pobreza e a desigualdade de forma eficaz quando os pobres deixarem de ser invisíveis para a elite política.”
E considerou: “Nossa maior missão é concretizar a promessa inscrita na construção da FAO e livrar, enfim, a humanidade desse mal.”
A fome e a guerra: irmãs na destruição
Ao abordar os impactos geopolíticos da fome, Lula chamou a atenção para a relação entre conflitos e insegurança alimentar:
“A fome é a irmã da guerra — seja ela travada com armas e bombas ou com tarifas e subsídios. Conflitos armados desorganizam cadeias de insumos e alimentos; barreiras e políticas protecionistas de países ricos desestruturam a produção agrícola no mundo em desenvolvimento.”
O presidente argumentou ainda que o enfrentamento à fome deve estar integrado à luta contra as desigualdades estruturais e à defesa do multilateralismo.
“A FAO é exemplo de um multilateralismo que escuta os países em desenvolvimento, valoriza o conhecimento local e constrói soluções adaptadas a cada realidade. O Brasil tem orgulho de fazer parte da história desta organização.”
Com base em dados do Programa Mundial de Alimentos, Lula alertou para as contradições éticas da economia global:
“Garantir três refeições diárias a todas as pessoas custaria cerca de 315 bilhões de dólares — o que representa apenas 12% dos 2,7 trilhões gastos anualmente em armas.”
Mudanças climáticas e COP30
Outro ponto central do discurso foi o vínculo entre a fome e as mudanças climáticas.
“Um planeta mais quente será um planeta com mais fome. A escassez de água, a perda da biodiversidade e as catástrofes naturais afetarão a produtividade agrícola e o preço dos alimentos. A mudança do clima exigirá de nós uma revolução mais verde e mais inclusiva”, afirmou.
Lula reforçou que o Brasil assumirá papel protagonista nesse debate durante a COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro de 2025.
“Entrelaçar essas duas lutas será a missão da COP30 em Belém. Não haverá justiça climática se o enfrentamento ao aquecimento global não caminhar lado a lado com o combate à fome e à pobreza.”
“Enquanto houver fome, a FAO permanecerá indispensável”
Lula pontuou que, mesmo diante dos avanços tecnológicos e da capacidade global de produção de alimentos, o mundo ainda convive com a injustiça da exclusão e da indiferença.
“Hoje, tanto nossa capacidade de agir coletivamente quanto o otimismo que nos animavam estão abalados. Os desafios se aprofundaram, mas não temos alternativa senão persistir. Enquanto houver fome, a FAO permanecerá indispensável.”
Aliança Global contra a Fome e papel do Brasil
O Brasil lidera a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada em 2024, durante a presidência brasileira do G20. Em menos de um ano, o tratado já reúne 201 membros e tem metas ambiciosas para 2030: alcançar 500 milhões de pessoas com transferências de renda e atender 150 milhões de crianças a mais com alimentação escolar de qualidade.
Erradicar a fome é projeto civilizatório
A trajetória brasileira de combate à fome e de promoção da cidadania está diretamente ligada ao acesso à educação, à renda e à soberania nacional. Para a Contee, erradicar a fome está no centro do projeto civilizatório que une democracia, desenvolvimento e justiça social. Garantir alimentação, escola e trabalho decente é garantir vida — e esse é o compromisso que move os trabalhadores e as trabalhadoras da educação.
De acordo com a entidade, o fato de o Brasil ter saído do Mapa da Fome duas vezes sob o mesmo líder simboliza a persistência do projeto de nação que resiste aos ciclos de destruição e reconstrói suas bases tendo como fundamento a dignidade humana.
Assista ao discurso do presidente Lula na íntegra aqui
Por Romênia Mariani





