Em voto sobre racismo, Cármen cita Emicida, Castro Alves e Carolina de Jesus
Ministra recorreu a referências da literatura e música brasileira para ilustrar como a desigualdade racial atravessa gerações
Durante sessão do STF que julga ação sobre violações de direitos da população negra, ministra Cármen Lúcia afirmou que o Brasil vive um estado de coisas inconstitucional devido à permanência do racismo estrutural e à insuficiência das políticas públicas adotadas até hoje.
Em voto, S. Exa. recorreu a referências de Emicida, Carolina de Jesus e Castro Alves para ilustrar como a desigualdade racial atravessa gerações e permanece como marca estrutural do país.
A ação, proposta por sete partidos políticos, pede o reconhecimento de violações sistemáticas contra a população negra e a adoção de medidas estruturais de reparação.
Constituição para todos
Ao abrir o voto, a ministra utilizou referências da literatura e da música brasileira para ilustrar o cenário de desigualdade racial que, segundo S. Exa., ainda marca o país.
Citando versos de Emicida, Cármen mencionou a música “Ismália”, em que o trecho diz: “Até para sonhar tem entrave. A felicidade do branco é plena, a felicidade do preto é quase”.
Em seguida, afirmou: “Eu não espero viver num país em que a Constituição para o branco seja plena e para o negro seja quase”.
Também citou trecho em que o artista compara “a pele alva” e “a pele alvo”, destacando que não se pode naturalizar a tragédia do racismo no Brasil.
A ministra avaliou que, mesmo após 37 anos de vigência da Constituição, o país segue distante da igualdade prometida.
Para reforçar essa percepção, evocou as palavras de Carolina de Jesus em “Quarto de despejo”: “Não digam que sou da vida rebotalho, nem que fiquei à margem da vida. Digam que procurei trabalho, que sempre fui preterida”.
Conforme destacou, essa preterição permanece viva e atinge mais da metade da população brasileira, em razão de um “puro, grave, trágico racismo”.
“Não é possível continuar preterindo mais da metade da população brasileira por puro, grave, trágico racismo, e é isso que nós temos. E se a Constituição brasileira tem que ser plena, e ela tem que ser, não é aviso, não é sugestão, não é proposta, é lei, é a lei fundamental, é preciso que se tomem providências, portanto, sobre isso, uma vez que as medidas até aqui tomadas não foram suficientes”, alertou.
“Nós queremos brasileiros que sonham”
Ao concluir, a ministra recorreu a Castro Alves para reforçar a ideia de que a Constituição não pode servir como manto para acobertar injustiças.
Cármen citou trecho do poema “O navio negreiro”, em que o poeta afirma que há um povo “que a bandeira empresta para cobrir tanta infâmia e covardia”, fazendo menção aos escravizados retratados nos navios.
A ministra afirmou que não deseja que a Constituição brasileira desempenhe papel semelhante, defendendo que o país precisa agir para evitar que a Carta se transforme em símbolo de omissão diante das violações que ainda recaem sobre a população negra.
Encerrando seu voto, Cármen concluiu: “Nós queremos brasileiros que sonham e que tenham o direito de sonhar e viver com outro tipo de ser, talvez a possibilidade de serem comprometidos, de serem cidadãos, de serem pessoas que têm a mesma honradez que se devota a qualquer pessoa, em qualquer lugar, nas melhores esferas, inclusive, econômicas”.
ADPF 973
A Corte julga a ADPF 973, proposta por sete partidos políticos, que sustentam haver violações estruturais e sistemáticas contra a população negra no Brasil e pedem que o STF reconheça o racismo estrutural como elemento que produz desigualdades em diversas áreas, além de requerer medidas concretas e coordenadas de reparação e enfrentamento.
O julgamento foi suspenso com placar de 5 votos a 3.





