1988 – A Constituição possível

Por Wellington Teixeira Gomes*

Desde 1964, quando um golpe de Estado derrubou o governo legítimo de João Goulart e implantou uma ditadura militar no Brasil, os setores mais organizados da sociedade procuraram por diversas vias, inclusive armada, construir um regime democrático no país. Foram lutas difíceis, principalmente após o AI-5, com o aumento das perseguições, prisões, torturas e assassinatos perpetrados pelos sucessivos governos militares. Mas, mesmo sob a feroz ditadura, o povo brasileiro conseguiu levantar as bandeiras de anistia ampla, geral e irrestrita, pelo fim de todos os atos e leis de exceção e convocação de uma assembleia nacional constituinte livre e soberana.

No caminho, a conquista da anistia, por um lado, e a derrota da emenda pelas eleições diretas, por outro. Mas o crescimento das mobilizações populares acabou colocando um fim à ditadura, mesmo que através das eleições indiretas. Como resultado desse processo, o novo governo empossado restabelece eleições em todos os níveis, amplia o direito de voto, acaba com uma série de itens do chamado entulho autoritário, legaliza os partidos políticos na clandestinidade e convoca a Assembleia Nacional Constituinte.

Instalada no início de 1987, os debates realizados no ano anterior se aprofundaram e durante os 20 meses de funcionamento da Assembleia Constituinte o país discutiu amplamente e buscou pressionar os parlamentares pelo atendimento de suas reivindicações na elaboração da nova Constituição.

Esse debate se deu também entre os trabalhadores em estabelecimentos de ensino. Ainda sem uma entidade nacional representativa, a diretoria da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – Fitee assumiu, com seus sindicatos filiados, o debate sobre propostas para a educação, a organização sindical e o país democrático que queríamos. Foram meses de estudo, discussão e debates nos fóruns das entidades e através de encontros (que precederam os Consinds) e reuniões ampliadas.

Já no final de 1986 a Federação estava de posse de um amplo e substantivo documento que tratava das questões específicas e das questões gerais de interesse dos trabalhadores. Para incorporar nesses debates os trabalhadores de fora de sua base, significativa pressão foi exercida na Diretoria e no Conselho de Representantes da entidade nacional existente na época, a CNTEEC (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura), que acabou realizando, no início de 1987, em Praia Grande, São Paulo, o Entec (Encontro Nacional dos Trabalhadores em Educação e Cultura), com participação de várias centenas de trabalhadores da duas categorias. Após longos e acirrados debates os presentes ao Entec sufragaram e assumiram como suas as propostas elaboradas pelas instâncias da Fitee.

Instalada a Assembleia Constituinte, logo ficou clara a necessidade da mais ampla mobilização dos trabalhadores para conseguir alguns avanços e impedir os retrocessos que os parlamentares representantes do antigo regime ditatorial e das classes mais retrógradas, reunidos no que se chamou de “centrão” (calcula-se que eram cerca de 70% dos deputados e senadores), preparavam-se para impor à sociedade brasileira. Com as propostas gerais, setoriais e específicas, inúmeras categorias e associações se mobilizaram em todo país. Eram centenas de emendas populares, de abaixo-assinados que circulavam, caravanas a Brasília, concentrações e debates nos estados, placares com denúncias do posicionamento dos parlamentares etc, as quais fizeram da participação popular um fator decisivo nas deliberações das comissões temáticas e das 24 subcomissões, além da Comissão de Sistematização. Até a fase final de votação as galerias da Câmara dos Deputados estiveram sempre lotadas. Calcula-se que cerca de 13 milhões de pessoas assinaram emendas populares, das quais quase uma centena foram apresentadas e defendidas em plenário. Na nossa categoria, diversos foram os sindicatos que se fizeram presentes através de “plantões de pressão e convencimento”. Mas, se estavam presentes os professores e auxiliares de administração escola, também lá estavam os proprietários de escolas e ordens religiosas mantenedoras de escolas (das mais diversas religiões). Se estavam os trabalhadores rurais em defesa da reforma agrária, também se faziam presentes os latifundiários, os defensores do agronegócio. A Assembleia Constituinte recebeu contribuições de diversas ordens, de diversos e contraditórios interesses, vivenciando uma permanente contraposição de interesses antagônicos.

Ao final dos trabalhos podemos afirmar que a pressão popular e a constância e firmeza dos setores organizados dos trabalhadores urbanos e rurais, dos estudantes, das associações de moradores, dos servidores públicos, dos aposentados, dos movimentos sociais, dentre vários outros setores e categorias possibilitaram, em que pesem algumas importantes derrotas, que a Constituição de 1988 inscrevesse o restabelecimento do Estado Democrático de Direito com eleições diretas em todos os níveis, a liberdade de organização partidária, a tortura e o racismo como crimes inafiançáveis, a manutenção da unicidade sindical com liberdade e autonomia e uma série de direitos econômicos e sociais entre os quais destaco: redução da jornada de trabalho para 44 horas, direito de aposentadoria dos trabalhadores rurais, direito a educação, saúde e previdência social, elevação do valor da hora extra, seguro-desemprego, ampliação da licença-maternidade, férias remuneradas com acréscimo de 1/3. Mesmo assim, nossa capacidade de mobilização e pressão em contraposição ao patronato, as forças reacionárias e a própria composição política e ideológica do parlamento impuseram lacunas na Constituição que terão que ser superadas com o avanço das lutas populares.

Se podemos afirma que a Constituição de 1988 traz conquistas históricas, ela deixa claro em seu arcabouço que não é um modelo acabado e, assim, precisa estar em permanente reconstrução. Temos ainda muito pelo que lutar. Uma série de artigos precisa sair do simples nominalismo e 68003_392698407473370_708701484_npassar a ter efeito prático. Pode-se dizer que mais de 200 incisos e artigos precisam ser colocados em prática, ser regulamentados para assumirem sua efetividade. Mas não podemos confundir essa constatação com os ataques que sofreu e ainda sofre das forças reacionárias, da direita e do neoliberalismo, que vêm tentando, ao longo dos últimos 25 anos, subtrair direitos e garantias democráticas conquistados pelos trabalhadores.

Chamada de “Constituição Cidadã”, para melhor entender seu significado vale transcrever o que disse Ulysses Guimarães em sua promulgação: “A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: – Mudar para vencer! Muda, Brasil!”.

*Wellington Teixeira Gomes
Primeiro vice-presidente da Confederação de Educadores Americanos (CEA), diretor da Fitee e do Sinpro Minas e ex-presidente da Contee

Observações:

1-     Conforme estabelecia o art. 13, parágrafo 11, do Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte, a Fitee encaminhou no dia 23.04.87, às comissões e subcomissões, suas propostas que constam do livro intitulado “Suplemento ao número 116 do Diário da Assembleia Nacional Constituinte” de 06.08.1987 – páginas 283 a 288 –, pelo então presidente Wellington Teixeira Gomes.

2-     Durante o Entec, foi eleito como relator-geral: Wellington Teixeira Gomes. Como Relatores dos Grupos de Trabalho: Grupo 1- Wellington Teixeira Gomes (Fitee), Grupo 2- José Geraldo de Santana Oliveira (Sinpro-GO), Grupo 3- José Libério Pimentel (Sinpro-DF), Grupo 4- Paulo Rogério dos Santos (Sinpro-JF) – todos diretores da Fitee.

3-     As propostas encaminhadas pela Fitee e aprovadas no Entec foram encaminhadas pela CNTEEC e constam do mesmo livro acima (em 1) nas páginas 247 a 252.

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