O dia universal de prevenção de acidentes

José Geraldo de Santana Oliveira*

A Segunda Guerra Mundial, desencadeada de setembro de 1939 a maio 1945 – data em que a Alemanha assinou a sua rendição incondicional (as bombas de Hiroshima e Nagasaki, detonadas em agosto de 1945, tiveram o único propósito de demonstrar a força dos EUA, mas a guerra já tinha terminado) -, que humilhou a humanidade com os seus horrores, foi responsável pela morte de 70 milhões de pessoas, o que equivale a quase um terço da atual população brasileira.

Com toda a sua parafernália, que exigiu concentração total e dedicação quase exclusiva, dos povos e das nações envolvidas, foram ceifadas 70 milhões de vidas, entre populações civis, fria e cruelmente massacradas, e exércitos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,  indiscutivelmente, o maior marco da história, em termos de compromissos políticos e sociais, registra, em suas considerações:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mis alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição”.

Pois bem. Passados mais de 40 anos da promulgação deste inestimável documento, muitos de seus objetivos ainda não se realizaram, como se as nações que o assinaram tivessem sido acometidas de duas doenças gravíssimas e progressivas: surdez voluntária e amnésia progressiva.

Esta assertiva pode ser confirmada por muitos modos. Para tanto, basta que se traga ao lume o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado no dia 23 de abril último, sobre as doenças e os acidentes de trabalho no mundo.

Segundo esse estarrecedor Relatório, a cada 15 segundos, em muitos cantos do mundo, morre um trabalhador de acidente ou de doença  do trabalho, o que é responsável pela estrondosa soma de  mais de 5.500 mortes por dia, e de 2.340.000 por ano.

Somam-se a estas catástrofes outras de igual dimensão, quais sejam: 160 milhões de pessoas sofrem de doenças não letais relacionadas com o trabalho; 317 milhões de acidentes laborais não mortais ocorrem a cada ano.

No Brasil, consoante os dados da Previdência Social, no ano de 2012, foram registradas mais de 705 mil acidentes, com mais de 2.740 mortes e quase 15 mil incapacitações permanentes.

Com base nestes dados da OIT,  pode-se afirmar que em 29,9 anos, os acidentes e as doenças do trabalho, letais, de forma silenciosa e sem a frenética produção bélica que mobilizou os países envolvidos na Segunda Guerra Mundial, ceifam a mesma quantidade de vidas que ela ceifou.

E o que é pior: isso passa ao largo de todas as autoridades, que agem com total desprezo e negação plena dos compromissos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como se as vidas humanas fossem desprovidas de qualquer valor.

A atual realidade social, em todos os quadrantes do Planeta Terra, representa completa inversão da sábia e imortal lição, legada à humanidade pelo filósofo grego Protágoras, no século V, antes da era cristã, segundo a qual “o ser humano é a medida de todas as coisas”.

No marco atual do capitalismo, o dinheiro é a medida de todas as coisas, e o ser humano não possui nenhum valor.

Este quadro dantesco, que deveria provocar indignação repleta até mesmo naqueles que pouco apreço têm pelo ser humano, suscita o brado do Poeta da Liberdade, Castro Alves, em seu monumental poema “ O Navio Negreiro”, assim lançado ao infinito:

“Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa…

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!…”

O dia 28 de abril foi consagrado como sendo o dia universal de prevenção de acidentes, em memória dos 78 trabalhadores mortos na explosão de uma mina nos Estados Unidos, em 28 de abril de 1969.

Ao se analisarem os dados acima, é facilmente compreendida a passagem do dia 28 de abril sem alarde algum. Pudera, nada há a comemorar. Tudo a lamentar.

Parafraseando o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que conhecia o Brasil como ninguém (“Ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam com o Brasil”), deve-se afirmar: “Ou a humanidade acaba com a ganância capitalista, ou ela acaba com a humanidade”.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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