A magia do futebol: símbolo universal da confraternização
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
A maravilhosa canção “Volver a los diecisiete”, da cantora chilena Violeta Parra – difundida ao mundo pela magnífica cantora argentina Mercedes Sosa, que fez de sua imortal voz, por toda a sua vida, um portentoso brado contra as injustiças sociais, de lá, de cá e de alhures –, legou a todas as gerações, de sua época, do presente e do futuro, uma inapagável lição de amor, notadamente com as mágicas palavras que dizem: “O que puede el sentimiento no ha podido el saber/Ni el más claro proceder, ni el más ancho pensamiento/Todo lo cambia al momento cual mago condescendiente/Nos aleja dulcemente de rencores y violências/ Solo el amor con su ciencia nos vuelve tan inocentes” (que, com tradução livre, significam: “O que pode o sentimento (amor)/ Não o pode o conhecimento/Nem o mais amplo pensamento/Tudo se transforma em momento mágico e de pureza/ Nos afastando, docemente, de rancores e violências/ Só o amor, com a sua ciência, nos torna puros”).
Essas palavras, que devem ser ouvidas e refletidas com os ouvidos da mente, e não apenas do corpo – parafraseando o escritor inglês Charles Dickens, que dizia isto da poesia –, não comportam protestos e oposições, pois falam por si mesmas, silenciosamente, pelos séculos sem fim.
Mas também o futebol possui essa contagiante magia, que confraterniza, sem rancor e sem violência, todos os povos do mundo, principalmente durante as copas, que se realizam a cada quatro anos.
As mágicas integração e confraternização dos povos, durante a Copa do Mundo, representam a negação absoluta das relações desenvolvidas pelos governantes, no cotidiano, que contém muito de interesses econômicos e pouco de sinceras cooperação e integração.
Há pequenos gestos, ao longo de uma Copa do Mundo, que encerram, em si, o universo da tão sonhada paz mundial, assim como o DNA em relação à vida humana.
Esses pequenos gestos, por sua grandeza e alcance, são, indiscutivelmente, transcendentes e eternos, pelo seu simbolismo.
Vão, aqui, alguns deles. O primeiro ocorreu na copa de 1970, no México, a primeira transmitida para o Brasil, ainda em preto e branco. Os povos presentes no Estádio Asteca no jogo final entre Brasil e Itália desfraldaram uma enorme bandeira, com a seguinte mensagem: “Mexico campeon mundial del amistad” (“México, campeão mundial de amizade).
O segundo teve lugar na copa de 1974, na Alemanha – a primeira transmitida em cores para o Brasil –, ao final do jogo entre Brasil e Holanda, que fizeram uma das semifinais e que terminou com a vitória da Holanda, por dois a zero. O capitão do time holandês, Rud Krol, atravessou o todo o gramado e, após abraçar o lateral esquerdo Marinho Chagas – recém-falecido –, levantou-lhe o braço e pediu a todas as torcidas que o aplaudissem, como reconhecimento pelo seu belíssimo futebol e como belo gesto de amizade.
O terceiro deu-se em 1998, na fatídica final entre Brasil e França, quando o placar já era de três a zero para esta. O meia Rivaldo preferiu jogar a bola para a lateral para permitir o socorro médico a um jogador francês a tentar fazer o gol, em lance com real potencial para isso. Isso lhe valeu a inaceitável crítica de alguns de seus companheiros e de parte da imprensa esportiva.
O quarto é de agora, da Copa de 2014, e foi produzido pelo vibrante, dedicado e não raras vezes estabanado zagueiro brasileiro David Luiz, que, logo após o encerramento do jogo entre Brasil e Colômbia, não só abraçou e consolou o jogador colombiano James Rodriguez, que chorava copiosamente, como, repetindo a citada iniciativa de Rud Krol, levantou-lhe o braço e pediu a todas as torcidas que o aplaudissem.
O quinto também é da Copa de agora e produzido pela Seleção da Alemanha, que, à semelhança dos antigos samurais – os quais repudiavam a humilhação do adversário que enfrentavam em mortal combate –, recusou-se, terminantemente, a menosprezar e a humilhar a “Seleção Brasileira”, tratando-a com respeito, que ela mesma não se deu, durante os mais de 90 minutos de jogo de um time só – o da Alemanha, é claro.
O sexto, igualmente, é desta Copa e foi protagonizado pela Seleção da Holanda ao final do jogo em que ela abateu a pálida “Seleção do Brasil”. Enquanto os jogadores desta preferiram correr para os vestiários, como se fugissem de si mesmos, os jogadores holandeses, numa incontestável demonstração de respeito, de esportividade e de magnanimidade, percorreram todo o campo, aplaudindo a torcida brasileira, e, para coroá-la, o grande jogador Van Persie retirou a sua braçadeira de capitão do time e deu-a a um torcedor, como a dizer ao Brasil que, apesar da indignidade de sua “Seleção”, o seu povo é inigualável e é campeão mundial de simpatia, de acolhimento e de sincera e despretensiosa amizade.
Por último, merece especial destaque o magnifico espetáculo de civismo e de anfitriã do mundo proporcionado pela nação brasileira, mais uma vez contrariando os sombrios prognósticos dos semeadores da cizânia e do caos. Essa condição não foi, não é e não será jamais maculada pelo vexame da “Seleção Brasileira”, que pôs a alma de todos os 200 milhões de brasileiros de joelhos, por não se sabe quanto tempo; bem assim, pela impensada e repugnante iniciativa de se vaiar o hino chileno, no jogo com o Brasil.
Tudo isso faz do futebol o maior dos esportes e, mais uma vez, repita-se, o símbolo universal da confraternização e mola propulsora da efetiva construção da tão sonhada paz, não a do silêncio ou das armas, mas, a verdadeira, aquela que, parafraseando o poeta amazônico Thiago de Mello em seu monumental poema “Os estatutos do homem”, no Artigo Segundo, diz que fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, tem o direito de converter-se em manhãs de domingo – o que nada mais é do que a concretização das musicadas palavras de Violeta Parra que abrem estas singelas considerações.
Ah! Como seria bom e promissor se os governantes e os detentores do poder econômico tivessem a sensibilidade de escutar a universal linguagem do futebol.
Com certeza, um dia, não muito distante, assim será.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee