Aos trancos e barrancos, vamos em frente

A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram  

(Ulysses Guimarães).

 

Por Dimas E. Soares Ferreira*

Qualquer análise sobre esta última eleição deve ir além dos resultados saídos das urnas e focar também na disputa e nos debates que se deram ao longo de todo o processo iniciado precocemente com as manifestações populares que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras em junho de 2013. Naquele momento, a grande mídia brasileira passou a propagar quase como um mantra que se tratava do fim da política e das instituições políticas, especialmente os partidos políticos. Aquelas manifestações foram a senha para desencadear o processo de disputa eleitoral apostando na queda dos índices de aprovação do governo federal.

Mas a ausência de uma bandeira de luta que realmente traduzisse os anseios da sociedade, o caráter difuso dos protestos e a ação violenta dos black blocs acabou por enfraquecer o movimento e esvaziar as ruas. O tempo passou e então veio a Copa do Mundo. Apesar das agressões verbais direcionadas à chefe da nação levadas a cabo por torcedores de classe média, o evento foi um sucesso absoluto de organização e trouxe de volta o otimismo e a aprovação ao governo. Mal acabou a Copa e a campanha eleitoral se iniciou com o lançamento das principais candidaturas. Diante do crescimento de Dilma nas pesquisas, as forças neoconservadoras apostaram todas suas fichas naquilo que chamavam de terceira via ou de “nova política”, que na verdade não passava de mais do mesmo. Primeiramente encarnada na candidatura de Eduardo Campos que não conseguia decolar frente às candidaturas de Dilma e Aécio.

Todavia, uma reviravolta se deu com a morte trágica de Campos. Marina Silva, candidata a vice, foi alçada ao patamar de salvadora da elite brasileira e, em poucos dias, já se posicionava a frente do candidato tucano nas pesquisas. Mas, por se tratar de uma candidatura cheia de antagonismos e contradições político-ideológicas não se sustentou quando foi obrigada a se contrapor ao projeto democrático e popular implementado, a partir de 2003, com a chegada de Lula à presidência da República. Em poucos dias, a candidatura de Marina foi facilmente desconstruída pelo marketing eleitoral do PT.

O primeiro turno resultou em uma nova configuração político-partidária para o Brasil, para Minas Gerais e também para Barbacena. Dilma venceu o primeiro turno com 41,59% (43,26 milhões de votos), seguida de Aécio com 33,55% (34,89 milhões) e Marina Silva que se manteve no mesmo patamar de 2010 com 21,32% dos votos válidos (21,17 milhões de votos). Imediatamente começaram as especulações sobre a transferência dos votos de Marina para aquele candidato a quem ela declarasse apoio no segundo turno. Quanto às eleições para governador de estado, a vitória dos petistas Fernando Pimentel em Minas Gerais e Rui Costa na Bahia mostrava que não seria tão simples assim derrotar o PT. Para sair vencedor, Aécio precisaria vencer por larga margem em São Paulo, reduzir sua desvantagem no Rio de Janeiro, reverter sua derrota em Minas e ainda garantir pelo menos a vitória em Pernambuco contando com a transferência dos votos de Marina Silva.

Em Barbacena, o resultado do primeiro turno mostrou que as forças conservadoras e oligárquicas estão em franco processo de enfraquecimento e de perda de controle de seus velhos currais eleitorais. Dilma venceu o primeiro turno na cidade com 53,21% dos votos válidos (36.908 votos), contra 31,59% de Aécio (21.910 votos) e 11,6% de Marina Silva (8.046 votos). O petista Fernando Pimentel venceu na cidade com 59,66% dos votos válidos, contra 33,69% do candidato tucano apoiado pela velha oligarquia. Até mesmo Josué Alencar, candidato ao Senado pelo PMDB, da coligação de Pimentel, venceu em Barbacena com 52,3% dos votos.

Quanto à disputa proporcional para os legislativos estadual e federal, o que se viu foi o que já vem acontecendo nas últimas eleições, ou seja, a queda na votação dos candidatos representantes das oligarquias conservadoras que dominavam a cidade. Os ex-prefeitos Danuza Bias Fortes (PR) e Martim Andrada (PV) tiveram, respectivamente, 7.299 e 3.952 votos de um universo de 96.396 eleitores e por isso não foram eleitos. Já Lafayette Andrada (PSDB) obteve apenas 7.299 votos na cidade. Foi eleito, mas sua votação é bem menor que a do último pleito. Até porque é um parlamentar ausente da vida cotidiana da cidade. Já o PT de Barbacena fechou apoio à candidatura do jovem sanjoanense Cristiano Silveira e lhe deu 3.588 votos ajudando-o a se eleger deputado estadual. Foi o quinto candidato mais votado para deputado estadual em Barbacena sendo, até então, desconhecido da maioria absoluta dos cidadãos. Outra boa surpresa para Barbacena foi a votação do candidato do PSOL, Adailton Marques, que teve 4.301 votos na cidade.

Na disputa para deputado federal, novas surpresas. Bonifácio Andrada (PSDB) foi reeleito, mas teve somente 10.009 votos na cidade e novamente viu sua votação minguar. Já Ronaldo Braga (PMDB) apostou na dobrada com um candidato de Lavras e não se deu bem, teve apenas 5.393 votos na cidade ficando atrás de Reginaldo Lopes (PT), que teve 6.287 votos em Barbacena e mais de 300 mil em todo o estado, tornando-se o deputado federal mais votado de Minas Gerais. Prof. Maurílio (PSOL) teve 3.290 votos na cidade, mas não foi eleito. Podemos dizer que o PT foi o grande vencedor em Barbacena, pois todos os seus candidatos foram vitoriosos no primeiro turno com votações expressivas. Já Aécio Neves amargou sua primeira das três derrotas em menos de um mês. Viu seu candidato a governador ser derrotado já no primeiro turno e suas chances de reverter a situação perante a vitória de Dilma muito diminuídas.

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais ganhou uma nova cara com uma boa dose de renovação. Os partidos que compuseram a coligação vitoriosa elegeram sozinhos 23 deputados estaduais. Mas a pulverização dos legislativos federal e estadual vai gerar um enorme custo para os governos eleitos que terão de negociar apoio para seus projetos com mais de duas dezenas de partidos políticos, a maioria deles nanicos e sem conteúdo programático. Só o PMDB elegeu 142 deputados estaduais nos 27 estados da federação. O PT elegeu 108 deputados estaduais em 25 estados, PSDB elegeu 106 em 26 estados, seguidos de PSD (66), PSB (62), PDT (60), PP (51), PR (46), DEM (45), PTB (40), PRB (35), PSC (32), PROS (28), PV (27), PCdoB (25), SD (23), PPS (22), PTN (19), PSL (17), PEN (15), PTdoB (14), PHS e PSOL (12 cada), PTC e PRTB (11 cada), PRP e PSDC (9 cada), PMN (7) e PPL (4).

Já o Congresso Nacional, que também viu pulverizadas ainda mais suas cadeiras, continua tendo no PMDB (66 deputados e 18 senadores), PT (70 deputados e 12 senadores) e PSDB (54 deputados e 10 senadores) as maiores forças político-partidárias do país seguidos de cerca de nove ou dez partidos médios e mais 15 pequenas agremiações partidárias, a maioria delas legendas de aluguel que cobrarão um preço alto pelo apoio aos projetos do governo federal. Este, com certeza, um dos maiores problemas que a reforma política precisa atacar.

CÂMARA FEDERAL

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Derrotada na sua estratégia, no segundo turno as forças neoconservadoras se uniram (PSDB-DEM-PSB) e se agarraram na última e derradeira esperança de vitória, ou seja, Aécio Neves. O garoto propaganda do velho projeto neoliberal passou então a carregar a chance final de derrotar o PT e o projeto democrático popular em curso. Ao encarnar o discurso da “mudança” e usar o velho estratagema conservador de acusar a esquerda de corrupta, conseguiu a adesão da elite e de setores da velha classe média do Centro-Sul do Brasil. O seu marketing eleitoral usou a ideia da mudança e do novo para tentar desconstruir a ideia de governo novo, mais mudanças e ideias novas que eram a base da propaganda de Dilma. Sendo que, em momento algum a propaganda tucana abriu o jogo aos eleitores sobre seu verdadeiro projeto de governo, isto é, reduzir o papel interventor do estado, favorecer o rentismo, privatizar as forças produtivas que ainda permanecem estatais, desregulamentar o mercado, abrir o país para o comércio externo, reduzir os gastos sociais e submeter o estado aos interesses do mercado.

Num primeiro momento, a estratégia eleitoral de Aécio funcionou e conseguiu agregar os setores historicamente mais abastados e privilegiados da sociedade, boa parte deles concentrada no Centro-Sul do país. Mas, se esqueceram da militância petista que esteve adormecida por algum tempo acomodada nos elevados índices de aprovação de Lula e Dilma. No momento em que as pesquisas de opinião mostraram que havia sério risco de derrota e de ver todo o projeto construído nos últimos doze anos substituído pelo retorno do projeto neoliberal, milhões de homens e mulheres saíram às ruas com suas bandeiras e camisas vermelhas cantando e deixando claro que não se tratava de somente escolher entre dois candidatos, mas de escolher entre dois projetos totalmente diferentes, sendo que a derrota de Dilma poderia significar o maior retrocesso político desde o golpe militar de 1964. Em pouco mais de uma semana o intenso ativismo político da militância petista agregou quase todo o campo da centro-esquerda e esquerda, e atuando nas ruas e nas redes sociais reverteu o quadro desfavorável das intenções de voto.

O ódio ao PT pregado diariamente nos meios de comunicação de massa, especialmente Rede Globo e revista Veja, criou uma cisão na sociedade a ponto de ânimos se acirrarem e cenas de manifestantes petistas sendo atacados por tucanos e aecistas tornou-se comum nos dias que antecederam a votação de segundo turno. Esse mesmo ódio foi cultivado pela UDN e o jornal O Globo na véspera do Golpe de 64, o mesmo ódio que levou ao suicídio de Vargas em 1954, o mesmo ódio que tentou impedir JK de tomar posse em 1955-56. Diante das pesquisas na véspera do pleito que mostravam a reeleição de Dilma Rousseff, uma última e desesperada tentativa de golpear o processo democrático foi lançada, como de costume na nossa recente democracia. Era uma cartada final. Assim, a revista Veja antecipou sua edição nas bancas com uma capa bombástica acusando sem prova alguma a presidente da República de corrupção, assim como ao ex-presidente Lula. No mesmo dia, o mais assistido telejornal dedicou quase todo o tempo a divulgar os fatos inverídicos sem que nenhuma prova fosse apresentada, tentando mudar a opinião pública.

Foi uma pena este desfecho, pois nossa democracia mostrava-se pronta para galgar mais um degrau e ao final só mostrou que se encontra refém de práticas golpistas engendradas por um quarto poder que se sente acima da lei. Entretanto, não foi possível reverter a derrota iminente. Dilma Rousseff foi reeleita com 51,64% dos votos válidos (54,5 milhões de votos). Aécio Neves ficou com 48,36% dos votos válidos (51 milhões de votos). Uma diferença de pouco mais de 3,5 milhões de votos. Foi sua terceira derrota em pouco menos de um mês. A primeira quando não conseguiu eleger seu candidato a governador de Minas Gerais, a segunda quando ficou em segundo lugar no seu próprio estado no primeiro turno e a terceira no segundo turno, quando já acreditava que ter vencido. Marina Silva, por sua vez, condenou sua história de luta no campo da esquerda ao se aliar aos mais conservadores setores da politica brasileira. Sua derrota final se deu em Pernambuco onde contava transferir seus votos para Aécio. Lá, na terra do falecido Eduardo Campos, Dilma venceu com mais de 70% dos votos válidos.

Em Barbacena e nas 11 cidades de sua microrregião, Dilma saiu vitoriosa. Em Santa Bárbara do Tugúrio, Santa Rita do Ibitipoca e Ibertioga, Dilma teve 77,28%, 73,30% e 71,13%, respectivamente. Em Barbacena, Dilma teve 65,11% dos votos válidos colocando mais de 20 mil votos de frente. Anunciado o resultado iniciou-se uma onda de lamúrias e lamentações por parte dos segmentos sociais que estiveram apoiando Aécio Neves. Passaram a acusar o Nordeste e os pobres de responsáveis pela vitória de Dilma, chamando-os de burros e ignorantes. Mas, como considerar aquele que viu sua vida melhorar, aquele que saiu do desemprego, aquele que conquistou a casa própria, aquele que obteve crédito para plantar ou abrir seu próprio negócio, aquele que conseguiu financiamento público para seus estudos, aquele que finalmente foi atendido por um médico, cubano que seja, mas foi finalmente atendido, aquele que recebeu a mão estendida do estado na sua direção quando a pobreza lhe batia às portas, como chamar de ignorante essa pessoa se ela agiu com a mais absoluta racionalidade no momento de fazer sua escolha eleitoral?

Passaram então a criar uma pseudodivisão no país, entre eleitores de Dilma no Norte-Nordeste e eleitores de Aécio no Centro-Sul. A internet tornou-se um campo fértil para ataques de conteúdo racistas e cheios de ódio. Mas, os números provam o contrário. Dilma teve mais votos no Centro-Sul (25,8 milhões de votos) do que no Norte-Nordeste (24,3 milhões). São Paulo foi o estado que mais lhe deu votos (8,5 milhões), apesar de ter perdido ali para Aécio. Em Minas Gerais, estado onde Aécio dizia ter 92% de aprovação, Dilma venceu com 52% dos votos válidos (6 milhões de votos). No Rio de Janeiro, segundo estado mais rico da Federação, Dilma venceu com 55% dos votos válidos (4,5 milhões de votos). No Rio Grande do Sul Dilma teve 46,5% dos votos válidos (6 milhões de votos) e em Santa Catarina e Paraná teve mais 3,8 milhões de votos. Isso desmonta a tese de divisão do país e demonstra que brasileiros de todas as regiões elegeram Dilma Rousseff para um segundo mandato.

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Que essa disputa que se tornou quase uma carnificina e a dura vitória das forças progressistas possa significar a implementação urgente de uma reforma política que acabe definitivamente com o financiamento privado empresarial das campanhas, com as coligações para as eleições proporcionais, que reduza o número de partidos, que leve à adoção do voto em lista e à extinção da figura de suplente para senador, que defina o crime de corrupção como crime hediondo e inafiançável entre outras. E que a presidenta Dilma Rousseff envie o mais rápido possível para o Congresso um projeto de lei de Meios regulamentando o setor, assim como tantos outros setores já regulamentados. O que não significa censura, mas a previsão de responsabilização civil e criminal para a divulgação de fatos sem provas que ataquem a honra de quem quer que seja. Quem não se lembra do deputado federal Bernardo Cabral acusado de corrupção nas páginas da mesma revista que, anos depois, provou-se inocente. Morreu com sua reputação completamente destruída sem que lhe devolvessem sua honra de volta.

Como historiador, cientista social e político e professor tenho certeza absoluta de que os fatos que vivemos nestes dias serão registrados como os mais graves de nossa recente democracia e servirão para promover mudanças radicais no marco legal de nossas instituições políticas impedindo que se repitam. Que venha o dia de amanhã e que a luta por uma sociedade mais justa e democrática continue nos corações de nossos jovens como vimos nestas últimas duas semanas. O melhor de tudo foi ver que a política não morreu e que ainda mobiliza nossa juventude, afinal de contas é nela que devemos apostar o nosso futuro.

O autor é doutor em Ciência Política pela UFMG e mestre em Ciências Sociais pela PUCMinas. Diretor do Sinpro Minas e da Contee. Revisor ad hoc do eJournal of eDemocracy and Open Government e da Revista Temas da Administração Pública da Unesp. Membro do Comitê Científico da Revista Extra-Classe. Professor da Epcar e vencedor do XI Prêmio Tesouro Nacional em 2006.

*Os artigos assinados publicados neste Portal são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente refletem o posicionamento da Contee. 

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