Sobre o documentário Profissão Repórter e Cuba
No dia histórico em que o presidente de Cuba, Raúl Castro, e o dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciaram a retomada das relações diplomáticas entre os dois países, o coordenador da Secretaria de Organização Sindical da Contee, José Ribamar Barroso, apresenta uma reflexão – elaborada antes da notícia histórica – sobre a forma como a “grande imprensa” brasileira retrata a ilha caribenha. Leia o artigo abaixo:
Trabalho em uma escola do estado à noite. Estava trabalhando e olhando para o relógio, fiquei ansioso para ver o documentário da Rede Globo, que abordaria a famosa ilha de Cuba (antes vi o jornal da Band, que confirmou o Oswaldo de Oliveira no Palmeiras e o Tite no Corinthians, boas notícias, indícios do São Paulo campeão). Mudei de canal, preparei o tira-gosto, apesar de ser terça-feira, não resisti e abrir uma das últimas garrafas de rum cubano, para fazer uma cuba libre e assistir ao tal programa.
Fiquei me perguntando por que a Rede Globo passaria um documentário justamente no momento em que Cuba, com toda a comunidade internacional, está quase conseguindo a libertação de três cubanos que são prisioneiros nos Estados Unidos desde 1996? Na verdade, eram cinco; dois já foram libertados em maio de 2014, quando tive a oportunidade de ouvir seus depoimentos sobre as atrocidades cometidas pelo governo americano ao povo cubano.
O programa transcorreu e não foi dito que os exilados cubanos, mostrado no documentário, são incluídos em um grupo extremamente conservador liderados pelo Comitê de Ação Política Cuba-Estados Unidos, na sua maioria residentes no estado da Flórida, cujas influências políticas nos Estados Unidos dificultam a normalização das relações diplomáticas com Cuba. Esse comitê é uma pequena organização, economicamente muito poderosa, que forma o chamado “lobby de Cuba”, de linha dura em matéria de isolamento e embargo, e é apoiado pelos cubano-norte-americanos.
Faz-se importante destacar que os norte-americanos mantêm relações comerciais com outros países comunistas, tais como a República Popular da China (com a qual seu comércio aumentou de US$ 5 bilhões em 1980 para US$ 231 bilhões em 2004, o que a tornou seu terceiro maior parceiro comercial, sua segunda maior fonte de importações, e seu quinto maior mercado exportador), e levantou seu embargo contra o República Socialista do Vietnã em fevereiro de 1994 (o que fez seu comércio internacional com aquele país comunista crescer de US$ 220 milhões em 1994 para US$ 6,4 bilhões em 2004).
Em nenhum momento falou-se do grande mal que o famigerado embargo faz ao povo cubano, esse embargo comercial proibindo as filiais estrangeiras de companhias estadunidenses de comercializar com Cuba a valores superiores a 700 milhões de dólares anuais. O embargo está em vigor até os dias atuais, tornando-se um dos mais duradouros embargos econômicos na história contemporânea.
Devido ao embargo é proibido a empresas de terceiros países a exportação para os Estados Unidos de qualquer produto que contenha alguma matéria-prima cubana (a França não pode exportar para os Estados Unidos uma geleia que contenha açúcar cubano, que absurdo!).
É proibido a empresas de terceiros países que vendem a Cuba bens ou serviços nos quais seja utilizada tecnologia estadunidense ou que precisem, na sua fabricação, de produtos dessa procedência que excedam 10% do seu valor, ainda quando os seus proprietários sejam nacionais de terceiros países.
Proíbe-se a bancos de terceiros países que abram contas em dólares norte-americanos a pessoas individuais ou jurídicas cubanas, ou que realizem quaisquer transações financeiras nessa divisa com entidades ou pessoas cubanas, as quais podem ser, caso ocorram, confiscadas. Isso bloqueia totalmente Cuba de utilizar o dólar em suas transações de comércio exterior.
É proibido aos empresários de terceiros países levar a cabo investimentos ou negócios com Cuba, sob o suposto de que essas operações estejam relacionadas com prioridades sujeitas a reclamação por parte dos Estados Unidos da América. Os empresários que não se submetam a essa proibição serão alvo de sanções e represálias como o cancelamento, ou não renovação, de seus vistos de viagem aos Estados Unidos.
Em junho de 2004, George Bush anunciou as medidas do relatório da “Comissão de Ajuda para uma Cuba Livre”, objetivando uma “mudança de regime”, como disse o então presidente norte-americano. São ações que recrudescem ainda mais o bloqueio, agravando as ações contra o turismo e os investimentos em Cuba, restringindo os fluxos financeiros e limitando as remessas familiares. Segundo relatório anual da ONU, realizado em 2005, o bloqueio já causou, desde o seu início até 2005, um prejuízo superior a 89 bilhões de dólares para o país caribenho, Segundo o jornal Adital, o custo passa da casa de 1 quatrilhão de dólares.
O programa também não mencionou que em 2009 a Unesco apresentou um informe de seu organismo regional, avaliando a qualidade do ensino em diversos países. O estudo concluiu que “os alunos cubanos quase duplicam os resultados dos alunos que mais se aproximam deles”. O jornalista nova-iorquino apontou que os resultados “foram tão dramaticamente superiores que os pesquisadores da Unesco regressaram a Cuba e examinaram de novo os estudantes, obtendo os mesmos resultados”. Cuba teve 70% dos seus estudantes com qualificações de mais 350 pontos de um total de 500, enquanto a média na Argentina, no Uruguai e no Chile foi de 300 pontos. Brasil e México acusaram uma média instável de aproximadamente 250 pontos.
O milagre cubano não é difícil de explicar: Cuba investe em educação 12,9% do PIB, no bojo de um investimento social de 30%. Fico imaginando Cuba sem o embargo… O México, por exemplo, a duras penas, destina 5% para a educação com altos e baixos. Islândia e os países nórdicos se aproximam de 8%. Em janeiro de 1959, Cuba tinha três universidades públicas com 15 mil alunos e mil professores; hoje conta com 67 instituições de altos estudos com 261 mil matriculados e 77 mil professores; 35 mil bolsistas latino-americanos passaram por suas classes, além de um novo programa de municipalização da educação superior que já construiu mais de 300 sedes universitárias municipais. Na verdade, Cuba é toda uma grande escola.
O Estado é o responsável integral pela educação, como na Finlândia e na França. Há uma grande valorização social da profissão docente em todos os seus níveis e os salários dos professores equivalem aos de outros profissionais como médicos e físicos. As universidades pedagógicas têm um alto grau de formação e de exigência. Nunca há mais de 18 crianças por sala e o tempo dedicado a cada criança para elaborar e problematizar respostas individuais duplica o de qualquer país do mundo.
Mas não era este o interesse da Rede Globo em seu Profissão Repórter. Por isso me sinto na obrigação de dizer que, em Cuba, 8.913.000 de cubanos, através de seus conselhos populares, participaram da discussão do Projeto de Diretrizes para a Política Econômica e Social do governo para ser implementada em 2014. Foram registrados mais de 3 milhões de intervenções populares.
Mais de 357 mil cubanos exercem o trabalho por conta própria.
Mais de 3 milhões de turistas visitaram a Cuba em 2013.
Foram produzidos 4 milhões de toneladas de petróleo e gás em 2011.
A taxa de mortalidade infantil em Cuba é inferior a 5 por mil nascidos vivos.
A expectativa de vida é de 78 anos.
Cento e oitenta e seis países condenaram os EUA pelo bloqueio genocida contra Cuba, durante a Assembleia Geral da ONU, em outubro passado.
O Conselho de Estado da República de Cuba concordou em indultar mais de 2.900 presos.
Cuba ocupa a 51ª posição, no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, com um alto desenvolvimento humano.
Quatorze de dezembro marcou o primeiro aniversário da primeira rede social de conteúdo digital cubano, EcuRed, com cerca de 80 mil artigos e verbetes.
Mais de 40 mil cubanos estão em missões de solidariedade por mais de 70 países.
Mais de 3 milhões de pessoas foram alfabetizados pelo método “Yo, si puedo”, depois de ser aplicado em quase três dezenas de países ao redor do mundo.
Com o início do ano letivo, em 5 de setembro de 2014, abriram suas portas mais de 60 universidades na ilha, com cerca de 500 mil alunos matriculados.
Minha expectativa com o programa acabou, minha cuba libre também. Lembrei-me da Praça da Revolução e de 1 milhão de pessoas cantando a internacional no 1° de maio. Lembrei-me também de uma frase de José Martí que li em um muro de Havana: “Para ir adiante dos demais se necessita ver mais que eles.”
Por José Ribamar Barroso – Coordenador da Secretaria de Organização Sindical da Contee e diretor do Sinpro-PA
Obs. 1: Apesar da retomada das relações diplomáticas anunciadas nesta quarta-feira, 17 de dezembro, o embargo econômico mencionado no artigo permanece, uma vez que ainda precisa ser discutido pelo Congresso dos Estados Unidos.
Obs. 2: A educação cubana foi tema da matéria “Sim, Cuba pode” publicada na edição 28 da Revista Conteúdo
também achei decepcionante a matéria sobre Cuba, Caco Barcelos é um bom jornalista, pena que esteja no lugar errado. Só mostrou fatores negativos sobre Cuba, sobre a Educação e Saúde que é que todos nós brasileiros sonhamos em ter com qualidade, foi limitado a uma frase. A imprensa independente neste país não existe mais, com estes monopólios televisivos.
Me deixou perplexa o fato de um Cubano-Americano dizer que liberdade tem um preço, na realidade ele quis dizer que ter dinheiro tem um preço, pois que liberdade é essa quando você está longe das pessoas que ama, seus amigos, somente para ter conforto.
Eu acho que eu realmente não sei o que é felicidade, meu crescimento é intelectual e não financeiro , vc tem que estar ao lado das pessoas que te fazem bem, que te fazem rir, com muita saúde e educação e pelo jeito isso não falta em Cuba