‘No nosso país há ainda muito por fazer no sentido de valorizar os professores’

O ano letivo em Portugal começou agora, em setembro, e o Portal da Contee compartilha esta entrevista com o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, que aproveita o momento para fazer um balanço sobre como se iniciou o trabalho nas escolas, mas também apontar para o futuro, conhecendo as prioridades da Fenprof para 2016/2017. Na entrevista, ele reafirma o princípio fundamental da entidade — que se alinha à nossa luta no Brasil: defender os professores e uma escola pública de qualidade.

Numa apreciação global à forma como está a iniciar-se o ano letivo, que balanço se pode fazer desta abertura?

Mário Nogueira (MN): Penso que há dois planos a considerar. O do observador externo e, se nos limitarmos a esse, as coisas correram bastante melhor, principalmente porque, ao abrirem, as escolas já contavam com a generalidade dos professores; porém, quem vive o quotidiano das escolas sabe que se mantêm problemas que dificultam muito o seu funcionamento. A falta de assistentes operacionais, o excessivo número de alunos por turma, as turmas do 1.º Ciclo com diversos anos de escolaridade e a insuficiência dos apoios aos alunos que deles necessitam são os principais problemas que o governo não resolveu.

Comparando com anos anteriores, confirmas que, apesar de tudo, o ano teve uma abertura menos acidentada?

MN: Sim, teve. Basta que recordemos as constantes trapalhadas com a colocação de professores. E não era só o problema das BCE, era mesmo incompetência e incapacidade de reconhecer os erros. As coisas atingiram um ponto que Nuno Crato foi obrigado a pedir desculpas públicas. Ninguém esquece o que aconteceu na Assembleia da República um ou dois dias depois de o ministro ter afirmado que os problemas vindos a público eram invenção da Fenprof. Foi patético.

Os problemas decorriam apenas de incompetência técnica?

MN: Não. Como se sabe, muitos eram consequência da contratação direta pelas escolas, através das BCE. Sempre nos opusemos às BCE, não apenas por abrirem portas à discricionariedade, tendo sido muitas as injustiças cometidas, algumas com impacto na entrada nos quadros, mas também porque atrasava as colocações em quase um mês e colocava o mesmo professor em várias escolas.

Então a forma mais correta será a colocação por lista nacional…

MN: É o que, há muito, defendemos. Poderá não ser o mecanismo perfeito, mas é de todos o menos imperfeito, como temos repetido. A lista nacional de candidatos ordenados por graduação profissional tem sido e será sempre a forma mais simples, mais justa, logo, mais adequada de colocar professores. Será o que defenderemos na revisão do regime de concursos que se iniciará já em outubro.

Surgiram algumas denúncias que apontavam para a existência de ofertas de escola, supostamente para recrutar técnicos especializados, mas que correspondiam a horários de grupos de recrutamento. Seriam vagas guardadas para amigos?

MN: Admitimos isso e, por essa razão, questionámos o ME, indicando situações concretas de vagas, por exemplo, do grupo 420, em que surgiam horários do intervalo 8/14 horas. Analisada uma por uma, verificou-se serem horários, no caso deste grupo, eram seis, para os quais não houve qualquer candidato, daí passarem à oferta de escola, tal como a lei prevê. No grupo 120, o número de horários era ainda superior.

Outra situação que tem merecido contestação é a da Mobilidade por Doença, com mais de quatro mil professores deslocados de escola. Não estará este mecanismo a tornar-se numa forma de aproximação à residência?

MN: Se isso acontecer, espero que se detetem as situações fraudulentas, serem fortemente punidos os responsáveis. Este é um mecanismo fundamental para quem sofre de doença incapacitante e necessita de apoio clínico. Em minha opinião, o aumento do número de docentes nesta situação é normal, pois o reconhecido envelhecimento do corpo docente tem consequências e esta é uma delas. Falamos de tumores malignos, nefropatias graves, acidentes vasculares graves, cardiopatias, entre outras situações clínicas, devidamente fundamentadas por relatórios médicos.

Mas como garantir que não há fraude?

Reitero o que defendemos no ME, a malha deverá ser extremamente apertada, pelo que, ainda este ano, deverão realizar-se a juntas médicas nos casos sobre os quais recaia qualquer tipo de suspeição e, ainda que aleatoriamente, para o maior número possível de outros casos. Seria bom que fossem todos, pois defenderia os professores que necessitam desta mobilidade. Estou em crer que, de uma forma geral, as situações existentes são corretas.

Recordo que há dias um jornal colocou em primeira página essa suspeita de fraude…

Entendo que o direito à dúvida é inalienável, porém, acho que quem levanta a suspeição deverá concretizá-la, sob pena de estar a pôr em causa todos os que usufruem da medida. Se eu fosse um desses, garanto que avançaria para tribunal contra quem acusa no abstrato. E já agora, convém dizer que muitos casos que acompanhamos na Fenprof viram indeferido o seu pedido não por razões de ordem clínica, mas administrativa, por exemplo, a falta de um carimbo ou uma assinatura. Há casos dramáticos que estamos a tentar resolver.

Ultrapassado este período de abertura do ano letivo, quais as prioridades para a Fenprof?

MN: Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que a abertura do ano letivo não se limita à semana estabelecida no calendário escolar. É um tempo mais prolongado e como não acaba no dia 15 iremos concluir os levantamentos que estamos a promover, não apenas para denunciar os problemas que identificámos como mais graves, mas para apresentar soluções. Há situações que deverão ser corrigidas ainda este ano, como desdobrar todas as turmas do 1.º Ciclo que tenham mais de dois anos de escolaridade, reforçar os recursos das escolas para apoio aos alunos com necessidades educativas especiais ou retirar as AEC do período de aulas.

Indo para além desta fase do ano, 2016/17, será, como tem afirmado a FENPROF, o ano dos professores?

MN: Queremos que seja e tudo faremos nesse sentido. Em 5 de outubro, completam-se 50 anos sobre a adoção pela Unescoe OIT de uma Recomendação relativa ao pessoal docente. Relendo-a, verificamos que no nosso país há ainda muito por fazer no sentido de valorizar os professores, tendo até havido graves retrocessos nesse domínio. O envelhecimento da profissão é um problema que deverá resolver-se com a aprovação de um regime especial de aposentação, a estabilidade do corpo docente deverá alcançar-se através da aprovação de um regime justo de ingresso nos quadros, os professores deverão voltar a progredir nas carreiras e os horários e demais condições de trabalho dos docentes deverão ser reorganizados, pois estão na origem do tremendo desgaste sentido por estes. Estas são prioridades que relançaremos nas iniciativas com que assinalaremos o Dia Mundial dos Professores e que, a par dos concursos, integrarão a agenda de trabalho das reuniões a realizar nas escolas ao longo do primeiro período.

E para além das questões dos professores…

MN: Para além dessas, daremos prioridade à gestão democrática. Como pode formar cidadãos para a democracia uma escola que não tem uma organização democrática? É preciso retomar princípios como o da colegialidade, da elegibilidade e da democraticidade que apela à participação. Há que envolver os professores na tomada de decisões estratégicas das escolas. É necessário que as escolas sejam representadas e não o contrário, como acontece hoje, em que é a administração educativa a ter um representante nas escolas. Mas haverá outras questões, claro, a que daremos atenção: há que desfazer o nó da municipalização, começar a desagregar os mega-agrupamentos, iniciar o debate sobre os currículos…

O ano de 2016 é também o dos 30 anos da Lei de Bases do Sistema Educativo. Que importância continua a ter uma lei que dura há tanto tempo?

MN: Muita importância. A Lei de Bases do Sistema Educativo é uma lei democrática que, como tal, é fundamental para a organização e respostas do nosso sistema de educação e ensino. Ela estabelece as bases de uma escola que deverá ser democrática, isto é, de qualidade, para todos e inclusiva nas suas respostas. Há alguns que, com o argumento de uma necessária atualização da lei, querem abrir uma revisão que permita alterar alguns dos seus princípios fundamentais. Em minha opinião, importante será, 30 anos depois, verificar o que está por cumprir para que se concretize. A Escola Portuguesa, para ser verdadeiramente inclusiva e democrática, tem ainda muitos passos a dar, mais do que era suposto para este século XXI, o que resulta de, nos últimos anos, se terem verificado vários retrocessos.

Por último, que relacionamento existe com a atual equipa ministerial e qual o posicionamento da Fenprof em relação à sua ação?

MN: Temos um relacionamento que é institucional e não mais que isso. É diferente do que aconteceu com equipas anteriores, é verdade, mas o que espero é que não se repitam esses tempos. Com Lurdes Rodrigues havia muitas reuniões, mas pouquíssima negociação e com Nuno Crato foi o deserto. As reuniões aconteciam apenas quando a lei era incontornável, o ministro desapareceu e a agenda neoliberal, depois de desenhada, começou a ser imposta. Quanto à ação da atual equipa ministerial, o nosso posicionamento será o de sempre: concordaremos com o que entendermos ser positivo e lutaremos contra o que acharmos prejudicial. É claro que a direita anda aborrecida porque a Fenprof valorizou, considerando positivas, medidas como o fim das BCE, da PACC, da requalificação, dos exames de 4.º e 6.º anos, dos vocacionais no básico, a não generalização da municipalização, o fim dos cortes salariais… mas essas foram bandeiras de luta, de sempre, dos professores e da Fenprof, pelo que só por absurdo se poderia pensar que a Fenprof estaria contra essas importantes medidas.

Mas medidas haverá que não merecerão o acordo da Fenprof…

Relativamente ao que não merecer o nosso acordo, como sempre fizemos, denunciaremos e lutaremos, apresentando alternativa. É assim que somos; é assim que os professores nos conhecem; é assim que os professores nos querem e, por isso, somos a maior e mais representativa organização sindical de docentes em Portugal. Entendo que haja quem não goste, mas é assim que somos e nos manteremos seja quem for que governe. Defendemos ou combatemos políticas e não pessoas, gostemos delas ou detestemo-las. Mas como não andamos distraídos, também sabemos quem são os que os que afirmam que agora defendemos o governo. Os dois últimos que descobri foi a ex-assessora de Nuno Crato no MEC e o dirigente de uma organização habituada a fazer fretes ao poder, traindo os interesses dos que diz representar.

Do Jornal da Fenprof

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