O monstro de duas cabeças na educação brasileira
Jessy Dayane
Tempos sombrios assolam a universidade pública brasileira, trazendo à tona as marcas autoritárias do golpe militar de 1964 e retomando a política de desmonte e privatização do ensino superior do período neoliberal de FHC da década de 90.
Essa é a dupla face do golpe contra a educação que temos visto avançar a cada dia. Por um lado, o ataque a autonomia universitária ferindo de forma agressiva, inclusive pela via da intervenção policial, a democracia e nossa constituição, com o objetivo de desmoralizar a instituição pública e perseguir aqueles que são críticos ao projeto de educação dos golpistas. Por outro, a construção de uma falsa realidade da educação pública em nível superior para justificar o seu desmonte, com objetivo de apontar a privatização da universidade pública como saída para crise.
Nos últimos meses, assistimos a episódios que remontam as cenas de repressão e abuso de poder vividos em 1964. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), estudantes foram suspensos por seis meses dos seus cursos, por terem participado da ocupação da universidade contra a PEC do teto dos gastos, hoje emenda 95, que limita os gastos públicos por 20 anos. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) o reitor Luiz Cancellier foi conduzido coercitivamente para depor, de forma irregular, sem provas nem intimações, o que levou ao suicídio do gestor. Já no último dia 7, foi a vez da polícia federal invadir a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conduzir coercitivamente 8 dirigentes e servidores, da mesma forma irregular, dentre eles o reitor e a vice reitora da instituição.
No caso da UFMG, a operação chamada “esperança equilibrista” além de fazer chacota com uma música simbólica da luta contra a ditadura militar, teve como alvo da investigação a construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, alegando possível desvio de verba. A ação da polícia federal além de abusar do seu poder e ferir o Estado democrático de direito quando usa da condução coercitiva de forma ilegal, também ataca a autonomia universitária, interferindo na pesquisa desenvolvida por uma das universidades mais qualificadas do país.
Esse tipo de atuação que combina o desrespeito às normas democráticas do país com uma espetacularização midiática que vem se efetivando desde a instauração da operação lava jato no Brasil, lança as bases de um Estado de exceção. Criam um clima de terror e perseguição a todos os setores que se posicionam de forma contrária ao desmonte do país e autoritarismo que marcam o golpe de Estado que depôs ilegalmente a presidenta Dilma.
Essas ações contra as universidades brasileiras também tem como objetivo justificar a privatização do ensino superior, servindo aos interesses imperialistas, como sugere o recente relatório do banco mundial.
O golpe na educação retoma o projeto que FHC tentou implementar na década de 90 no Brasil, retrocede em aspectos do desenvolvimento nacional que nem na ditadura militar se ousou. É expressa pela PEC 366/2017 que propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, justificando-se basicamente em dois argumentos: Necessidade de economizar gastos e apontamento de que o perfil sócio-econômico do estudante da universidade pública pode pagar pela educação superior.
Esses mesmos argumentos são utilizados pelo relatório do banco mundial que sugere o fim da educação superior pública e gratuita no Brasil. Além disso, o relatório faz comparações esdrúxulas com as instituições de ensino superior privadas do país, em relação aos custos de manutenção, desconsiderando o papel social das universidades públicas no combate às desigualdades, bem como o papel fundamental no desenvolvimento do país através do tripé ensino, pesquisa e extensão. Finalidades que as instituições privadas na sua maioria não conseguem corresponder, pois são majoritariamente restritas ao ensino, voltadas para os lucros de seus proprietários e não necessariamente para as necessidades da nação.
Afora essas diferenciações de papéis, as universidades públicas geram retorno financeiro para o Estado. Por isso não se pode considerar como “gastos de recursos” desnecessários como induz o relatório do banco mundial, quando na verdade são investimentos em ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico-social-cultural. Mais detalhes sobre as falácias desse relatório que demonstra um profundo desconhecimento da educação brasileira e faz sugestões irresponsáveis podem ser acessadas através da análise crítica do relatório do banco mundial feita pelo professor da UFG Nelson Amaral.
Para nós do movimento estudantil brasileiro, essa subserviência dos golpistas aos interesses do capital internacional é um grave ataque às conquistas que obtivemos através de muita luta no que diz respeito à democratização e popularização do acesso à educação superior. Atualmente, quase 80% dos discentes vem de famílias com renda per capita que não ultrapassa dois salários mínimos, de acordo com relatório da ANDIFES. O fim da gratuidade no ensino superior significaria o fim do sonho dos jovens pobres do país terem um diploma.
Combatemos o golpe militar em 1964, combateremos o golpe de Estado neoliberal do nosso tempo e esse monstro de duas cabeças que ataca nossa educação! Nossos sonhos não serão saqueados! A universidade pública é um patrimônio do povo brasileiro, guardiã do pensamento crítico, da democracia e soberania nacional. Por esses motivos sempre se tornam alvo de governos antidemocráticos e antipopulares. Nós a defenderemos com toda garra e coragem juvenil!
A UNE volante estará de volta no primeiro semestre de 2018 rodando as universidades do país na defesa intransigente da educação pública, gratuita e socialmente referenciada! Se o presente é de luta, o futuro nos pertence!
Jessy Dayane é militante do Levante Popular da Juventude. Sergipana, Jessy estuda Direito em São Paulo e milita no Movimento Estudantil. Hoje, conduz a vice-presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE).