Se a inflação está baixa, por que o custo de vida não cai?
por Dimalice Nunes
A queda nos preços dos alimentos puxou o índice para baixo, mas os aumentos do gás, dos combustíveis e dos planos de saúde pesam para o consumidor
A inflação fechou 2017 em 2,95%, a menor desde 1998 (1,65%) e abaixo do piso de 3% da meta estipulada pelo governo, que mira os 4,5%, mas tem tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo. O indicador já havia rompido o teto da meta, em 2002 e 2015, mas nunca o piso.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – que apura os dados para calcular o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – e o Banco Central concordam: a forte desaceleração veio em razão do comportamento dos preços de alimentação e bebidas.
Mas o alívio não é sentido no bolso do consumidor.
De um lado, o aumento de 30% da safra reduziu em 1,87% o preço dos alimentos, já que eles têm o maior peso no cálculo do índice e respondem por 25% das despesas das famílias brasileiras. Com isso, os preços dos alimentos consumidos em casa fecharam o ano em baixa de 4,85%, sob forte influência das frutas, cujos preços tiveram redução de 16,52%.
De outro,a inflação de 2017 foi puxada principalmente pelo aumento de preços de botijão de gás (16%), planos de saúde (13,53%), creche (13,23%), gás encanado (11,04%), taxa de água e esgoto (10,52%), ensino médio particular (10,36%), energia elétrica residencial (10,35%) e gasolina (10,32%). São esses os números que explicam porque não houve alívio para o custo de vida da população.
E se os cidadãos ainda não sentiram efeitos práticos da queda da inflação, tampouco isso deve acontecer nos próximos meses. De acordo com informações do IBGE, a partir de agora deverá ocorrer um “realinhamento” dos preços dos alimentos e ao longo de 2018 a inflação deve “voltar à normalidade”, ou seja, não são esperados fenômenos atípicos que deixem o índice muito elevado ou muito baixo.
Além da inflação baixa não ter sido sinônimo de folga no orçamento doméstico, ela também indica o quanto falta para a economia de fato se recuperar. “Na verdade, a inflação em um patamar tão baixo é mais um sintoma da depressão que vivemos, da forte retração da demanda. Atribui-se o feito à safra recorde, mas parecem subestimar os efeitos dos sucessivos aumentos no preço da eletricidade, dos combustíveis e do gás de cozinha, estes últimos controlados pelo governo”, afirma o professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA, João Sicsú.
O economista aponta, ainda, que entre 2015 e 2016 o Brasil perdeu 7,2% do seu PIB. Com isso, a economia recuou seis anos, para o mesmo patamar que tinha no segundo semestre de 2010.
Outra consequência esperada da queda na inflação, mas não sentida, seria o corte dos juros. No entanto, embora a taxa Selic tenha alcançado o menor nível desde 1986, juros reais seguem acima dos 4%. Com Selic a 14,25%, eles chegaram a 3,2%.
Fora da meta
O sistema de metas de inflação foi criado em 1999 como uma forma de evitar o risco da hiperinflação, que atingiu o país nas décadas de 1980 e 1990 e só foi freada com o Plano Real em 1994. O governo estabelece, para cada ano, uma meta de inflação e com base nela articula ações – como corte ou elevação dos juros, por exemplo – que permitam manter o indicador no prumo.
Quando a inflação foge da banda estipulada, como aconteceu em 2017, o Banco Central precisa se explicar. Na tarde da quarta-feira 10, após a divulgação do dado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma carta aberta foi publicada pelo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, endereçada ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que também é o presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN), o órgão que define anualmente a meta para a inflação.
Na carta, o BC afirma que “em vista do comportamento excepcional dos preços dos alimentos no domicílio, decorrentes de choques fora do alcance da política monetária (como a oferta recorde de produtos agrícolas), o Banco Central do Brasil seguiu os bons princípios no gerenciamento da política monetária e não reagiu ao impacto primário do choque”.
O Banco Central informou ainda que tem “calibrado” a taxa básica de juros da economia, atualmente na mínima histórica de 7% ao ano, e acrescentou que continuará a fazê-lo “com vistas ao cumprimento das metas para a inflação estabelecidas pelo CMN”.
“A inflação já se encontra em trajetória em direção à meta em 2018. No acumulado em doze meses, a inflação ao final de 2017 aumentou 0,49 pontos percentuais em relação ao mínimo de 2,46% observado em agosto do mesmo ano”, afirma o texto.
As metas para a inflação dos próximos anos já foram definidas: os mesmos 4,5% para 2018 e 4% para 2019 e 2020, com a mesma tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo. O Banco Central estima, de acordo com seu último Relatório de Inflação, que o índice chegará a 4,3% em 2018, a 4,2% em 2019 e a 4,1% em 2020.