Fim da contribuição sindical “é estrada para a precarização do trabalho”, diz especialista
O fim da contribuição sindical compulsória, previsto na nova legislação trabalhista (Lei n. 13.467/2017), comprometeu totalmente a estrutura sindical e, consequentemente, os direitos da classe trabalhadora. Tendo em vista que todo trabalhador é representado por um sindicato assim que ingressa em uma categoria profissional, o enfraquecimento ou a desestruturação dessa entidade põe em xeque direitos e conquistas desses trabalhadores. A reforma trabalhista tornou a contribuição sindical facultativa, enfraquecendo assim os sindicatos, inviabilizando a estrutura e manutenção dessas organizações. Desde que a nova lei foi implantada, as relações de trabalho no Brasil foram precarizadas. A receita dos sindicatos caiu quase 90%, afetando o funcionamento das entidades sindicais em todo o Brasil.
A mídia vende a informação de que todo o dinheiro arrecadado por meio da contribuição sindical vai para os sindicatos, as entidades sindicais e omite a informação de que esse recurso também custeia demandas relacionadas ao FAT, FGTS, combate ao trabalho escravo, infantil, entre outras. A tentativa da grande imprensa, que defende os interesses do mercado, é fazer os trabalhadores acreditarem que o fim da contribuição sindical dará maior liberdade para o trabalhador gerenciar seus recursos.
A quem interessa o enfraquecimento do movimento sindical? O assessor jurídico, especialista em Direito do Trabalho e Direito Sindical, Guilherme da Hora, rebate tais argumentos. Em entrevista ao Portal CTB, o jurista esclarece questões relacionadas à contribuição sindical e ao sistema de custeio da organização sindical como um todo.
“Certamente um movimento sindical enfraquecido não interessa aos trabalhadores. Ao contrário, uma organização sindical débil e deficitária é tudo que o mau empresário quer para poder explorar, sem obstáculos, a classe operária. Um mundo em que os sindicatos não têm condições para travar um bom combate é uma estrada pavimentada para a precarização do trabalho”, afirma Da Hora.
O que a Constituição diz sobre a estrutura/modelo sindical?
O modelo de sindicalismo sustentado pela Constituição Federal de 1988 assenta-se no tripé – unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das entidades sindicais por meio de um tributo, qual seja a contribuição sindical compulsória. Assim sendo, a mudança, ou a supressão irresponsável de um desses pilares pode implicar na desestabilização e no colapso de todo o sistema sindical brasileiro.
A verdade é que a compulsoriedade da contribuição sindical deriva, naturalmente, da compulsoriedade da representatividade sindical. O sindicato não escolhe quais trabalhadores ele representará. A entidade não pode beneficiar um grupo de trabalhadores em detrimento de outro, muito pelo contrário, ela age, e negocia, em favor de todos os membros de uma categoria. Portanto, o equilíbrio dessa conta decorreria, naturalmente, do custeio da atividade sindical por todos os membros da categoria, de forma igualitária e proporcional aos seus vencimentos.
Sendo assim, nesse aspecto, a nova lei pode ser considerada inconstitucional?
Sim. São essas as razões, inclusive, que motivaram a CONTTMAF – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos a ajuizar a ADI 5.794/DF, vindicando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 13.467/2017 (reforma trabalhista) nos pontos em que versa a respeito da contribuição sindical, que está em pauta para julgamento no STF para o dia 28 de junho de 2018.
Todo o dinheiro arrecadado por meio da contribuição sindical vai para os sindicatos, as entidades sindicais? Como este recurso é distribuído?
É muito importante frisar que o movimento sindical não se apropria de todo o montante recolhido a título de contribuição sindical. Na prática, o repasse dos valores é estritamente disciplinado por lei, na forma do art. 589 da CLT, que estabelece que o sindicato ficará com 60% do valor, a federação com 15%, a confederação com 5%, a central sindical com 10% e o Ministério do Trabalho com os 10% restantes. Mais do que isso, o art. 592 da CLT disciplina rigorosamente como será feita a aplicação de tais valores.
Necessariamente deverá o sindicato investir o dinheiro arrecadado a título de contribuição sindical em favor dos seus representados, prestando assistência jurídica; assistência médica, dentária, hospitalar e farmacêutica; assistência à maternidade; agências de colocação e emprego; formação de cooperativas; bibliotecas; creches; congressos e conferências; auxílio-funeral; colônias de férias e centros de recreação; investimento em prevenção de acidentes de trabalho; investimento em atividades desportivas e sociais; investimento em educação e formação profissional e em bolsas de estudo. Todas essas atividades citadas ficarão sumariamente prejudicadas, caso não seja assegurada às entidades sindicais a compulsoriedade no recolhimento da contribuição sindical.
Ainda, vale dizer que o montante da contribuição sindical que é repassado ao Ministério do Trabalho compõe o FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, destinado ao custeio e financiamento do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e de inúmeros programas de desenvolvimento econômico, como o Qualifica Brasil, o PROGER e o PRONAF, e até mesmo a ampliação da capacidade de investimento dos bancos públicos brasileiros.
Após a reforma, como passou a ser a contribuição? O que mudou?
Após a entrada em vigor da reforma trabalhista, a contribuição sindical, antes compulsória e obrigatória para todos os trabalhadores da categoria, passou a ser facultativa, somente podendo ser recolhida mediante aprovação individual ou coletiva dos obreiros. Tal procedimento, além de inconstitucional, desrespeita o sistema sindical estabelecido pela Constituição de 1988, não se amolda à realidade fática daqueles que trabalham.
A experiência prática no mundo do trabalho nos demonstra que, infelizmente, não são raros os casos em que aqueles trabalhadores sindicalizados ou que manifestam abertamente o seu apoio à organização sindical carregam consigo um “estigma” perante os seus superiores hierárquicos, sendo habitualmente preteridos nas suas promoções e no gozo de benefícios simplesmente pela sua “simpatia sindical”.
Portanto, é absolutamente impossível se falar em livre manifestação de vontade pelos trabalhadores sem que haja a regulamentação das práticas antissindicais no Brasil, já consagradas pelas Convenções n. 98, 135 e 151, da Organização Internacional do Trabalho, mas que, infelizmente, amargam um lamentável estado de ostracismo nas prateleiras do Congresso Nacional. A contribuição compulsória, mais do que um tributo decorrente do exercício da representação sindical pelas entidades de classe, é também um mecanismo de proteção dos trabalhadores contra a perseguição patronal decorrente da manifestação de simpatia pelos movimentos laborais organizados.
Com todo esse contingenciamento de recursos, acredita que o governo responderá às demandas relacionadas ao FAT, FGTS, combate ao trabalho escravo, infantil?
Vários levantamentos apontam uma redução de quase 90% da arrecadação das entidades sindicais no ano de 2018. Essa redução de receitas, obviamente, impactou também os cofres públicos e o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que, sem a verba proveniente da contribuição sindical, terá as suas operações limitadas e trará ainda mais dificuldades para o atendimento das demandas da sociedade.
É importante ressaltar que os trabalhadores brasileiros contam com o orçamento do FAT e do Ministério do Trabalho para diversas ações de interesse público, tais como o pagamento do seguro-desemprego, a realização de ações de combate ao trabalho escravo, a manutenção dos polos de combate ao trabalho infantil, o fomento de programas de aprendizagem, dentre outros, que terão a sua manutenção fortemente ameaçada pelo choque orçamentário provocado a partir da brusca redução de receitas nos cofres do Ministério do Trabalho.
De que forma essas medidas ameaçam a classe trabalhadora brasileira? Qual a saída?
Como esperar que os sindicatos atendam a contento um universo de 92 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, atuando na defesa dos seus direitos e satisfazendo as suas necessidades, com uma redução brutal de receita que beira os 90% de decréscimo? É urgente a discussão da matéria a partir de uma perspectiva de classe, privilegiando as representações de trabalhadores comprometidas com a justiça social e a redução das desigualdades, sob pena de o colapso do sistema sindical dar cabo a uma camada de trabalhadores pauperizados, com seus corpos postos no balcão de negócios do grande capital e desprovidos das suas porções mais básicas de humanidade.