Possível soltura de Lula escancara insegurança jurídica no país
Contrariando a jurisprudência, mas não aos apoiadores das arbitrariedades da equipe da Lava Jato, o ex-juiz Moro inclusive, e o clã Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, atropelou decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que havia acolhido, nesta quarta-feira, 19, pedido apresentado pelo PCdoB para garantir a presunção de inocência. Ele determinou que todas as pessoas detidas em razão de condenações após a segunda instância da Justiça sejam soltas. A decisão abrangia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem recursos pendentes nos tribunais superiores. Imediatamente, a defesa de Lula enviou petição para que Lula fosse solto. A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, informou que havia aberto mão do exame de corpo de delito para agilizá-la.
Ato contínuo, a Procuradoria Geral da República recorreu da decisão. A petição da defesa de Lula pela sua liberdade foi apresentada à 12ª Vara Federal Criminal do Paraná. Mas a instância informou que estava recebendo vários pedidos de soltura, e que cada caso é específico e não havia prazo para a liberação dos presos. A juíza responsável pela execução penal de Lula, Carolina Lebbos, solicitou manifestação do Ministério Público Federal (MPF) sobre o pedido da defesa. Questionou a determinação de soltura, alegando que existiam “decisões colegiadas, inclusive no caso concreto, no sentido do cabimento da execução provisória da pena”. Antes, o ministro Mello havia dito: “Se o Supremo ainda for Supremo, a minha decisão tem que ser obedecida”. E mais, disse que ela era “um teste para a nossa democracia, para ver se as nossas instituições ainda são respeitadas”. A democracia não passou no teste.
Trâmite demorado
A Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) foi protocolada em abril pelo PCdoB. Ela tem como base o artigo 283 do Código de Processo Penal, que estabelece que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
“Defiro a liminar para, reconhecendo a harmonia, com a Constituição Federal, do artigo 283 do Código de Processo Penal, determinar a suspensão de execução de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no artigo 312 do mencionado diploma processual”, disse o ministro Mello na decisão deste 19 de dezembro.
Reação da direita
O filho do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), deputado federal Eduardo (PSL-SP), criticou a liminar, alardeando: “Milhares de presos podem ser soltos e ficarem” (sic) “livres pelo menos até fevereiro!”. Na verdade, dado de agosto revela aproximadamente 148 mil presos em execução provisória, englobando também os que foram condenados em primeira instância e estão em prisão preventiva, caso excluído da decisão de Marco Aurélio. Mas o argumento falso foi encampado pelos agentes da Lava Jato, que convocaram coletiva para criticar a decisão constitucional, e pelo oligopólio midiático que apoiou o golpe que colocou MichelTemer na Presidência da República e favoreceu a eleição de Bolsonaro.
No mesmo sentido, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mandou a Constituição às favas e considerou que a decisão “de juiz do STF é como a de líder político: mede-se pelas consequências; liberar condenados em 2. instância, mesmo em nome da Constituição” (grifo nosso) “tem resultado negativo: aumenta a insegurança e a descrença na Justiça”.
Alinhada com a equipe Lava Jato, os bolsonaros e o tucano, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu pela derrubada da decisão do ministro Mello. O recurso foi aceito por Toffoli, que havia pautado a análise do tema apenas para 10 de abril do próximo ano. Um acinte denunciado por Humberto Fabretti, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie: “A jurisprudência é clara: não se pode mexer em decisão monocrática. Apenas o pleno da Corte poderia rever a decisão ou o próprio ministro Marco Aurélio, da mesma maneira como aconteceu com [Luiz] Fux, que reviu seu próprio entendimento sobre o auxílio-moradia de juízes”.
Segundo o coordenador-geral da Contee, Gilson Reis, “todo o episódio desnuda que Lula é um preso político. A Constituição é desrespeitada, uma decisão de um ministro do STF tem seu cumprimento protelado até que possa ser anulada – aliás, como fez o então juiz e futuro ministro de Bolsonaro, Moro, para influir na eleição de seu candidato. Esses acontecimentos só fazem reforçar em nós a convicção de que é urgente a formação de uma ampla, a mais ampla possível, frente em defesa da democracia e da Constituição, dos direitos sociais e trabalhistas de nosso povo”.
Carlos Pompe