À luta para combater a MP 873 e o crime contra os valores sociais do trabalho
Por Gilson Luiz dos Reis*
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), que tem o dever de bem representar cerca de 1 milhão de profissionais da educação escolar (professores e administrativos), em âmbito nacional, associa-se a todos quantos repudiam a torpe medida provisória N. 873, editada — mais apropriado seria dizer baixada — à sorrelfa, ao 1º de março corrente, véspera do início da maior festa popular brasileira: o carnaval.
Seja por seus princípios, que se norteiam pela defesa intransigente do Estado Democrático de Direito, seja pelos seus compromissos programáticos, seja pelo seu imperioso dever de expender todos os esforços ao seu alcance para a sobrevivência e o fortalecimento das entidades sindicais de trabalhadores, em especial as de sua base de representação, sem os quais não há o mínimo respeito aos direitos fundamentais sociais, a Contee cerrará fileira unitária com aqueles que buscam impedir a conversão dessa nefasta MP em lei, dispondo-se a participar de todas as lutas e atos que se fizerem necessário para tanto. Assim sendo porque somente por falta de cautela ou por má-fé é que se pode vislumbrar alguma razão republicana na edição da Medida Provisória (MP) N. 873, publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) ao dia 1º de março corrente.
Essa MP, a toda evidência, visa a desferir mais um certeiro golpe nas entidades sindicais dos trabalhadores e na Justiça do Trabalho, decretando a morte daquelas, por asfixia financeira, e o esvaziamento desta, posto que se pretende impossibilitá-la de cumprir os comandos do Art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) — segundo o qual “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” — no que diz respeito ao financiamento sindical.
É exatamente isso que se extrai dos comentários do secretário da Previdência Social, Rogério Marinho — relator do projeto de lei da cruenta reforma trabalhista e artífice da comentada MP —, feito em rede social, um dia após a sua publicação.
Ei-los:
“Editada hoje MPV 873, que deixa ainda mais claro que contribuição sindical é fruto de prévia, expressa e ‘individual’ autorização do trabalhador, necessidade de uma MP se deve ao ativismo judiciário que tem contraditado o legislativo e permitido cobrança”.
O seu simples cotejo com o Art. 62 da Constituição Federal (CF) mostra-se bastante para demonstrar que ela não cumpre os requisitos inafastáveis de relevância e urgência, para que o presidente da República possa editar qualquer medida provisória.
Igual conclusão é extraída do seu cotejo com o Manual da Presidência da República, que, no Item 7, estabelece:
“Medida provisória:
7 Deve ser proposta a edição de medida provisória?
7.1 O que acontecerá se nada for feito de imediato?
7.2 A proposta pode ser submetida ao Congresso Nacional sob a forma de projeto de lei em regime de urgência (art. 64, § 1o, da Constituição)?
7.3 Trata-se de matéria que pode ser objeto de medida provisória, tendo em vista as vedações estabelecidas no § 1o do art. 62 e no art. 246 da Constituição?
7.4 Estão caracterizadas a relevância e a urgência necessárias?
7.5 Em se tratando da abertura de crédito extraordinário, está atendido o requisito da imprevisibilidade”.
Qual desses quesitos evidencia-se na MP sob comentário? Insista-se, a não ser por má-fé, nenhum.
Muito embora a MP em questão tenha por objetivos fulminar a cobrança de todas as contribuições destinadas ao custeio das entidades sindicais de trabalhadores, como se colhe da redação que dá ao Art. 545 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não se pode lhe dar o alcance que o seu texto expressa.
Primeiro, porque a sua ementa acha-se assim exarada:
“Altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre a contribuição sindical, e revoga dispositivo da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990”.
Segundo o já citado Manual de Redação da Presidência da República, a ementa de um ato normativo possui o seguinte significado:
“19.1.1.3 Ementa
A ementa é a parte do ato que resume o conteúdo do ato normativo para permitir, de modo objetivo e claro, o conhecimento da matéria legislada. […] A síntese contida na ementa deve resumir o tema central ou a finalidade principal da lei. Deve-se evitar, portanto, mencionar apenas um tópico genérico da lei acompanhado da expressão ‘e dá outras providências’, que somente em atos normativos de excepcional extensão, com multiplicidade de temas e, paralelamente, se a questão não expressa for pouco relevante e estiver relacionada com os demais temas explícitos na ementa”.
Frise-se que esse entendimento é corroborado pelo Art. 943, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC), e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), para quem “A ementa é uma síntese do que foi decidido no julgamento do processo”.
Desse modo, as alterações promovidas pela realçada MP efetivamente resumem-se à contribuição sindical, entendida em sentido estrito, qual seja aquela de que tratam os Arts. 578 e 579,da CLT, e nada mais. Tudo o mais se caracteriza como contrabando legislativo, considerado inconstitucional pelo STF.
Corrobora essa assertiva o texto dos Arts. 578, 579 e 582, com a redação dada pela MP sob discussão, posto que a matéria nuclear tratada pelos três é a contribuição sindical em sentido estrito.
Claro está, portanto, que se mostra impertinente e órfã de fundamentação qualquer interpretação que empreste ao Art. 582 da CLT — com a redação dada pela MP N. 873/2019 — o poder de determinar que as contribuições associativa, confederativa e negocial, que são fixadas por assembleia sindical, na conformidade do disposto no Art. 8º, inciso IV, da CF e 513, alínea ‘e’, da CLT — que não foi alterado —, sejam, também, recolhidas aos respectivos sindicatos por meio de boleto bancário individual.
Apresenta-se como bastante, para afastar em definitivo tal disparate, o texto constitucional, inserto no inciso IV do Art. 8º, que assim preconiza: “a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.
À luta contra mais esse crime contra os valores sociais do trabalho e a Justiça do Trabalho, último bastião institucional de proteção aos direitos fundamentais sociais.
*Gilson Luiz dos Reis é coordenador-geral da Contee