Brandão: “América Latina vive um projeto de mercantilização que ataca a educação pública”

O educador popular brasileiro Carlos Rodrigues Brandão, companheiro e colega de Paulo Freire, está em Mendonça (Argentina) proferindo curso de pós-graduação na Universidade Nacional de Cuyo. Criticou fortemente a situação da educação na Argentina, semelhante à de muitos países da América Latina, que atravessam “um momento negro, obscuro, de uma neocolonização pelo capitalismo neoliberal”. No entanto, destaca que tem esperança no crescimento de movimentos que defendem a educação social e popular.

Com um sotaque marcado por seu Brasil natal, mas com um castelhano impecável para definir conceitos e deixar clara a mensagem, Carlos Rodrigues Brandão, um dos pioneiros da educação popular nos anos 1960, está em Mendonça. Falou com MDZ sobre os conceitos que definem sua militância política, do estado da educação na Argentina, América Latina e qual futuro espera.

Após passar vários dias em Lujan, onde trabalhou com uma rede que atua com comunidades carentes e crianças e com a universidade sobre educação popular, desembarcou em Mendonça.

Aqui, na Universidade Nacional de Cuyo, junto com outros colegas de Córdoba e Buenos Aires, professa um curso de pós graduação denominado “Desafios atuais na educação popular e na educação social”, com a participação, principalmente, de estudantes da Escola Técnica Universitária de Educação Social da Faculdade de Educação da UNCuyo.

Educação popular e educação social

Entre as diferenças que deixa claro entre a educação popular e a social é a de que ele está mais especializado no que é educação popular, ainda que considere que, junto à educação social, são experiências muito próximas, sendo que na América Latina têm duas características: “Por um lado, a educação popular é muito mais antiga, já que no Brasil começou em 1960-1961 e continua viva, ativa, multiplicando-se há tempos, com muitas experiências por todo o continente e em outras partes do mundo”.

Outra característica é que a educação popular “é uma experiência muito latino-americana, foi a primeira vez na história que uma experiência pedagógica nasceu na América Latina e se difundiu e inclusive chegou a outros países. Por exemplo, hoje há encontros em Turim, Itália, e outros que se realizam com frequência em Portugal e até na Alemanha”.

Explicou que a presença da educação social é uma experiência recente ou uma atualização da popular revestida de um “rosto” mais atual, que vem da Espanha e que chega à América Latina.

Embora seja sua terceira visita a Mendonça, não arrisca fazer uma avaliação quanto ao sistema educativo formal local, mas sim a nível nacional, já que em Buenos Aires permanece mais tempo em suas visitas.

“O que vejo aqui, vejo também no Brasil, Chile, Colômbia, onde vou muito. O que vejo é, por um lado, que a educação atravessa um momento negro, obscuro, de uma neocolonização pelo capitalismo neoliberal com um projeto de mercantilização, de privatização, que ataca a educação pública, a educação dirigida aos movimentos populares”, manifestou Rodrigues Brandão.

“No Brasil isso é muito forte com governos de extrema direita, é o lado negro. É todo um processo globalizador de controle hegemônico, não só da educação, mas também da saúde”.

Porém esclareceu que há um aspecto esperançoso: “Há um lado de claridade que se dá com toda uma mobilização de redes, grupos, de experiências, movimentos populares. Na terça-feira, eu estava em Jocolí, Lavalle, observando o projeto de uma escola rural onde me sentia mais à vontade do que em uma universidade”, brincou. “O MST (Movimento Sem-Terra), o Mocase (Movimento Camponês de Santiago do Estero (Mocase Via Campesina), são representantes disto, e ademais há operários, camponeses e inclusive indígenas que trabalham para reverter isto. É forte e muito significativo no campo da esperança”.

A educação em tempos de campanha eleitoral

Neste ano eleitoral na Argentina, os candidatos não terem um plano ou um projeto educacional claro se deve, segundo o especialista, ao controle do lobby privatista em campos como saúde, educação, agricultura. “É tão forte que contrapôr-se a isto é muito difícil. A esperança está nos estudantes, professores e nesses movimentos. Porém, com estes governos o que se pretende é voltar atrás do século XXI, ao século XIX. Agora todos os governantes se subordinam ao mercado”, concluiu Brandão.

Quem é Carlos Rodrigues Brandão?

Nasceu em 14 de abril de 1940, no Rio de Janeiro, Brasil. Viveu em Goiás entre 1967 e 1975, trabalhando como professor universitário. Na década de 60 trabalhou com Paulo Freire e nunca mais cessou sua atividade na educação popular.

É doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); licenciado em Psicologia; especialista em Educação Regional; mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília; e possui mestrado em Antropologia Social pela Universidade de Brasília.

Lecionou em 12 universidades no Brasil e Europa. Desde 1963 atuou como um educador popular. É autor de vários livros nas áreas da antropologia social, educação, meio ambiente e literatura. Recebeu numerosos prêmios e reconhecimentos no Brasil e no mundo.

Federico Lemos

Traduzido de MDZ

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