Mudança na posse de armas no campo favorece milícias particulares, diz especialista
A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei que flexibiliza a posse de armas nas regiões rurais do país na última quarta-feira (21).
O texto já passou pelo Senado e segue para a sanção presidencial. Ao todo, foram 320 votos a favor e 61 votos contrários ao texto.
O PL é visto como uma ameaça para camponeses e militantes de movimentos sociais ligados ao campo. Isso porque, ele autoriza a posse de arma para “toda a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não”, mesmo quando se tratar de imóvel rural.
O Brasil de Fato entrevistou Lenin dos Santos Pires, professor do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF) para falar sobre o assunto.
Confira os melhores momentos da entrevista:
Brasil de Fato: O que pode mudar se esse projeto de lei receber a sanção presidencial?
Lenin Pires: O Estatuto das Armas definia que em propriedade rural, os seus proprietários, as pessoas que por acaso se sentissem ameaçadas em seu patrimônio, poderiam ter a arma nas partes edificadas.
O que muda hoje, objetivamente, é que essas armas podem ser portadas em toda a extensão do território. Evidentemente é uma resposta desses segmentos mais obscurantistas a um problema objetivo: a questão dos conflitos agrários.
E, logicamente, essa arma não será apenas uma. Não será uma, nem duas. Isso pode fomentar o estabelecimento de milícias particulares para dar conta dessa proteção extensiva, em função desses conflitos, que são históricos.
Essa flexibilização pode contribuir com o aumento dos índices de violência no campo?
Temos observando os acontecimentos em série nos segmentos urbanos. A partir da ampla circulação de armas (sejam elas legais ou ilegais), há um crescimento bastante considerável das violências, inclusive da violência letal.
Considerando o proponente da lei e o que ele historicamente defende, o objetivo é justamente semear esse tipo de situação. Isso deveria ser objeto de reflexão da sociedade e preocupação para os poderes instituídos. A Constituição Federal de 1988 pressupõe que os conflitos sociais sejam administrados de maneira pacífica.
O presidente Jair Bolsonaro já tentou alterar o Estatuto do Desarmamento, por meio de alguns decretos, mas eles foram derrubados. Agora, ele tenta passar essas mudanças por meio de projetos de lei. Como o senhor avalia essa movimentação e quais são os pontos mais preocupantes?
Me parece que a estratégia do presidente é fatiar a proposta global, que cabia primeiro em uma proposta de Projeto de Lei urgente, urgentíssimo, e que foi depois pactuada a sua mitigação em função de outras urgências, sobretudo as urgência do sistema financeiro, as urgências dos grupos estabelecidos dos empresários e tudo mais.
Então, essas urgências foram capazes de mobilizar uma certa base de apoio que esses grupos empresariais têm no Congresso.
Agora, me parece que a estratégia tem sido trabalhar mais no varejo e estabelecer um certo sufocamento do funcionamento do Parlamento, que, dessa maneira, fica lidando com essa pauta urgente de maneira diversificada, dispersa e deixando de atender outras questões que são de interesse da sociedade.
Ajuda a construir uma cortina de fumaça sobre essas outras questões. Seja como for, essa proposta de ampliar a posse de arma é uma coisa bastante recorrente na sociedade na hora de estabelecer vários privilégios, quem pode ou não pode utilizar armas, e contra quem.
Isso, de certa maneira, pode contribuir para um fenômeno que a gente vê nos segmentos urbanos: o aumento do comércio clandestino de armas.
É um risco que evidentemente interessa às empresas que lidam com material bélico e armamentista, mas que deve desinteressar a sociedade, até por conta dos números alarmantes que estamos observando já há algum tempo.