Pressão faz governo ceder e aportar recursos para bolsas do CNPq
Abaixo-assinado intensificou a mobilização por recursos da agência, que estava prestes a zerar verbas para bolsas de pesquisa
Depois de meses em intensa campanha contra o desmonte de uma das maiores agências de pesquisa científica do país, estudantes e professores que dependem do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) finalmente podem respirar um pouco mais aliviados – pelo menos até dezembro. Isso porque o órgão recebeu um aporte de R$ 250 milhões do governo para a cobertura das bolsas de pesquisa, que corriam o risco de ficar sem pagamento até o fim do ano.
A mobilização, que pressionou o governo federal a liberar o recurso, contou com a força de um abaixo-assinado apoiado por mais de uma centena de entidades científicas e acadêmicas do país e assinado por mais de um milhão de brasileiros, incluindo artistas e pessoas públicas que se juntaram à campanha #SomosTodosCNPq em defesa da pesquisa e da ciência. Criada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a petição permaneceu aberta por quase três meses, recolhendo assinaturas via plataforma Change.org.
“Houve uma mobilização grande da comunidade científica. Conseguir um milhão de assinaturas não é uma coisa simples. Foi uma importante mobilização do país inteiro, de estudantes e de entidades acadêmicas e científicas”, destaca Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC e um dos porta-vozes da campanha. Durante as ações, a petição que simbolizou o resultado da mobilização foi entregue ao Congresso Nacional com o objetivo de buscar apoio nos parlamentares para que eles pudessem cobrar medidas do poder executivo.
O calhamaço de assinaturas chegou, no final de agosto, às mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e também foi levado a audiências públicas realizadas nas comissões de ciência e tecnologia, tanto da Câmara quanto do Senado Federal, além de ter sido encaminhado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e à Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação do Congresso Nacional.
Segundo Moreira, a receptividade dos deputados foi boa e “conseguiu, por meio de um acordo entre parlamentares do governo e da oposição, uma suplementação de recursos que permitirá pagar as bolsas até o final do ano”, diz o porta-voz. “Foi importante no momento em que a ameaça de cortes seria trágica para estudantes e pesquisadores do país inteiro”.
O CNPq é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que teve R$ 2,13 bilhões contingenciados pelo Governo Federal neste ano. Por isso, o órgão vinha enfrentando um déficit de R$ 330 milhões no orçamento para 2019. No mês passado, para pagar as bolsas referentes a setembro, a instituição precisou fazer um remanejamento interno de R$ 82 milhões, retirando recursos da área de fomento à pesquisa. Na segunda-feira 4, houve o anúncio oficial do aporte dos R$ 250 milhões para cobrir o buraco que ainda estava em aberto.
Estado de alerta
Do total da verba liberada, R$ 93 milhões vieram do PLN 41/2019 (projeto de lei do Congresso Nacional que abriu crédito suplementar a alguns ministérios) e o restante – R$ 156,9 milhões – foi transferido ao órgão pelo Ministério da Economia. A vitória, entretanto, ainda não desliga o sinal de alerta no órgão, já que a proposta orçamentária global de R$ 1,2 bilhão, definida pelo governo para 2020, tem total semelhante a deste ano, que foi escassa e necessitou de remanejamentos.
“Uma questão que nos preocupa muito é o orçamento para 2020”, afirma Moreira. “Ele é insuficiente, fizeram uma mudança tirando [recurso] do fomento à pesquisa para [a oferta de] bolsas. Retiraram recursos fundamentais para os laboratórios funcionarem, para os jovens terem insumos, poderem viajar para congressos…”, enfatiza.
O presidente da SBPC ressalta a importância da aprovação de uma emenda parlamentar que foi proposta pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e prevê mais R$ 300 milhões para o CNPq no ano que vem. A medida ainda tem etapas para avançar – a aprovação na comissão de orçamento e no plenário, além da decisão do próprio governo de aplicá-la. Para Moreira, essas iniciativas são, em parte, fruto da mobilização.
“Tudo isso é um certo desdobramento das assinaturas da campanha, com um resultado bastante significativo porque sensibilizou o Congresso, resolveu [o pagamento] as bolsas deste ano e sinaliza para o ano que vem uma recuperação orçamentária para o CNPq”, defende.
Além de criar um ambiente positivo de sensibilização dentro do Congresso Nacional em relação à ciência e pesquisa, o porta-voz da campanha acredita que a petição ainda deu mais visibilidade à preocupante ideia de fusão do CNPq com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – outro órgão de pesquisa que oferece bolsas de mestrado e doutorado, mas que é vinculado ao Ministério da Educação (MEC). A Capes tem atuação diferente do CNPq.
“O abaixo-assinado deu força para várias audiências, com as entidades [científicas e acadêmicas] se posicionando contrariamente à fusão do CNPq com a Capes”, comenta o presidente da SBPC. “Existem setores localizados do governo com uma visão estreita de economia, que tentam fundir essas duas agências. E nós achamos que isso é completamente inadequado e prejudicial, porque elas têm histórias, objetivos, práticas e finalidades diferentes”. Devido a bloqueios de verbas no MEC neste ano, a Capes também sofreu com cortes de bolsas.
O que é CNPq?
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi criado em 1951. A instituição tem como uma de suas principais atribuições o fomento à pesquisa científica e tecnológica e o incentivo à formação de pesquisadores brasileiros.
O órgão também formula e conduz políticas de inovação, conseguindo importantes resultados nos mais diversos campos da atividade econômica. Foi graças ao trabalho de seus pesquisadores, por exemplo, que o vírus da Zika pode ser controlado, que a produção de grãos cresceu enormemente no país e que os brasileiros descobriram e passaram a explorar o pré-sal.
O CNPq vem sofrendo com uma forte redução nos recursos de custeio operacional e uma séria limitação em seu pessoal técnico. Laboratórios de pesquisa já atravessam um sucateamento e evasão de estudantes para o exterior, além de uma procura menor pelos próprios brasileiros.