Autonomia do Banco Central: sob pressão do mercado, Câmara aprova urgência para PL
Pauta conta com apoio de Arthur Lira, que articulou agilização do PL com governo Bolsonaro; oposição reage duramente
Cristiane Sampaio
Sob intensos protestos da oposição, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (9), a tramitação de urgência do Projeto de Lei Complementar (PLC) 19/2019, que confere autonomia ao Banco Central.
Na prática, o placar da votação, de 363 votos favoráveis e 109 contrários, garante agilidade na apreciação do mérito da proposta, que agora passa a ser discutida pelos 513 parlamentares sem a obrigatoriedade de uma avaliação prévia por parte das comissões legislativas.
O conteúdo do PL já começou a ser debatido na noite de terça e pode ser votado até hoje (10).
Votaram pela urgência as legendas PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, Pros, PTB, Podemos, PSC, Novos, Cidadania, Patriota e PV. Somente PT, PST, PDT, PSOL, PCdoB e Rede se colocaram contrários à tramitação célere do PL.
Defendida por setores neoliberais nas últimas décadas e duramente criticada por segmentos mais progressistas e que defendem a atuação do Estado, a medida conta com forte articulação do governo Bolsonaro, especialmente por meio do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Também tem a simpatia do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que agora testa o seu capital político nesta que é a primeira votação do ano legislativo na Casa.
O PL prevê mandatos fixos de quatro anos para os diretores do órgão, além de normas para nomeações, demissões e também da conversão do Banco Central em uma autarquia de natureza especial.
O texto é de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM) e foi aprovado pelo Senado no início de novembro de 2020. Na Câmara, a proposta tramita juntamente com o PLP 112/19, da gestão Bolsonaro, que tem conteúdo semelhante.
Além de discordar do mérito da proposta, a oposição alvejou duramente a colocação do tema em votação no momento da pandemia. O grupo defende que o Legislativo se concentre em votar medidas consideradas prioritárias e urgentes no que diz respeito à contenção da crise sanitária, que segue se alastrando pelo país.
Os opositores não pouparam críticas à iniciativa do governo de tentar acelerar o tema na Casa.
“Estamos com mais de 230 mil vidas ceifadas pelo coronavírus e com um inépcia gigantesca do Ministério da Saúde, que não contratou a tempo as vacinas pra um processo célere de atendimento à população”, ressalta a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), uma das vice-líderes da minoria.
Ela considera que a iniciativa seria “incongruente” para este ano. “Qualquer outra pauta que tergiverse em relação à defesa da vida, que tergiverse em relação à busca da vacinação, sem dúvida, é uma pauta inconveniente”.
O líder da oposição, André Figueiredo (PDT-CE), disse que a proposta coloca o sistema financeiro brasileiro sob a “dependência do baronato”, em referência aos interesses privados.
“O debate sobre a autonomia do Banco Central é sobre o papel do Estado, sobre a autoridade monetária, uma proposta que sequer foi debatida nas comissões”, lembrou, por exemplo, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ao condenar o fato de o PL não passar pelos colegiados, especialmente pelo fato de a Câmara discutir atualmente o retorno dos trabalhos legislativos nesses espaços.
No ano passado, por conta da pandemia, as comissões não chegaram a ser montadas e todas as votações se deram em plenário, a partir de um acordo que decidiu pela apreciação exclusiva de propostas para as quais houvesse consenso entre as bancadas partidárias.
Relator
O texto é relatado pelo deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que se articulou com o governo para tentar agilizar a votação.
O parlamentar apresentou parecer em plenário em nome da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Casa e disse que a medida estaria dentro dos parâmetros jurídicos e que não traria implicação ao Estado em termos de receitas públicas.
Do ponto de vista do mérito, Costa Filho defendeu a aprovação do PL e sustentou que a proposta seria relevante para a economia e para “dar credibilidade internacional” ao Brasil.