Chacina racista busca agradar bolsonarismo
“Isso é para mostrar serviço, primeiro, para os bolsonaristas, para o ex-capitão. Depois, para as classes dominantes, as elites da Vieira Souto, da Gávea, da Barra da Tijuca e de Ipanema. E, depois, para a classe média, que acha que bandido é para matar mesmo. Também ajuda a fortalecer o bolsonarismo entre as polícias civis e militares.”
A avaliação é do cientista político Paulo Sérgio Pinheiro ao analisar a Chacina do Jacarezinho, matança promovida pela polícia no Rio de Janeiro na última quinta-feira, 6.5, deixando 28 mortos nas vielas e nos barracos daquela comunidade na zona norte da cidade. Entre as vítimas, há um agente da Polícia Civil, que participava do ataque.
Em entrevista ao TUTAMÉIA, o ministro de Direitos Humanos no governo FHC, integrante da Comissão Nacional da Verdade, que investigou crimes da ditadura militar, e membro da Comissão Arns diz: “Não vou atribuir ao ex-capitão a responsabilidade por essa operação e por essa matança. Mas, de qualquer modo, essa megachacina pega muito bem na rede de apoiadores do presidente. Pega um pouquinho mais longe, porque, na verdade, vários setores dessa população que vive acuada, sob o tráfico e o crime, também dão apoio. Então é um bom investimento”.
Pinheiro, que é um dos coordenadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP, aponta ainda outras motivações.
“Eu acho que é uma espécie de represália contra a decisão do Fachin, que muito justamente suspendeu as operações nas comunidades durante a pandemia. Essas operações são também um enorme acerto de contas. Eles querem matar. Eles querem liquidar. Eles querem funcionar como polícia repressiva, investigador e julgadores. Eles fazem tudo isso na operação. Qual o glacê nesse bolo? A impunidade.”
O fato, diz o cientista político, consultor da ONU na área de direitos humanos, é que o evento “foi um espetáculo de incapacidade, de incompetência, de ilegalidade, de desrespeito pela população mais pobre e pelos negros, claro. Foi um espetáculo da etnocracia que o Brasil é”. E provoca: “Por que não fazem operações como essa na Vieira Souto, onde tem concentração de pessoas que lidam com o tráfico no Rio de Janeiro? Ou na avenida Atlântica, que é um paraíso de bicheiro, tem uma alta concentração de bicheiros?”
Pinheiro lembra as palavras do delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil do Rio de janeiro, que disse: “A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de dez meses de investigação”. Ao que Pinheiro retruca: “Dez meses para fazer esse horror! Um fracasso, um espetáculo de incompetência! Dez meses para mostrar esse resultado! Ele devia se envergonhar de dizer isso”.
Horror que não terá consequências para os responsáveis pela matança, na avaliação do cientista político: “Ninguém vai ser punido, os motivos vão ser esses pretextos que eles falaram, e ninguém vai sofrer absolutamente nada. Muito menos o secretário da Segurança e o governador. A meu ver, eles deveriam ser processados civil e criminalmente, porque eles foram o cérebro, eles foram os responsáveis. A cadeia de comando do Rio é o governador, é o secretário da Segurança, é o comandante da PM, e os comandantes mais inferiores, que praticaram essa carnificina. Mas ninguém vai ser responsabilizado. Mortes de negros e pobres e vulneráveis não interessam à democracia brasileira”.
DESDEMOCRATIZAÇÃO
Democracia, por sinal, diariamente atacada por aquele que deveria ser seu principal defensor, conforme aponta Paulo Sérgio Pinheiro: “Estamos na pior posição possível. A desdemocratização está ocorrendo nos projetos de lei, pelos decretos, ataques muito mais graves em tudo o que diz respeito às conquistas da Constituição de 1988. A começar pelos direitos humanos. O primeiro ato do governo Temer foi acabar com o Ministério dos Direitos Humanos, que levamos trinta anos para construir. Este é um governo inimigo da sociedade civil. Hoje a gente tem um Estado que é inimigo da sociedade civil brasileira”.
Na raiz disso, avalia o cientista político, está o que ele chama de “incompletude” da democracia brasileira: “Ela não foi completada. Há no Brasil uma sesquipedal desigualdade, uma enorme concentração de renda, além da questão do racismo e da violência. Todos os presidentes nos governos democráticos, até a presidenta Dilma, todos contribuíram para uma política de Estado de direitos humanos, mas essa política foi incapaz de fazer cessar essa violência ilegal por parte das polícias militares.
Esses temas –a incompletude da democracia brasileira e o processo de desdemocratização vivido no país desde o golpe contra a presidenta Dilma—, abordados por Pinheiro ao longo da entrevista, são também tratados por ele em artigo publicado no site do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
No texto, ele afirma: “O líder inconteste desse processo de desdemocratização da democracia é o presidente da República, Jair Bolsonaro. Desde a campanha eleitoral e durante todo o seu governo, Bolsonaro, assim como seu modelo, o Presidente Trump nos EUA, serviu a seus partidários uma dieta de agressão e de racismo. Bolsonaro repetidamente atacou os fundamentos democráticos do Estado no Brasil. Bolsonaro ataca sistematicamente e com total impunidade as leis que constitucionalmente deveria defender. Insufla crises entre os poderes. Baixa atos administrativos para inibir investigações envolvendo a sua família. Participa de manifestações pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Manipula a opinião pública e até as Forças Armadas, propagando a ideia de um apoio incondicional dos militares como blindagem para os seus desatinos. Enfim, o presidente deixa de governar para se dedicar a ensaios golpistas”.
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NOMES DOS MORTOS
Os nomes dos mortos na Chacina de Jacarezinho, segundo lista divulgada pela polícia e publicada no site G1, são os seguintes:
- André Frias – policial civil
- Bruno Brasil
- Caio Da Silva Figueiredo
- Carlos Ivan Avelino Da Costa Junior
- Cleyton Da Silva Freitas De Lima
- Diogo Barbosa Gomes
- Evandro Da Silva Santos
- Francisco Fábio Dias Araújo Chaves
- Guilherme De Aquino Simões
- Isaac Pinheiro De Oliveira”
- John Jefferson Mendes Rufino Da Silva
- Jonas Do Carmo Santos
- Jonathan Araújo Da Silva
- Luiz Augusto Oliveira De Farias
- Márcio Da Silva Bezerra
- Marlon Santana De Araújo
- Matheus Gomes Dos Santos
- Maurício Ferreira Da Silva
- Natan Oliveira De Almeida
- Omar Pereira Da Silva”
- Pablo Araújo De Mello
- Pedro Donato De Sant’ana
- Ray Barreiros De Araújo
- Richard Gabriel Da Silva Ferreira”
- Rodrigo Paula De Barros”
- Rômulo Oliveira Lúcio
- Toni Da Conceição
- Wagner Luiz Magalhães Fagundes