Educação não é para poucos, é para um país todo
Por Gilson Reis*
O governo de Jair Bolsonaro é para poucos. Nele, por exemplo, poucos comem. Afinal, mais da metade dos domicílios no país — um total de 59,4% — se encontram em situação de insegurança alimentar, conforme divulgado há alguns meses pelo grupo de pesquisa “Alimento para Justiça”, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB). Ainda sobre o levantamento, feito no segundo semestre do ano passado, mais de 125,6 milhões de pessoas não se alimentaram como deveriam no Brasil.
No governo Bolsonaro, também poucos têm emprego. O desemprego recorde atinge 14,8 milhões de trabalhadores e, como se não bastasse, querem que, entre os poucos que continuam empregados com carteira assinada, poucos — menos ainda! — mantenham seus direitos. A Medida Provisória 1045 aprovada no último dia 10 de agosto na Câmara dos Deputados é prova disso, aprofundando a precarização do trabalho no país.
Nesse mesmo governo Bolsonaro, poucos têm auxílio — que, por sua vez, também é bem pouco. No ano passado, a aprovação do auxílio emergencial de R$ 600 (podendo ser o dobro para mulheres chefes de família) representou uma derrota ao Planalto e ao Ministério da Economia, embora tenha se apropriado de seus efeitos de propaganda logo depois. Este ano, no entanto, o valor do auxílio concedido (mesmo no pior momento da pandemia) não ultrapassa R$ 375 (para as mesmas mulheres chefes de família) e, em muitos casos, é de apenas R$ 150. Além disso, se, no passado, foram atendidas quase 68 milhões de pessoas, neste ano os beneficiários não ultrapassam 40 milhões.
Isso sem falar na pouca credibilidade dada à ciência, no pouco investimento em cultura, na pouca importância dada à saúde pública (ainda que em plena pandemia), na pouca compra de poucas vacinas (embora a Comissão Parlamentar de Inquérito já tenha escancarado que tentaram ganhar muito dinheiro com elas, para ser distribuído, claro, entre poucos).
No último dia 9 de agosto, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, declara publicamente no programa “Sem Censura”, da TV Brasil, que “a educação deve ser para poucos”. É claro que a mensagem foi alvo de indignação, como deveria mesmo ser. A Coalizão Negra por Diretos, aliança nacional que reúne mais de 250 organizações, entidades e movimentos negros, periféricos, favelados, ribeirinhos, quilombolas e povos da floresta, expressou que, quando o ministro defende uma universidade “para poucos”, “reivindica, na verdade, uma universidade para os brancos, os extratos de elite do país”, sendo, portanto, “mais uma demonstração e reação de viés racista, discriminatório e elitista”. Em matéria da Carta Capital, a União Nacional dos Estudantes (UNE) destacou que quem “paga a educação é o povo trabalhador brasileiro” e que, por direito, “o ensino superior de qualidade deve ser acessível a TODOS, porque assim o povo quer e assim foi acordado em nossa Constituição”.
Na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee nos unimos a essas manifestações no repúdio, mas também às constatações de que “ser para poucos” é um projeto: do bolsonarismo e do ultraliberalismo do qual ele se retroalimenta. Isso já havia sido demonstrado pelo governo com o corte de R$ 1 bilhão no orçamento das universidades públicas, acarretando um enorme prejuízo no ensino, na pesquisa e na extensão. Igualmente ficou patente quanto Bolsonaro desrespeitou a autonomia universitária e desconsiderou o primeiro nome da lista em 40% das nomeações para reitor de universidades federais. Na verdade, a intenção — que passa até pela permissão a uma suposta autorregulação (sinônimo de desregulamentação completa) das instituições privadas, foi evidenciada desde muito cedo, logo no primeiro ano da gestão, quando um outro ministro do MEC, Abraham Weintraub, declarou que a prioridade do governo Bolsonaro no caso do ensino superior era atender ao setor privado. Na ocasião, o posicionamento fez disparar as ações da Kroton e da Estácio. Reserva de mercado para poucas empresas — as grandes corporações de capital aberto que transformam educação em mercadoria e em papéis na bolsa de valores — com vagas destinadas, na preferência do governo, aos poucos que podem pagar por elas.
O projeto bolsonarista de um ensino superior para poucos existe porque, de um lado, o ultraliberalismo lucra com a educação e, de outro, porque a educação pública, gratuita, democrática e de qualidade socialmente referenciada, bem como a regulamentação do setor privado, representa-lhe uma ameaça. E é justamente por isso que a educação é tão fundamental para derrotar Bolsonaro e seu governo, porque a luta por uma educação para TODOS representa o enfrentamento às desigualdades sociais, a defesa da democracia e o rompimento dos privilégios dos poucos que estão no poder. Na educação, nossa luta não é para poucos. É para que sejamos um país todo.
*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee