Na contramão do mundo, Brasil cogita privatizar bancos públicos
A pandemia do novo coronavírus já fez mais de 6 milhões de vítimas fatais em todo o mundo. Ainda que a doença tenha colocado, mais uma vez, o sistema econômico dominante em xeque, nada ou muito pouco foi alterado. Sem nenhuma mudança, a perda lastimável de vidas veio ainda acompanhada de uma crise econômica global
Inflação em alta, poder de compra em queda. Desemprego em nível elevado, rede de proteção social abalada, direitos retirados. No Brasil, a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA) fez pesquisa com viés econômico e chegou à conclusão de que os impactos da pandemia no País serão sentidos até o ano de 2045.
Em meio a esse cenário, emerge a necessidade latente de atuação das empresas públicas para promover a proteção social e o desenvolvimento. É aí que sobressalta a relevância dos bancos públicos.
São esses que fomentam a concorrência com diminuição de spreads (diferença entre a taxa de juros cobrada pelos bancos nos empréstimos e financiamentos e a remuneração paga na hora de captar recursos no mesmo valor); diante da instabilidade e baixo desenvolvimento do mercado de capitais, fazem concessão de crédito de médio e longo prazos; inovam no mercado local com operações de microcrédito; tem presença da rede em todos os municípios; estimulam o pequeno poupador.
Além disso, os bancos públicos podem atuar em políticas anticíclicas em momentos de crise para minimizar os efeitos do ciclo econômico, exemplo do que aconteceu no Brasil em 2008.
No Brasil, os bancos estatais figuram em rol seleto de empresas centenárias. O Banco do Brasil já passa dos 200 anos de fundação e a Caixa completou 161 anos. São estes que desempenham papel relevante na história do Brasil.
Mesmo com as tentativas de desmantelamento dessas instituições promovido pelo governo ao longo dos últimos anos, essas continuam se destacando e poderão voltar a cumprir papel excepcional na retomada de projeto de desenvolvimento para o País.
O BB é líder nos investimentos do agronegócio, fomentando o setor. A Caixa atua diretamente em políticas públicas, gerenciamento de programas sociais, habitação popular e loterias. É a maior financiadora de habitação do Brasil. Teve relevância incontestável para os brasileiros e brasileiras ao atender milhões na pandemia, para pagar o auxílio emergencial e outros benefícios sociais.
Esse caso da Caixa reflete bem a importância dos bancos públicos. Enquanto as instituições privadas focam somente no lucro, as públicas podem atuar em projetos sociais para a geração de renda e emprego, para a melhoria de vida e autoestima da população.
A União ainda possui outros 3 bancos públicos: Basa, BNB e BNDES. Cada um, focado em um ramo de atuação. O Basa (Banco da Amazônia) e o BNB (Banco do Nordeste), atuam no desenvolvimento local. O BNB tem um dos programas de microcrédito voltado para o trabalhador informal mais bem sucedido do País. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) foi o maior financiador da indústria nacional, até começar a ser descapitalizado pelos governos Temer e Bolsonaro.
Ataques
Apesar da inquestionável relevância, vira e mexe os bancos públicos são alvos da sanha mercadológica. O Banco do Brasil tem quase metade das ações nas mãos de “investidores”. Seu braço de seguros foi privatizado, o que rendeu crítica do então presidente da instituição, Paulo Caffarelli, que em entrevista à revista Isto É em 2013, reconheceu que foi erro a abertura de capital da BB Seguridade, alegando que o banco perdeu rentabilidade.
A Caixa também tem sido atacada. Nos últimos anos, em vários momentos, foi cogitado tornar a empresa Sociedade Anônima e abrir o capital. Tentativa sem sucesso, dada a resistência da sociedade civil. Em contrapartida, em 2021, o banco abriu o capital do braço de seguros, a Caixa Seguridade. Foram criadas subsidiárias em áreas como cartões, fundos de investimentos, loterias e outras, com o objetivo de privatizar.
O fatiamento da empresa é estratégia do governo atual para driblar a legislação e promover a entrega do patrimônio público. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já afirmou diversas vezes que privatizar tudo seria o ideal, só não explicou que esse processo só interessa aos donos do capital.
Bancos públicos pelo mundo
Enquanto no Brasil a ordem é privatizar, no mundo a história é outra. O Reino Unido criou banco público para financiar projetos de infraestrutura. Na Alemanha, o governo disponibilizou 100 bilhões de euros para que o banco estatal nacional pudesse realizar políticas de ajuda a empresas por conta das consequências da pandemia.
Segundo a revista Forbes, dados de 2021 mostram que entre as 15 maiores empresas do mundo, estão 4 bancos públicos chineses. No primeiro lugar da lista está o ICBC (Banco Industrial e Comercial da China), que tem investimentos em várias partes do mundo, com valor de mercado na ordem de U$$ 249, 5 bilhões.
Esses dados colocam o Brasil na contramão do mundo. Para aprofundar esse debate, dia 13 de junho vamos lançar no Senado Federal, o livro “O Futuro é Público”.
A obra possui 248 páginas e foi baseada na pesquisa do TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda.
O estudo do TNI releva que mais de 1,4 mil serviços foram reestatizados no mundo todo entre 2000 e 2017. Na maioria dos casos, a decisão de retornar esses serviços para o controle público se deu após a administração pela inciativa privada se mostrar problemática e ineficaz.
Sou coautora da obra, com artigo intitulado: Estado pós-pandemia e Empresas Públicas no Brasil.
A iniciativa é do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas e da Fenae (Federação das Associações do Pessoal da Caixa).
O livro é gratuito e a versão digital está disponível no endereço: http://www.comiteempresaspublicas.com.br/portal/comite-empresas-publicas/noticias/versao-em-portugues-do-livro-o-futuro-e-publico-sera-distribuida-virtualmente.htm.
(*) Mestra em Administração, representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal, conselheira fiscal da Fenae (Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa) e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas. É autora de vários artigos e livros, entre eles: Caixa, banco dos brasileiros (2018); Coautora de Se é Público é para todos (2018) e o Futuro é Público (2020). É pesquisadora voluntária do Observatório Conjuscs da USCS.