Reflexões sobre o custeio das atividades sindicais

Cabe aos sindicatos a árdua, incansável e cotidiana missão de buscar a adesão dos/as trabalhadores/as ao seu quadro de sócios, bem como lutar para alterar a legislação e a jurisprudência do STF e do TST

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Como singela homenagem ao exitoso seminário recém-realizado pela Secretaria de Finanças da Contee, tendo como tema central o custeio das atividades sindicais em tempos revoltos, e com a finalidade de contribuir para o inadiável debate que o envolve, na busca de alternativas viáveis e com o mínimo de segurança jurídica, trazem-se, aqui, além de apertado histórico sobre a origem e o desenvolvimento dos tormentos financeiros que atingem em cheio a quase totalidade das entidades sindicais, as amarras e antinomias jurídicas e jurisprudenciais que as multiplicam e as tornam aparentemente insuperáveis. Ao final, alguns apontamentos acerca de possíveis caminhos a serem seguidos.

I          Do período relativamente longo sem amarras para o custeio das atividades sindicais

2          Escudados pelos Art. 513, ‘e’, 579 e 582 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) — recepcionados pela Constituição de 1988, conforme Art. 8º, IV —, as organizações sindicais dos/as trabalhadores/as, no período de 1943, data da outorga da CLT, até 1998, quando a Seção de Dissídios Coletivos do TST (Tribunal Superior do Trabalho) aprovou a OJ (Orientação Jurisprudencial) 17 e o PN (Precedente Normativo) 119, que serão detalhados mais adiante, não tiveram nenhuma dificuldade em obter recursos necessários ao custeio de suas atividades.

3          Pelo Art. 513, ‘e’, mantido até hoje com a redação original, gozavam da prerrogativa de cobrar contribuição de todos os integrantes de suas respectivas categorias, independentemente de sindicalização, tendo, como base nele, instituído as chamadas contribuições negociais, denominadas como assistenciais, taxas de reforço etc.

4          Essa modalidade de arrecadação somente encontrou obstáculo jurídico a partir da OJ 17 e do PN 119, ambos da SDC do TST, em 1998. Até então, no âmbito da Justiça do Trabalho e do Ministério Público não era alvo de qualquer questionamento.

5          Os Arts. 579 e 582 asseguravam o desconto compulsório da contribuição sindical — imposto sindical até o Decreto-lei 229/1967 — como obrigação inafastável de todas as empresas, cabendo à Caixa Econômica Federal fazer o rateio, na proporção de 60% para os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações e 20%, para o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). A partir do advento da Lei N. 11.648/2008, as centrais sindicais entraram no rateio, ficando com metade do que era repassado ao MTE.

II         Das divergências internas sobre a legitimidade da contribuição sindical compulsória

6          Por mais paradoxal que possa parecer, até aprovação da OJ 17 e do PN 119 da SDC TST, não havia óbice jurídico para a cobrança de contribuições compulsórias, no caso concreto a assistencial, a sindical em sentido estrito — pejorativamente chamada de imposto — e a confederativa criada pelo Art. 8º, IV, da CF. A partir do final da década de 1970, o movimento sindical cindiu-se sobre essa possibilidade, com a afirmação de forte corrente contrária à estrutura sindical vigente, simbolizada pela contribuição sindical compulsória.

7          Essa corrente atuou de forma contundente, em espécie de novo ludismo, por assim dizer, não mais contra as máquinas, como no século XVIII, mas, sim, contra a contribuição sindical compulsória, com a convicção de que, a ela se opondo, minaria a estrutura sindical vigente, fazendo surgir nova organização, fundada na livre vontade dos/as trabalhadores/as.

8          O professor Ricardo Antunes, em artigo intitulado “PARA ONDE FORAM OS SINDICATOS? Do sindicalismo de confronto ao sindicalismo negocial”, registra, acerca dessa ferrenha oposição à estrutura sindical vigente, simbolizada pela contribuição sindical compulsória:

Ainda anteriormente à criação da CUT, a Associação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais (Anampos) realizou congressos nacionais, como o Encontro de Monlevade realizado em fevereiro de 1980 e o Encontro de Goiânia em 1982. No primeiro encontro, foi aprovado o Documento de Monlevade, no qual foram estabelecidas as principais orientações em direção à luta pela democratização da estrutura sindical, em conformidade com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. O fim dos impedimentos jurídicos que restringiam o pleno direito de greve, além do direito de greve e da implantação da negociação direta entre trabalhadores e patrões, sem a mediação ou intervenção do Estado foram pontos de destaque nesta corrente sindical (Silva, 2008Antunes, 1995; Costa, 1994; Giannotti e Lopes Neto, 1991).

Deve-se sublinhar a importância dessa confluência, que foi decisiva para a criação da nova central. De um lado, as denominadas ‘lideranças autênticas’ que já se apresentavam como expressão do novo sindicalismo. De outro lado, as oposições sindicais que se destacavam pelas lutas que travavam contra a estrutura sindical. Se o ‘Congresso de Poços de Caldas (MG) e o Congresso em Lins (SP) foram momentos embrionários do novo sindicalismo que questionou a prevalência da burocracia sindical sobre as entidades sindicais’, de outra parte, ‘com eixos de ação diferenciados, realizou-se o Encontro Nacional das Oposições Sindicais e, posteriormente, o I Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (Entoes), que reafirmava o papel das oposições sindicais na luta contra o sindicato oficial (Silva, 2008Antunes, 1995). Da ação convergente do novo sindicalismo e do movimento de oposição sindical caminhou-se, rapidamente, para a criação, no início dos anos oitenta, de uma central sindical de âmbito nacional” (Antunes, 1995, p. 45-46).

É deste rico movimento de fusão, comportando confluências e tensões, entre importantes correntes que praticavam um sindicalismo diferenciado do peleguismo, que nasceu a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Criada nestes embates, no início da década de 1980, a CUT foi, por um lado, um vivo resultado deste esforço de unificação das lutas da classe trabalhadora. Mas foi, também, simultaneamente, a cristalização das diferenciações no interior do movimento sindical brasileiro, que se aprofundariam mais tarde

9          Em meio às anotadas divergências sindicais, tendo como mote a contribuição sindical compulsória, formaram-se, a rigor, 4 correntes, a saber:

  1. A) a que se opunha veementemente ao desconto da contribuição sindical, chegando a publicar editais de proibição de seu desconto em jornais de grande circulação, como o fizera o Andes, dentre outros;
  1. B) a que devolvia aos associados o percentual dessa contribuição que lhe era repassado pela CEF;
  1. C) a que entendia que tal contribuição era legítima e meio idôneo para o financiamento de suas atividades; e
  1. D) a que fazia do recebimento dessa contribuição a única ou a principal razão de ser da existência das organizações sindicais de que dirigia.

10        Por razões corriqueiras na ferrenha luta ideológica entre o capital e o trabalho, só ganharam destaque midiático e social a 1ª e a 4ª corrente, com enquadramento impróprio das outras duas, principalmente a 3ª, pelos defensores da 1ª corrente e pelos algozes das organizações sindicais de trabalhadores/as, inclusive no seio do poder judiciário, no escuso interesse da 4ª corrente.

Em uma palavra: por anos a fio, quem defendia a contribuição sindical compulsória era taxado como pelego, ou, na melhor das hipóteses, como conciliador.

III       Das barreiras jurisprudenciais à cobrança de contribuições aos/às trabalhadores/as não associados (filiados ou sindicalizados)

11        Como já dito no 1° tópico, a partir do início da década de 1990, provocado pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) de todas as regiões — atualmente, são 24 —, a Justiça do Trabalho deu marcha à ré em sua jurisprudência, passando a anular as cláusulas de instrumentos normativos coletivos que contivessem previsão de desconto de contribuições ou taxas de não associados/as, não importando a que título. A única contribuição compulsória que não sofria oposição do MPT e do TST era a sindical em sentido estrito, por força do que determinavam os Arts. 579 e 582 da CLT.

12        Em 1998, a SDC do TST aprovou a OJ 17 e o PN 119, ainda vigentes (valendo ressaltar que em 2015, por iniciativa do saudoso presidente Antônio Barros Levenhagen, já aposentado, o pleno desse tribunal aprovou o cancelamento desse PN, por maioria de 12 a 10, mas, como eram necessários 14 votos para seu cancelamento, ele foi mantido). A OJ 17 e o PN 119 se transformaram em tormento para os sindicatos laborais, que passaram a ser alvos de frequentes ações civis públicas visando à anulação de cláusulas coletivas que previssem qualquer desconto de não associados e à devolução de valores recebidos. As condenações que sobrevieram e ainda sobrevêm deixaram e deixam muitas entidades em dificuldades financeiras quase intransponíveis.

13        Colhendo desse ensejo, o MPT promoveu festival nacional de TACs (termos de ajustes de condutas), em âmbito nacional, constrangendo sindicatos a firmarem solenes compromissos de não promover qualquer cobrança de não associados/as.

14        Eis o que estabelecem a OJ 17 e o PN 119:

“17. CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) –  DEJT  divulgado em 25.08.2014

As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.

IUJ 436141/1998 – Min. Armando de Brito

Julgado em 11.05.1998 – Decisão unânime

Histórico:

Inserida em 25.05.1998

119 CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS – INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS (mantido) – DEJT divulgado em  25.08.2014

A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.

Histórico:

nova redação dada pela SDC em sessão de 02.06.1998 – homologação Res. 82/1998, DJ 20.08.1998”.

15        Os tormentos sindicais se avultaram com a crescente tendência do STF de também impedir a cobrança de contribuições dos não associados, até mesmo a confederativa, criada pelo Art. 8º, IV, da CF, que se destina ao custeio do sistema confederativo (sindicatos, federações e confederações), a ser aprovada em assembleia da categoria e obrigatoriamente descontada em folha.

16        Essa tendência se sedimentou e ganhou foro de súmula vinculante, quanto à confederativa, e tese de repercussão geral (que obriga a todos), quanto às demais. Veja-se a via dolorosa imposta pelo STF, em duas etapas: a 1ª, até o advento da Lei N. 13.467/2107, e a 2ª, a partir dessa lei, que converteu a contribuição sindical em facultativa:

– 1ª etapa:

mula vinculante 40 A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.

Precedente Representativo

A questão a saber é se a denominada contribuição confederativa, inscrita no art. 8º, IV, da CF/1988, fixada pela assembleia geral, é devida pelos empregados não filiados ao sindicato. Noutras palavras, se apresenta ela caráter de compulsoriedade, vale dizer, se é obrigatório o seu pagamento por empregados não filiados ao sindicato. (…) Primeiro que tudo, é preciso distinguir a contribuição sindical, contribuição instituída por lei, de interesse das categorias profissionais — art. 149 da CF/1988 — com caráter tributário, assim compulsória, da denominada contribuição confederativa, instituída pela assembleia geral da entidade sindical — CF/1988, art. 8º, IV. A primeira, conforme foi dito, contribuição parafiscal ou especial, espécie tributária, é compulsória. A segunda, entretanto, é compulsória apenas para os filiados do sindicato.

[RE 198.092, voto do rel. min. Carlos Velloso, 2ª T, j. 27-8-1996, DJ de 11-10-1996.]

Tese de Repercussão Geral

  • É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados.

[Tese definida no ARE 1.018.459 RG, rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 23-2-2017, DJE 46 de 10-3-2017, Tema 935.]

Jurisprudência selecionada

  • Exigência de contribuição confederativa sindical apenas a filiados

O Sindicato recorrente alega violação ao art. 8º, IV, da Carta. Sustenta que a contribuição sindical compulsória foi recepcionada pela Carta de 1988. Afirma que a referida contribuição deve ser exigida de todos os servidores representados pela categoria, ainda que não sejam filiados ao sindicato. A pretensão recursal não merece prosperar. A jurisprudência desta Corte entende que é exigível dos servidores públicos civis a contribuição sindical prevista no art. 8º, IV, da Constituição Federal. (…) Embora a contribuição sindical seja exigível também dos servidores públicos civis, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a exigência restringe-se aos filiados ao sindicato. (…) A reiterada jurisprudência da Corte a respeito desse tema deu origem à Súmula Vinculante 40.

[ARE 1.042.384, rel. min. Roberto Barroso, dec. monocrática, j. 24-5-2017, DJE 116 de 2-6-2017.]

  • Ausência de identidade entre a Súmula Vinculante 40 e decisão que considerou legítimos os descontos referentes à contribuição assistencial

Examinando detidamente os autos, verifico que o ato reclamado considerou legal o desconto de contribuição assistencial, prevista no art. 513 da Consolidação das Leis do Trabalho. Trata-se de situação específica, não abarcada pelo comando previsto na Súmula Vinculante 40, razão pela qual ela não guarda relação de estrita pertinência com o ato reclamado, necessária ao cabimento da reclamação.

[Rcl 21.851, rel. min. Edson Fachin, dec. monocrática, j. 17-5-2016, DJE 103 de 20-5-2016.]

  • Pedido de cancelamento damula Vinculante 40

(…) deve-se destacar que os argumentos trazidos pela proponente são idênticos àqueles debatidos no julgamento do RE 194.603/SP, relator o ministro Marco Aurélio, e redator para o acórdão ministro Nelson Jobim, cujo resultado foi paradigma para a elaboração da Súmula 666 do Supremo Tribunal Federal, convertida, posteriormente, na Súmula Vinculante 40. Portanto, o mero descontentamento ou divergência quanto ao conteúdo de verbete vinculante não propicia a reabertura de debate sobre matéria devidamente sedimentada por esta Corte. Ademais, a proponente não se desincumbiu da exigência constitucional de apresentar decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal para suportar o seu pedido de cancelamento da Súmula Vinculante 40, com o que também não se verifica a necessária adequação formal da presente proposta.

[PSV 117, rel. min. presidente Ricardo Lewandowski, dec. monocrática, j. 2-9-2015, DJE 177 de 9-9-2015.]

Frise-se que esse pedido de cancelamento foi feito pela Contee, em ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) por mim assinada.

– 2ª etapa, já sob a égide da Lei N. 13.467/2017:

Vejam-se excertos de decisões citadas na RCL 36933 MC/SP, relator ministro Ricardo Lewandowski, que sintetizam a jurisprudência sobre a matéria em debate:

No que diz respeito à contribuição assistencial, o Plenário do STF, ao julgar o ARE 1.018.459/PR, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, fixou a seguinte tese de Repercussão Geral Tema 935: ‘É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados. Sobre as contribuições sindicais, o Plenário desta Corte julgou improcedente a ADI 5.794/DF, redator para o acórdão Ministro Luiz Fux, ajuizada por entidades sindicais, em que se alegou a inconstitucionalidade da redação dada pela Lei Federal 13.467/2017 aos arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Afirmou-se, assim, a validade do novo regime voluntário de cobrança de contribuição sindical. Confiram-se o teor dos dispositivos impugnados, na redação dada pela Lei 13.467/2017, anterior à Medida Provisória 873/2019:

[] 4. A Lei nº 13.467/2017 emprega critério homogêneo e igualitário ao exigir prévia e expressa anuência de todo e qualquer trabalhador para o desconto da contribuição sindical, ao mesmo tempo em que suprime a natureza tributária da contribuição, seja em relação aos sindicalizados, seja quanto aos demais, motivos pelos quais não há qualquer violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição), até porque não há que se invocar uma limitação ao poder de tributar para prejudicar o contribuinte, expandindo o alcance do tributo, como suporte à pretensão de que os empregados não sindicalizados sejam obrigados a pagar a contribuição sindical.

  1. A Carta Magna não contém qualquer comando impondo a compulsoriedade da contribuição sindical, na medida em que o art. 8º, IV, da Constituição remete à lei a tarefa de dispor sobre a referida contribuição e o art. 149 da Lei Maior, por sua vez, limita-se a conferir à União o poder de criar contribuições sociais, o que, evidentemente, inclui a prerrogativa de extinguir ou modificar a natureza de contribuições existentes.
  1. A supressão do caráter compulsório das contribuições sindicais não vulnera o princípio constitucional da autonomia da organização sindical, previsto no art. 8º, I, da Carta Magna, nem configura retrocesso social e violação aos direitos básicos de proteção ao trabalhador insculpidos nos artigos 1º, III e IV, 5º, XXXV, LV e LXXIV, 6º e 7º da Constituição.
  1. A legislação em apreço tem por objetivo combater o problema da proliferação excessiva de organizações sindicais no Brasil, tendo sido apontado na exposição de motivos do substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.787/2016, que deu origem à lei ora impugnada, que o país possuía, até março de 2017, 11.326 sindicatos de trabalhadores e 5.186 sindicatos de empregadores, segundo dados obtidos no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho, sendo que, somente no ano de 2016, a arrecadação da contribuição sindical alcançou a cifra de R$ 3,96 bilhões de reais.
  1. O legislador democrático constatou que a contribuição compulsória gerava uma oferta excessiva e artificial de organizações sindicais, configurando uma perda social em detrimento dos trabalhadores, porquanto não apenas uma parcela dos vencimentos dos empregados era transferida para entidades sobre as quais eles possuíam pouca ou nenhuma ingerência, como também o número estratosférico de sindicatos não se traduzia em um correspondente aumento do bem-estar da categoria.
  1. A garantia de uma fonte de custeio, independentemente de resultados, cria incentivos perversos para uma atuação dos sindicatos fraca e descompromissada com os anseios dos empregados, de modo que a Lei nº 13.467/2017 tem por escopo o fortalecimento e a eficiência das entidades sindicais, que passam a ser orientadas pela necessidade de perseguir os reais interesses dos trabalhadores, a fim de atraírem cada vez mais filiados.
  2. Esta Corte já reconheceu que normas afastando o pagamento obrigatório da contribuição sindical não configuram indevida interferência na autonomia dos sindicatos: ADI 2522, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2006.
  1. A Constituição consagra como direitos fundamentais as liberdades de associação, sindicalização e de expressão, consoante o disposto nos artigos 5º, incisos IV e XVII, e 8º, caput tendo o legislador democrático decidido que a contribuição sindical, criada no período autoritário do estado novo, tornava nula a liberdade de associar-se a sindicatos.
  2. O engajamento notório de entidades sindicais em atividades políticas, lançando e apoiando candidatos, conclamando protestos e mantendo estreitos laços com partidos políticos, faz com que a exigência de financiamento por indivíduos a atividades políticas com as quais não concordam, por meio de contribuições compulsórias a sindicatos, configure violação à garantia fundamental da liberdade de expressão, protegida pelo art. 5º, IV, da Constituição. Direito Comparado: […]
  1. A Lei nº 13.467/2017 não compromete a prestação de assistência judiciária gratuita perante a Justiça Trabalhista, realizada pelos sindicatos inclusive quanto a trabalhadores não associados, visto que os sindicatos ainda dispõem de múltiplas formas de custeio, incluindo a contribuição confederativa (art. 8º, IV, primeira parte, da Constituição), a contribuição assistencial (art. 513, alínea e, da CLT) e outras contribuições instituídas em assembleia da categoria ou constantes de negociação coletiva, bem assim porque a Lei n.º 13.467/2017 ampliou as formas de financiamento da assistência jurídica prestada pelos sindicatos, passando a prever o direito dos advogados sindicais à percepção de honorários sucumbenciais (nova redação do art. 791-A, caput e § 1º, da CLT), e a própria Lei n.º 5.584/70, em seu art. 17, já dispunha que, ante a inexistência de sindicato, cumpre à Defensoria Pública a prestação de assistência judiciária no âmbito trabalhista.
  1. A autocontenção judicial requer o respeito à escolha democrática do legislador, à míngua de razões teóricas ou elementos empíricos que tornem inadmissível a sua opção, plasmada na reforma trabalhista sancionada pelo Presidente da República, em homenagem à presunção de constitucionalidade das leis e à luz dos artigos 5º, incisos IV e XVII, e 8º, caput, da Constituição, os quais garantem as liberdades de expressão, de associação e de sindicalização.
  1. Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas improcedentes e Ação Declaratória de Constitucionalidade julgada procedente para assentar a compatibilidade da Lei n.º 13.467/2017 com a Carta Magna.

Com efeito, do cotejo dos elementos acima referidos, em análise perfunctória, própria da medida em espécie, parece-me que o acordo homologado pelo Juízo reclamado, nos pontos em que contestado, esvazia o conteúdo do comando vinculante ora invocado e das alterações declaradas constitucionais pelo STF no julgamento da ADI 5.794/DF, o que ofende, de maneira incontestável, a autoridade desta Corte. Em casos análogos, os Ministros desta Corte têm deferido pedidos de liminar para suspender decisões que versam sobre o tema. Cito como exemplos os seguintes feitos: Rcl 36.761/PB, de minha relatoria; Rcl 35.639/SP, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes; Rcl 35.612/RS, de relatoria do Ministro Celso de Mello; Rcl 35.391/RS, de relatoria do Ministro Edson Fachin; e Rcl 35.501/RS, de relatoria do Ministro Roberto Barroso. Isso posto, defiro a liminar para suspender os efeitos das cláusulas 59, 60 e 82 homologadas pela sentença normativa reclamada, proferida nos autos do Dissídio Coletivo 1000550-35.2019.5.02.0000, em trâmite no TRT2”.

17        A jurisprudência do STF, como espelhada acima, esvazia o Art. 8º, IV, da CF quanto à contribuição confederativa, que não alcançou eco no seio das entidades sindicais, bem assim o Art. 513, ‘e,’ da CLT, que abarca todas as formas de contribuições, exceto a sindical em sentido estrito.

Eis o que preconizam o dispositivo constitucional e o legal:

Art. 8º […]         

IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.

Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:   (Redação restabelecida pelo Decreto-lei nº 8.987-A, de 1946)

[…]

  1. e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas”.

IV       Da condicionante legal de autorização individual prévia e expressa, para a cobrança de toda e qualquer contribuição, seja sindical em sentido estrito, assistencial e associativa

18        O legislador ordinário, ao aprovar o projeto de lei que se converteu na Lei N. 13.467/2017, no afã de inserir na CLT dispositivos que estrangulem financeiramente as entidades sindicais, alterou os Arts. 578, 579 e 582 da CLT, além de lhe acrescentar o 611-B, XXVI, que condicionam toda e qualquer contribuição aos sindicatos à autorização prévia e individual dos trabalhadores.

Constata pelo seu inteiro teor:

Art. 578.  As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão, sob a denominação de contribuição sindical, pagas, recolhidas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, desde que prévia e expressamente autorizadas.                  

Art. 579.  O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.”

Art. 582.  Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos.    

“Art. 611-B.  Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

[…]

XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.    

VI       Dos únicos meios legal e jurisprudencial atualmente reconhecidos para arrecadação de contribuições destinadas ao custeio de atividades sindicais

19        Extrai-se da análise da restritiva e ofensiva jurisprudência do STF e do TST relativa ao financiamento do custeio das atividades sindicais, bem como das modificações promovidas nos Arts. 578, 579 e 582 da CLT, que não há uma única contribuição que possa ser cobrada de trabalhadores/as não associados/as, muito embora a eles sejam estendidos todos os benefícios assegurados em convenções e acordos coletivos de trabalho, por força que preconiza o Art. 8º, III, da CF. Com isso, estabeleceu-se teratológico cenário sindical: os sindicatos representam a categoria, mas só podem cobrar contribuições de seus sócios.

Isso importa a divisão de cada categoria profissional em dois seguimentos absolutamente distintos: um, dos sócios, possui direitos e deveres, posto que se obrigam a contribuir com seus respectivos sindicatos; outro, dos não sócios, que gozam de direitos, sem nenhuma obrigação, haja vista a expressa proibição de se lhes cobrar qualquer contribuição. Importa dizer: o ato voluntário de filiação sindical foi transformado pelo legislador e pelos julgadores em penalidade, pois que, quem se associo ganha e paga; já quem não se associo, ganha e não paga.

É isso que, em solene tom de deboche, o STF, o TST e o legislador chamam de fortalecimento das entidades sindicais.

20        No que diz respeito às contribuições que podem ser cobradas dos sócios, apenas a confederativa independe de autorização individual solene e prévia, cabendo à assembleia geral fixá-la, por força do que estabelece o Art. 8º, IV, da CF; as demais, somente mediante autorização individual.

VII      Medidas necessárias para superação do cenário dantesco em que se acha emaranhado o movimento sindical

21        Ao se sopesar tudo que foi dito e demonstrado nas linhas acima, patenteiam-se para os sindicatos, como caminhos absolutamente imprescindíveis a serem seguidos, para não morrerem de inanição financeira: a árdua, incansável e cotidiana missão de buscar a adesão dos/as trabalhadores/as ao seu quadro de sócios, medida que vai além do custeio, constituindo-se em tarefa de primeira ordem inclusive em cenário de plena liberdade sindical; e a de lutar empenhadamente para alterar a legislação e a jurisprudência do STF e do TST, que, somadas, se revestem da condição de sua mortalha.

Ao debate e à ação!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo