Bolsonaro usa 7 de Setembro para fazer campanha, puxa coro machista e reúne multidões em atos com faixas antidemocráticas
Em Brasília e no Rio, presidente usou o bicentenário da Independência para fazer comício diante de milhares e atacar Lula; na capital, puxou grito de 'imbrochável' ao lado da primeira-dama, de militares e de religiosos. Convidados, Rodrigo Pacheco, Arthur Lira e Luiz Fux não compareceram
Os eventos do bicentenário da Independência neste 7 de Setembro foram marcados por atos em tom de campanha protagonizados por Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição; manifestações de apoiadores do presidente, que empunharam faixas com dizeres antidemocráticos; e um desfile militar comemorativo na Esplanada dos Ministérios com presença dos presidentes de Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau.
Em suas duas aparições públicas após o ato oficial – a primeira, na manhã desta quarta-feira (7), em Brasília, e a segunda, à tarde, no Rio –, Bolsonaro usou a data para promover comícios diante de milhares de pessoas e fez discursos nos quais:
- pediu votos na eleição de outubro, durante pronunciamento na capital federal, falou que o Brasil trava uma luta “do bem contra o mal” e defendeu pautas conservadoras;
- atacou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário na disputa pelo Planalto e líder nas pesquisas, a quem chamou de “ladrão” e “quadrilheiro”;
- sugeriu uma comparação entre primeiras-damas e referiu-se à mulher, Michelle Bolsonaro, como “mulher de Deus, família e ativa em minha vida”;
- também ao lado de Michelle, puxou coro de “imbrochável” e sugeriu que homens solteiros “procurem uma princesa”;
- sem citar nenhum caso específico, afirmou que, caso reeleito, levará para “dentro” das quatro linhas da Constituição “todos aqueles que ousam ficar fora delas”;
- misturou propaganda eleitoral com exibições militares, em Copacabana, aonde chegou à tarde após ter participado de um passeio de moto no Rio;
- ainda no Rio, falou que o Estado é laico e declarou-se cristão e criticou quem é de esquerda;
- argumentou que seu governo teve de lidar com a pandemia de Covid-19 (“lamentamos as mortes, veio aquela errada política do ‘fique em casa'”) e os reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia;
- e destacou programas do governo, como o Auxílio Brasil, citando também a recente redução do preço dos combustíveis.
Na noite desta quarta, o presidente Bolsonaro publicou uma série de nove posts no Twitter para falar sobre a data.
“Hoje, mais do que nunca, pudemos assistir e sentir o despertar do patriotismo e do profundo amor pelo Brasil. As ruas foram tomadas pelas cores de nossa linda bandeira e nosso glorioso hino nacional foi cantado por milhões de homens e mulheres, de todas idades, classes e cores”, disse na primeira mensagem.
Em outra, escreveu: “O Brasil era impossível, mas se tornou real: somos um milagre em forma de nação” (leia mais ao final desta reportagem).
Na cerimônia oficial, que ocorreu no início da manhã na Esplanada, o presidente assistiu ao desfile acompanhado por militares e por Luciano Hang, um dos empresários bolsonaristas que, no final de agosto, foram alvo de mandados de busca e apreensão por compartilharem mensagens golpistas em um grupo de WhatsApp. Ao lado de Bolsonaro, estava ainda o pastor Silas Malafaia, que à tarde participou do ato em Copacabana.
Mesmo convidados, estiveram ausentes do desfile na capital federal os presidentes do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PL-AL); e do STF, Luiz Fux.
Depois da cerimônia, Bolsonaro discursou em um trio elétrico em uma manifestação organizada por seus apoiadores, na outra faixa da Esplanada. Ao lado da primeira-dama, do candidato a vice, Braga Netto, e de empresários aliados, o presidente mencionou diretamente o dia da eleição, 2 de outubro.
Após as manifestações, outros candidatos à Presidência repudiaram o uso da data para campanha eleitoral e criticaram as falas de Bolsonaro.
Reação de presidenciáveis
Outros candidatos à Presidência criticaram as declarações de Bolsonaro ao longo do dia.
Lula divulgou um vídeo nas redes sociais um vídeo no qual reagiu aos termos “ladrão” e “quadrilheiro” usados pelo presidente no discurso no Rio. “[…] Ele deveria estar explicando para o povo como é que a família juntou R$ 26 milhões em dinheiro vivo para comprar 51 imóveis. É isso que ele tem que explicar”, afirmou o petista.
Em campanha por cidades históricas de Minas Gerais, Ciro Gomes (PDT) afirmou que um “presidente imbecil e criminoso” transformou um ato cívico em um comício com milhões de recursos públicos envolvidos.
Já Simone Tebet (MDB), que estava em campanha pelo interior paulista, classificou como “lamentável” uma das falas de Bolsonaro e disse: “Nós vamos tirá-lo da Presidência da República porque está fazendo mal par ao Brasil”.
Faixas antidemocráticas
Ao longo do dia, apoiadores do presidente levaram faixas e cartazes com frases antidemocráticas durante as comemorações dos 200 anos da Independência em algumas cidades do país (veja fotos). Na Avenida Paulista, em São Paulo, a manifestação foi utilizada como campanha eleitoral por candidatos de direita.
Havia ainda mensagens em inglês, espanhol e francês, em defesa de uma intervenção das Forças Armadas e da dissolução de órgãos do Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e do Congresso Nacional. A Constituição Federal de 1988 proíbe intervenção militar sob pretexto de “restauração da ordem”.
Também pela manhã, houve em São Paulo um protesto contra a fome como parte das mobilizações nacionais do Grito dos Excluídos. Sob o lema “200 anos de (in)dependência para quem?”, os organizadores distribuíram na manhã desta quarta-feira (7) café da manhã para 5 mil sem-teto na Praça da Sé, no Centro da capital paulista.
Em Salvador, a marcha do Grito dos Excluídos defendeu indígenas e o piso salarial para enfermeiros.
Desfile em Brasília
Antes do desfile em Brasília, Bolsonaro tomou café da manhã com ministros e, em uma roda de conversa, afirmou que “o Brasil passou por momentos difíceis – a história bem nos mostra, [em] 1922, 1935, 1964, 2016, 2018 e agora 2222”.
“A história pode repetir. O bem sempre venceu o mal. Estamos aqui porque acreditamos no nosso povo, e o nosso povo acredita em Deus. Tenham a certeza que, com perseverança, fazendo tudo aquilo que nós pudermos fazer aqui na Terra, ele lá cima fará por nós o que for possível para nós”, continuou.
“Assim sendo, tenho certeza de que aqui uma segunda terra prometida, um paraíso, um povo maravilhoso, uma terra inigualável em todo o mundo, continuaremos a nos orgulhar do futuro que deixaremos para essa criançada aqui.”
Bolsonaro chegou ao local do desfile no Rolls-Royce presidencial de 1952, utilizado pela primeira vez em 1953, pelo então presidente Getúlio Vargas. No carro, ele estava acompanhado da primeira-dama Michelle Bolsonaro e de crianças. Depois, Bolsonaro caminhou – acompanhado por assessores e por Hang – pela avenida em que o evento aconteceu.
Chefes de Estado de três países de língua portuguesa (Marcelo Rebelo de Sousa, de Portugal; José Maria Neves, de Cabo Verde; e Umaro Sissoco Embaló, de Guiné-Bissau), o vice-presidente Hamilton Mourão, ministros do governo federal e outras autoridades também compareceram.
Para as comemorações do Bicentenário da Independência, nos primeiros minutos desta quarta, fogos de artifício verdes e amarelos iluminaram o céu de Brasília. De acordo com o Ministério do Turismo, seriam 7 minutos de espetáculo. Porém, os fogos duraram pouco mais de 2 minutos. O local escolhido foi a Torre de TV, área central do DF.
Segundo o Ministério da Defesa, o desfile contou com cerca de 3,1 mil militares, sendo, aproximadamente, 600 da Marinha do Brasil (MB), 2 mil do Exército Brasileiro (EB) e 500 da Força Aérea Brasileira (FAB).
Participaram ainda veteranos da Força Expedicionária Brasileira (FEB), integrantes do Programa Força no Esporte (Profesp), além de ex-integrantes das Forças de Paz e alunos das escolas do Governo do Distrito Federal. A Esquadrilha da Fumaça, da FAB, também se apresentou.
No final de agosto, chegou ao Brasil o coração de Dom Pedro I, também como parte das comemorações da data. Conservado em formol há 187 anos, o órgão foi trazido da cidade do Porto, em Portugal, onde é guardado na igreja de Nossa Senhora da Lapa.
O 7 de Setembro em Copacabana
As comemorações pelo Bicentenário da Independência no Rio começaram com uma parada naval e música com bandas militares. Desde cedo, salvas de tiros de artilharia foram executadas no Forte de Copacabana, de hora em hora.
Durante toda a manhã, bandas do Exército tocaram nos bairros do Flamengo, Lagoa, Madureira, Méier, São Cristóvão, Sulacap e Urca.
Às 9h, partiu do mar do Recreio uma parada naval com a participação de navios da Marinha do Brasil e de países amigos, em direção à Baía de Guanabara.
A festa no Posto 6 contou com show aéreo da Esquadrilha CEU e apresentação de bandas de música. Na sequência, a equipe de salto livre da Brigada de Infantaria Paraquedista, “os Cometas”, reforçada por integrantes da “Equipe Falcão”, da Força Aérea Brasileira, realizou uma demonstração com aterragem na praia.
A Esquadrilha da Fumaça também fez uma apresentação nos céus de Copacabana.
Às 16h, horário aproximado da Proclamação da Independência, a frota da esquadra brasileira e a artilharia estacionada no Forte de Copacabana executou salvas de 21 tiros em homenagem ao Bicentenário da Independência do Brasil.
O que Bolsonaro escreveu
Nos posts que fez no Twitter às 19h42 desta quarta, Bolsonaro comemorou as manifestações e afirmou: “É difícil imaginar o que se passou pela cabeça de Dom Pedro I ao proclamar a Independência do Brasil, mas não tenho dúvida de que, em seu coração, queimava a mesma chama de amor e orgulho que hoje preencheu o peito de cada brasileiro em cada lugar do nosso imenso país”.
Em outra mensagem, disse: “Nossa Pátria é gigante e abençoada. Na prática, somos vários brasis dentro de um só. E, apesar dos altos e baixos da história, seguimos unidos na preservação de nossa soberania e liberdade. O Brasil era impossível, mas se tornou real: somos um milagre em forma de nação”.