A agenda dos trabalhadores em 2014 passa pela sucessão presidencial

São Paulo – São Paulo, 1º de junho de 2010. O estádio municipal do Pacaembu recebe bom público. Os adversários estão em campo, mas desta vez o jogo é amistoso. Aliás, por inusitado que pareça, jogam do mesmo lado. Trata-se de uma “assembleia da classe trabalhadora”, em que estão cinco das centrais sindicais brasileiras reconhecidas. Cada uma veste seu uniforme mas o objetivo é marcar gols na mesma meta.

Estamos muito longe de ter o poder. O Estado brasileiro ainda conserva muitas instâncias de 100 anos atrás, conserva a força do poder econômico. Temos de fazer dos processos eleitorais oportunidade de avançar, de ampliar nossa capacidade de mudar as coisas

Ao final da peleja, aprovam um documento posto em votação simbólica pelo então presidente da CUT, Artur Henrique, entendido como a agenda da classe para os quatro anos que estariam por vir. “Nossa presença ativa no processo e no debate eleitoral deve buscar impedir retrocessos, garantir e ampliar direitos dos trabalhadores/as. Por isso, é fundamental eleger candidatos comprometidos com as bandeiras da classe trabalhadora”, diz o documento, com mais de 200 itens. Os sindicalistas pretendem entregá-lo a todos os candidatos à Presidência da República, mas antecipam em uníssono apoio à eleição de Dilma Rousseff.

São Paulo, 9 de abril de 2014. As centrais sindicais preparam para essa data uma nova marcha conjunta. O objetivo é cobrar do governo alguns daqueles mesmos itens que, na avaliação do hoje presidente da CUT, Vagner Freitas, se constituiriam “marcas” tão importantes para a gestão da presidenta Dilma com foi para o governo Lula o acordo nacional que levou à política de valorização do salário mínimo – e que também só tem mais um ano de validade. Freitas avalia que o governo Dilma teve desempenho louvável ao conseguir manter a inflação sob controle, e os níveis de emprego e de renda em alta.

Mas, na hora de levar um 10, ficou devendo um apoio mais categórico à redução da jornada de trabalho e ao fim do fator previdenciário. “Seriam as grandes marcas que este governo poderia deixar”, avalia Freitas, que mesmo assim antecipa: “Vou me lançar de corpo e alma pela sua reeleição”. E explica. “Não é questão de nome ou de partido, mas de projeto.” Para ele, existem dois projetos em questão neste ano eleitoral, um no qual se permite vislumbrar a evolução dessa agenda dos trabalhadores e outro que aponta para um “retrocesso” que foram os anos Fernando Henrique. “Que conquista os trabalhadores têm para lembrar daqueles oito anos?”, distingue.

Esses não são únicos senões apontados pelo sindicalista em relação à era Dilma. Ele considera um “equívoco de gestão” a ausência de diálogo com os movimentos e com a sociedade. “Ela vai construindo a política e vai implementando, não consegue fazer com que a sociedade se sinta mais participativa.” Lamenta também um recuo no enfrentamento ao sistema financeiro, o que levou à retomada da alta dos juros. Mas tem esperança de que gols não marcados – como a redução da jornada e o fim do fator – ainda possam ser convertidos antes dos 45 do segundo tempo.

É o que tentarão no dia 9 de abril algumas daquelas entidades que se reuniram no Pacaembu em 2010. E também na sequência, nas comemorações e manifestações de 1º de Maio – com debates e também com shows populares, vá lá, mas com sorteio de carro e apartamento, não. Desta vez, a CUT espera juntar as demais centrais num ato conjunto e tentará isolar a Força Sindical. “A Força está se alinhando em torno do Eduardo Campos, ou do Aécio Neves”, observa o presidente da central. Segundo ele, não é possível discutir uma agenda dos trabalhadores em 2014 sem incluir a sucessão presidencial no meio do caminho. E o nome é Dilma – nada de “volta Lula”, garante. “O cenário que está colocado é a reeleição da Dilma. Não será o movimento sindical que vai inventar outro.”

Em 2010 as centrais sindicais realizaram no Pacaembu uma “assembleia da classe trabalhadora”, em que tiraram um documento com propostas do movimento sindical a serem entregues aos candidatos à presidência da República. Dilma Rousseff era a preferida das centrais e venceu. Que balanço se faz em relação a essa agenda? O que avançou?

Muito pouco. Esse é um problema. O governo Dilma não tem uma marca de sua gestão para os trabalhadores. O governo Lula ficou marcado por uma política de valorização permanente do salário mínimo. Seria preciso que no governo dela alguma questões que nós apresentamos fossem atendidas. Por exemplo, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, mesmo que fosse gradual, seria uma marca extremamente importante. No Brasil, mexe-se em jornada de trabalho a cada 50 anos e nós temos convicção que geraria mais e melhores empregos. E atualmente, com o elevado nível de ocupação, muito melhor do que quando essa bandeira foi formulada, a redução de jornada significa ganho em termos de trabalho decente e de qualidade de vida. E nenhum prejuízo para a economia do país, ao contrário.

Mas é responsabilidade do governo levar adiante essa pauta? Quem vai avisar os russos, ou seja, os empresários, que também têm sua influência sobre o Executivo e o Legislativo, que é onde se mudam as regras?

A gente sabe que muitas questões que a gente discute com o governo não têm de ser respondidas diretamente por ela. Obviamente que isso tem de passar por negociação com os empresários e pelo Congresso Nacional, onde eles dominam o jogo. Sabemos que a presidenta não pode reduzir a jornada por decreto, mas ela pode enviar uma proposta para o Congresso, ou se posicionar favorável a essa proposta. Ajudaria bastante.

Mas o governo não tem entendido assim?

Não tem. Assim como não tem entendido a importância do que seria uma outra grande marca de um governo, que é o fim do fator previdenciário – essa fórmula de cálculo que reduz o valor da aposentadoria e obriga o trabalhador a permanecer mais tempo em atividade, ainda que tenha começado a vida laboral muito cedo, com 14, 15 anos. O fator foi criado com esse objetivo na época do governo Fernando Henrique Cardoso, e mesmo com quase 12 anos de governo do PT ele continua. Acho que seria também uma marca importante acabar com o fator; se não acabar, ao menos apresentar uma proposta transitória que minimize seu impacto. Sabemos que é comum uma pessoa ao se aposentar sentir a perda de benefícios como auxílios alimentação e refeição e planos de saúde. Ou seja, vai ter aumento de despesas, a renda vai cair e essa queda vai ser agravada pelo fator. Pode ser que daqui a 30, 35 anos o jovem, que hoje está ingressando mais tarde no mercado de trabalho do que o jovem de 30 anos atrás, caminhe naturalmente para se aposentar com mais idade. Só que a realidade hoje é que uma geração que começou muito cedo no batente, quando vai recorrer à aposentadoria, e nem sempre porque quer, mas porque as portas se fecham para quem tem mais de 50, 55 anos, vai ter uma queda brutal de qualidade de vida por causa do fator.

A falta de avanços nessas questões leva a CUT a fazer um balanço negativo na relação com o governo?

Dois aspecto importantes dos governos Lula e Dilma são a inflação controlada e a alto nível de emprego. Porque inflação e desemprego elevados são uma péssima combinação para os trabalhadores e para o movimento sindical. Além disso, nós temos convivido ao longo dos últimos dez anos com reajustes salariais acima inflação. Então, como presidente da CUT, como que eu vou dizer que estes governos não ficaram atentos a questões dos trabalhadores? Não tem como. E isso não tem nada a ver com opção política ou partidária. É só analisar os indicadores econômicos. São aspectos muito importantes, como foi importante, pontualmente, a redução do imposto de renda sobre a PLR, no governo Dilma. Então, é preciso ter tranquilidade para fazer esse debate. Não dá para dizer que o governo não se preocupa com os trabalhadores, como era o caso do governo Fernando Henrique. Mas, no caso da Dilma, falta uma marca mais contundente. Podia ser a marca da redução da jornada.

Essa preocupação com a “a marca” é, no fundo, uma preocupação com a reeleição da Dilma? Em fazer com que os dirigentes sindicais, mais que um apoio formal, tenham ganas de sair em defesa do governo?

Não tenha dúvida nenhuma. Eu particularmente vou me dedicar de corpo e alma pela reeleição da presidenta Dilma. Tenho severas críticas à forma como ela se relaciona com o movimento sindical. Não tem um diálogo aberto, é um equívoco de gestão. E não só com o movimento sindical. O governo dialoga pouco com a sociedade. Vai construindo a política e vai implementando, não consegue fazer com que a sociedade se sinta mais participativa. Há um apoio majoritário, porque há um grande índice de acertos.

Por que então o movimento sindical não apoia um “volta Lula”, em vez da reeleição de Dilma?

Porque não é um cenário que está colocado. O cenário mais favorável aos trabalhadores que está colocado hoje é a candidatura da presidenta Dilma. Não será o movimento sindical que vai inventar outro. O cenário hoje colocado tem Dilma Rousseff, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) e talvez uma ou outra candidatura que venha a surgir. Mas só existem dois projetos. Um deles é retroceder ao tempo do governo Fernando Henrique, que é o que significam o Aécio e o Campos. Trata-se de uma forma de governar que nós já vimos os resultados. Persegue o movimento sindical, persegue direitos de trabalhadores. Nós tivemos oito anos de governo Fernando Henrique em que não há nenhuma conquista, nenhuma, que os trabalhadores possam lembrar e comemorar. A política de privatização eliminou empregos e tirou poder estratégico do Estado; a submissão desregrada à globalização econômica trouxe capital estrangeiro não para expandir o mercado e a competição interna, mas para promover fusões e aquisições que arrasaram o mercado de trabalho e a indústria nacional.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso costuma lembrar que o Plano Real foi uma conquista dos trabalhadores. A estabilidade da moeda, o fim do imposto inflacionário não foram uma conquista?

O final do governo FHC foi uma tragédia para os trabalhadores. Eles gostam de distorcer, argumentando que o que o governo Lula fez, fez graças à estabilidade econômica. Mas se tivesse acontecido a eleição do Serra em 2002, e a continuidade do projeto daquele governo, eles não estariam comemorando 20 anos do real. Estaríamos lamentando as desgraças de uma política econômica falida. O real foi bem até assegurar a reeleição do Fernando Henrique em 1998. Assim que ele tomou posse, em janeiro de 1999, foi desfeita a farsa. Na época, as pesquisas demonstravam que a população se sentia enganada. Quem não estava desempregado tinha pelo menos um amigo ou parente nessa situação. Onde estavam os empregos? Que conquistas os trabalhadores podem lembrar dos primeiros oito anos de real? Passamos oito anos travando lutas para não perder direitos. Foi um quase massacre. Mentira cambial, desemprego recorde, arrocho salarial, tentativa de desregulamentar a legislação trabalhista, privatizações para responder a um endividamento irresponsável. Foram essas as âncoras do real que a partir de 2003 começaram a ser corrigidas, e foi aí que vieram as conquistas sociais e evidentes.

Mas você acha que o projeto do Aécio, no PSDB, e do Eduardo Campos, no PSB, são iguais?

O PSDB não se preocupa com a classe trabalhadora. Não há na ação social dos integrantes do PSDB essa preocupação. Lamentavelmente, quem hoje apoia o PSDB é um setor mais atrasado da elite conservadora. Não existe uma menção a valorização do trabalho nas teses do partido. E não estamos falando de uma realidade que nós não conhecemos. O PSDB é governo em vários estados e cidades, e onde o partido governa há perseguição a trabalhadores, movimento sindical e movimentos sociais. Veja em São Paulo, veja em Minas Gerais como é a atuação do governo tucano. E no caso do Eduardo Campos é a mesma coisa. Veja em Pernambuco. Ele se vende como alternativa de esquerda ao Brasil, mas se ele fizer com os trabalhadores do Brasil 1% da maldade que faz aos de Pernambuco, estamos perdidos. Não tem uma central sindical que apoia o Eduardo Campos em Pernambuco.

Nem quando a aliança PT e PSB ainda estava de pé?

Não. Ele se ancora muito na liderança popular do avô, o Miguel Arraes. O neto é um arremedo de tucano. Você não consegue ver diferença.

Nem quando ele foi ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, antes de ser eleito em Pernambuco com apoio do PT?

Mesmo quando foi ministro do governo Lula. Aliás, governo de coalizão é isso mesmo. Você não vê PSDB no ministério mas tem gente lá que tem postura igual. Por isso que não vejo como pensar um planejamento para 2014, do ponto de vista da agenda dos trabalhadores, sem discutir a sucessão presidencial. E quando falo em apoiar de corpo e alma a reeleição da Dilma eu me refiro a apoiar um projeto, não um nome ou um partido. Está em discussão proteger e melhorar as conquistas alcançadas, um projeto que dialoga com os trabalhadores, ou retroceder para outro que não dialoga. Para que não corramos o risco de que conquistas que tivemos irem por água abaixo.

Por exemplo?

Por exemplo: há um ataque organizado contra a política de valorização do salário mínimo. Ela vem desde 2003 e tem de ter uma revisão em 2015 para valer até 2023. Os economistas conservadores vivem dizendo que ter uma regra de aumento do salário não vinculada a um aumento de produtividade pode causar inflação, essas coisas de sempre. A regra de reajuste no salário mínimo não foi resultado de uma emenda constitucional, que o Congresso aprovou e eternizou. Foi resultado de uma negociação. Foi um processo levado pela CUT, com as demais centrais, ao presidente Lula. Foi fruto de pressão e de negociação – a maior negociação coletiva do mundo, em termos de volume de gente alcançada por essa política e de recursos que ela injetou na economia.

Mas o governo também não tem o pé atrás com a inflação?

O governo parece discernir o controle da inflação com renda dos trabalhadores. Lembramos que, ao contrário das previsões catastróficas iniciais, os aumentos reais chegaram a 72%, entre 2003 e 2014 e desde lá a inflação nunca andou acima da meta. Melhor que isso, foi bom para o mercado interno e para as economias de milhares de cidades, especialmente as de regiões menos desenvolvidas. No Nordeste, 58% dos trabalhadores recebem até um salário mínimo; no Norte, são 44%. Segundo o Dieese, o reajuste para R$ 724 este ano beneficia 48 milhões de pessoas e injetará na economia R$ 28 bilhões – quase metade disso é reflexo do aumento da arrecadação proporcionado pelo consumo dos que vivem do mínimo. E expressar nosso apoio a um projeto nos dá mais força para cobrar que nossas reivindicações sejam atendidas.

O Executivo não é o único Poder que decide. No início de seu mandato, em seu discurso de posse, você falava em procurar todos os partidos no Congresso para levar adiante essas bandeiras. Por que não andaram? Faltou empenho do movimento sindical? Faltou interlocução no Congresso?

Na verdade, a CUT não tem essa característica de costurar as coisas nos gabinetes. A central foi forjada nos movimentos, nas pressões nas ruas, e talvez tenhamos deixado a desejar nesse corpo a corpo. O lobby não é nosso forte, e no Brasil de hoje é preciso atuar mais forte no Congresso Nacional, atuar no Judiciário, em todas as frentes onde são tomadas decisões. E mais do que isso: temos de atuar mais organizadamente também para eleger mais representantes dos trabalhadores no Legislativo. A bancada dos trabalhadores, com 70 e poucos parlamentares, é muito pequena.

Não tem uma frente parlamentar dos trabalhadores ou algo que o valha?

Não tem. E eu disse eu disse lá atrás. Nós não temos uma grande bancada a quem possamos recorrer, que amplie nosso poder de influência nas decisões, precisamos eleger mais gente oriunda do movimento sindical.

E ter o governo que você apoiou não significa ter o poder? Aumentar a bancada é um jeito de aumentar o poder?

Estamos muito longe de ter o poder. O Estado brasileiro ainda conserva muitas instâncias e orientações de decisões de 100 anos atrás. É patrimonialista, é machista, é elitista, coloca a propriedade acima do trabalho, e vai demorar muito para mudar as referências das instituições, e do poder econômico que as controla. Por isso temos de fazer dos processos eleitorais oportunidade de avançar, de ampliar nossa capacidade de mudar as coisas, de mudar o Estado. Serão necessários sucessivos governos progressistas e democráticos, sucessivas gestões populares, para redesenhar essa correlação de forças e de papéis. Esse ritmo é lento, dificultado, por causa da quantidade de alianças que se faz – e tem de fazer, porque senão perde a eleição –, que muitas vezes não bancam o mesmo projeto. O tamanho do PMDB no governo, por exemplo, dentro da coalizão construída, toma um espaço muito grande, e demanda uma série de concessões que nem sempre interessam aos trabalhadores. Mas acho que uma sucessão de vitórias eleitorais desse projeto é que vai diminuir a dependência e a influência dessas alianças.

Mas isso não cria um excesso de expectativa nessa via institucional, eleitoral, parlamentar? Não afasta a CUT de sua origem?

Eu não estou dizendo que a CUT tem de sair da rua e ir para o gabinete. Se fizer isso, a CUT morre. A CUT é de rua. Isso a gente já faz e não podemos nunca deixar de fazer. Está no DNA. Temos feito isso e temos a preocupação com a formação dos novos quadros do movimento sindical para que se preserve essa concepção. Eu não tenho essa preocupação, mas acho boa a sua pergunta. Eu estou só dando enfoque em algo que eu acho que a CUT não faz. Em nenhum momento isso quer dizer que a CUT deve perder a origem. A nossa origem é da luta, do movimento. E essa história de construir uma central sindical para o trabalhador ocupar seu espaço enquanto movimento social, e de ter integrantes desse movimento criando um partido para disputar espaços na institucionalidade da política é que nem jabuticaba. Só tem no Brasil. Porque você tem outras centrais sindicais no mundo que têm cento e poucos anos e são tão grandes quanto a CUT, tão importantes quanto a CUT em seus países, mas não têm presença nenhuma na vida política de seus países, ficam fora. A partir da mobilização dos trabalhadores se está  tentando criar uma proposta política para a sociedade, diferente daquela ditada pela elite. E atuar no campo institucional não pode ser burocratizar a ação sindical. Tenho a preocupação de a gente não fazer isso.

Durante o governo Dilma houve um movimento de queda consistente na taxa básica de juros. De repente ela interrompeu essa briga com o mercado financeiro. Por que você acha que parou?

Entra presidente e sai presidente no Brasil e os banqueiros continuam sendo influentes demais. Essa influência dos banqueiros é nefasta. A presidenta Dilma foi corajosa quando enfrentou o rentismo e estabeleceu a baixa do juro real. A Selic é um parâmetro, mas não é exatamente o que determina na economia. Ela fez um enfrentamento correto, acho que sofre consequências até hoje por isso, porque o mau humor da imprensa com o governo Dilma é a tradução do mau humor do mercado financeiro. Ela tentou, mas não teve força para seguir adiante.

Uma ruptura com essa lógica que vem desde os anos 90 poderia ter sido também uma “marca” que não foi?

Seria uma marca excepcional. Ou seja, ninguém propõe no Brasil, por exemplo, uma nova regulamentação para o sistema financeiro. Você não vê nenhum candidato falar sobre isso. E tem que ter. O centro financeiro brasileiro só é voltado para o interesse do banco. Hoje, a cada quatro anos, um banco dobra o tamanho de seu patrimônio. Absurdo. Isso não pode acontecer.

Mas o lucro não é pecado.

O lucro, no caso dos bancos do Brasil é um absurdo. Chega a ser aviltante em um país com tanta dificuldade que agora está tendo políticas sociais para melhorar a vida das pessoas. A rentabilidade em um banco brasileiro é maior do que em bancos europeus, maior que em bancos americanos. E o que devolve para a sociedade? Tudo bem se esse recurso, esse lucro gerasse algum benefício para a sociedade… Banqueiro mal paga imposto, comparado ao que paga o trabalhador. Isso é muito ruim. Eu tenho visto palestras de bancos e eles ficam incomodadíssimos com as linhas de crédito do BNDES, porque dizem que não é papel do BNDES fazer isso, porque é papel deles, mas eles só querem fazer com o dinheiro do BNDES. Aí não é financiamento, é agenciamento. Grande parte do financiamento no Brasil é feito pelo setor estatal. Por que o setor privado não o faz? Quem vai financiar o crescimento  brasileiro? Qual a participação dos bancos privados no financiamento da infraestrutura no Brasil?

O governo do PT não fez mais para diminuir o poder do sistema financeiro porque o poder do sistema financeiro é capaz de minar o controle da economia – tem as tais forças ocultas? Ou falta ousadia?

O poder financeiro não é força oculta, aquela que o Jânio Quadros temia. Como há uma concentração, eles têm muito domínio sobre a economia brasileira. Eles determinam preços. Por isso que digo que chegar ao governo não significa chegar ao poder. Vai muito além para você conseguir passar por essa barreira. É governo do PT? Tudo bem que o PT é o maior partido do governo, mas é um governo de coalizão. Eu acho até que o PT, enquanto partido político, tinha de pressionar muito mais para ser mais governo.

Mas falta ousadia, ou com um pouco mais de ousadia correm-se mais riscos, como a Argentina ou a Venezuela, de uma resposta mais bruta da elite, com boicotes no abastecimento, reações empresariais, ataques especulativos?

A formulação que está sendo construída é essa, de ir aos poucos, comendo pelas beiradas. Mas de fato está lento demais. Está faltando um pouco de ousadia mesmo. Não é possível que a cada grito que o PMDB dá a presidenta da República tenha de sair correndo atrás para ver se resolve os descontentamentos. Por que o PT também não grita? Eu não tenho dúvida de que estamos avançando, mas acho que poderia ser mais rápido. Talvez até por que falta aos movimentos sociais entrar mais diretamente para contribuir com esse avanço, com mais mobilização.

Outra coisa que me deixa muito preocupado é: seria coincidência que todas as democracias na América Latina estejam sofrendo ataque especulativo ao mesmo tempo? Por que não há manifestações contra o governo colombiano? Porque o governo colombiano é absolutamente alinhado ao governo norte-americano. Não é estranho que você tenha manifestações populares de grande tamanho, e de viés conservador, no Brasil, na Argentina, na Venezuela. Aí você pega outros países que têm menor desempenho econômico e você não vê acontecer nada.

Você acha que o movimento sindical fez o que pôde para cobrar essa ousadia? Ou faltou ousadia também ao movimento sindical?

No Brasil acontecem coisas estranhas. Você faz uma marcha com 50 mil pessoas do movimento sindical cobrando a pauta trabalhista, em Brasília, e isso não é notícia para a imprensa. Aí, por outro lado, você junta 50 pessoas aqui na Paulista e é capa da Folha de S. Paulo. Para mim é clara a atuação. Dentro dessas “forças ocultas” que atuam no Brasil, derrotar o movimento sindical é muito importante, derrotar a CUT é muito importante, provar para os trabalhadores que a CUT não é mais tão grande quanto era, não tem mais a influência que tinha. Por que o PSDB está tentando criar o PSDB sindical, que é a coisa mais maluca do mundo? O PSDB não tem nenhuma atuação, mas está tentando. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais eles reuniram centenas de dirigentes de centrais sindicais para criar um braço sindical do PSDB. O PSDB percebeu que tem de ter participação nos movimentos sociais.

Então não houve acomodação?

Acho que nós fizemos muito movimento nesses 12 anos de governo do PT. Você tem noção de quantas greves nós fizemos nesses últimos 12 anos? Nós fizemos mais greve no governo Lula do que no governo Fernando Henrique. Mas é claro, no governo Fernando Henrique você ficava contra a parede, para ver não lhe arrancavam suas conquistas. Nos governos Lula e Dilma a CUT organizou greves em vários setores todos os anos. No serviço público, nas empresas estatais e no setor privado. Mas não me alimento de fazer luta contra o empregador ou contra o governo por fazer, e perder. E o trabalhador não ganhar nada. As vezes eu vejo dirigentes sindicais que se sentem realizados por terem feito uma luta, uma greve, ou coisa assim e não ganhar nada. E sair satisfeito por ter feito. Quer dizer: fez para ele mesmo, não para o trabalhador.

A estrutura sindical não favorece a formação de dirigentes acomodados?

Essa estrutura sindical não favorece o sindicalismo livre. Talvez fosse importante voltar o Fórum Nacional do Trabalho, do início do governo Lula, para nós discutirmos um pouco mais a modernização na estrutura sindical brasileira, porque se você vai perpetuando essa estrutura como está, os novos militantes que entram nos sindicatos cutistas vão se habituando a isso.

Agora, com as centrais ficando com uma parte do imposto sindical que antes ficava com o Ministério do Trabalho vai ser mais difícil acabar com o imposto sindical, que é um dos pilares dessa estrutura antiga…

E eu acho isso nocivo. Tenho uma relação de respeito com as demais centrais. Não acho que nossas divergências nos tornam inimigos. Mas as demais sindicais não defendem o fim do imposto. E dentro da CUT também nem todos defendem. Falam em liberdade e autonomia, mas ainda não praticam uma gestão que conduza a isso. E não vai ser por decreto que isso vai mudar. Ou você faz uma negociação ampla na sociedade ou isso não muda. Mesmo porque as entidades sindicais patronais também têm sua arrecadação baseada em no imposto sindical. Se fossem só as entidades de trabalhadores seria uma disputa menos complicada.

A centrais sindicais vão organizar algo conjunto para o 1º de Maio deste ano? Aliás, 1º de maio de 2014 é diferente dos anos anteriores?

O 1º de Maio em ano eleitoral é diferente. Nós não podemos tapar o sol com a peneira. Este ano a CUT pretende fazer um 1º de Maio unificado da classe trabalhadora. A exemplo das experiências das nossas marchas em comum, das nossas lutas unificadas. O projeto de fazer 1º de Maio unificado é um ato político muito importante, com unidade dos trabalhadores em torno da sua plataforma. Eles vão entregar a nossa plataforma para os candidatos a presidente da República e para os candidatos a governador, e aproveitar o ano eleitoral para fortalecer as nossas reivindicações. Lamentavelmente, eu acho que isso não vai acontecer, inclusive por conta da disputa presidencial. A Força Sindical claramente vem se aliando a uma candidatura de Eduardo Campos, ou de Aécio, o que é lamentável. Respeita-se, mas é lamentável, para nós que estamos tentando construir um 1º de Maio com as demais centrais sindicais.

Mas nos anos anteriores a CUT vinha fazendo comemorações sozinha. As outras centrais ficavam juntas e a CUT separada.

Este ano nós queremos inverter isso, nós queremos fazer um 1º de Maio com as demais centrais sindicais. Nós vamos fazer um ato político no Anhangabaú que será precedido de uma semana inteira de eventos e debates. Em toda essa organização a CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, presidida por Adílson Araújo) e a CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros, presidida por Antonio Neto)  já confirmaram presença. A UGT (de Ricardo Patah) pode não estar presente em toda a organização, mas estará no ato político do dia 1º, junto com shows e atividades culturais. Isso é extremamente importante para a gente, porque nós temos que demonstrar unidade esse ano. Nós não vamos sortear carro nem casa. Não tem problema você ter um show. As pessoas gostam de shows e vamos fazer shows com cantores populares.

Existem três demandas importantes que dizem respeito ao trabalhador e à sociedade na agenda do STF: as perdas dos poupadores com relação aos planos econômicos; a OAB está entrando no STF pedindo a correção da tabela do imposto de renda pela inflação. Por que essas coisas acabam indo parar no STF?

A perda dos planos econômicos é um direito dos poupadores que os bancos surrupiaram e ficaram com o lucro disso. Agora, eu fico imaginando como vai ser a solução para isso. Quem tem que devolver são os bancos, e eles vão querer que o tesouro devolva. Agora, essa questão do imposto de renda o governo não devia permitir que fopsse acabar no STF. Isso é uma reivindicação da CUT, refazer a correcão da tabela do imposto de renda (hoje é corrigida pela piso da meta de inflação, 4,5% ao ano, e não pela inflação efetivamente apuradam que tem ficado próxima de 6%). E nós vamos levar isso como reivindicação no dia 9 de abril, até porque o política de correção da tabela também expira em 2015, como a do salário mínimo.

O que vai acontecer no dia 9 de abril?

A ideia do 9 de abril é fazemos uma enorme manifestação de massa, em São Paulo, para definir a plataforma da classe trabalhadora. Será mais ou menos o que foi no Pacaembu em 2010. A gente quer juntar todos os trabalhadores de todas as centrais sindicais, virar um grande ato, construir uma pauta comum e fazer que essa pauta seja apresentada para a presidenta e para os candidatos em geral, porque a gente tem de avançar a pauta da classe trabalhadora.

E a presidenta deu algum sinal de que vai voltar receber as centrais?

A presidenta nos recebeu da outra vez. Nós fizemos a marcha, em março do ano passado, ela nos recebeu e nós acreditamos que ela vá receber agora também. Mas não adianta só receber, tem de receber e atender as reivindicações.

O Projeto de Lei 4.330, que trata da terceirização, continua vivo e pode ressurgir no Congresso a qualquer momento?

Existe esse risco. Eu acho que enquanto houver um Congresso Nacional com a maioria dos 513 deputados indicados pelos empresários, obviamente que você vai ter riscos rondando os direitos dos trabalhadores. O PL 4.330 não está enterrado. Nós o combatemos e o impedimos. A CUT impediu o 4.330. O plano é continuar a mesma coisa. O 4.330 não é ruim só para os trabalhadores, mas ruim para o Brasil. Não tem nenhum país que tenha trazido benefício à sua economia desregulamentando o mercado de trabalho. Então, nós vamos continuar em um processo de resistência. Lamentavelmente, há essa discussão na Câmara, e também tem no Senado, por meio de outros projetos com outro nome, mas com o mesmo fim. Talvez a tramitação arrefeça também pela questão eleitoral. Mas passando outubro não tenha dúvida nenhuma que volta o debate.

Maior do que a intenção deles de afrouxar a terceirização ou algo parecido é o desejo deles de acabar com os trabalhadores organizados. Querem fazer o sindicato deixar de existir por não ter a quem representar. É um enfrentamento que vai ser cotidiano para a gente.

Da Rede Brasil Atual

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