‘A América para os Americanos’: Política externa soberana e integração latino-americana e caribenha
A Contee é defensora da autodeterminação dos povos e das liberdades individuais. Nesta defesa, a coordenadora da Secretaria de Políticas Internacionais da Confederação, Maria Clotilde Lemos Petta, propõe uma reflexão neste artigo sobre a soberania e a integração latino-americana face ao episódio de espionagem praticada pelos Estados Unidos.
Por Maria Clotilde Lemos Petta*
“Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país” (Dilma Rousseff).
O recente episódio da espionagem eletrônica contra o Brasil, promovida pela Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) deve ser compreendida como mais uma demonstração de que a agressividade da política externa norte-americana é crescente. Neste início do século XXI, além da militarização convencional, com base em armas físicas, são utilizados meios eletrônicos e informáticos, criando um novo campo de batalha com ataques virtuais no chamado ciberespaço, numa postura de afronta à soberania dos países. Este fato deve ser analisado considerando sua inserção em questões estratégicas, militares e também políticas mais amplas.
Nesta perspectiva, cabe a referência ao significado histórico da Doutrina Monroe. Esta doutrina, lançada, no início do século XIX, por James Monroe, presidente dos Estados Unidos (1817 a 1825), é conhecida por sua síntese “A América para os Americanos”. Desde então, o que ocorreu de fato é que a frase serviu de pretexto para as mais variadas intervenções norte-americanas nos países latino-americanos e caribenhos. E o lema da Doutrina Monroe passou a ser conhecido com um sentido diferente: “A América para os norte-americanos”.
No governo de Theodore Roosevelt (1901-1909), um adendo a esta doutrina deixava claro que os Estados Unidos da América deveriam assumir o papel de polícia internacional no Ocidente. Este foi o presidente que, tomando como base um provérbio africano –“fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete” – usou o termo Big Stick (grande porrete) para sintetizar a natureza da “diplomacia norte-americana”.
Ao longo do século XX e neste início do século XXI, esta característica da política externa dos EUA em relação à América Latina se manteve. Verifica-se que a “velha” Doutrina Monroe continua sendo referência. Segundo a professora Cristina Soreanu, a eleição de governos progressistas na região provoca impactos significativos na definição de novas estratégias de ação norte-americanas. Soreanu considera: “em sua maioria, as políticas norte-americanas demonstram-se reativas a eventos no hemisfério de caráter regional e extra-regional que ofereçam alternativas a sua hegemonia ou representem ameaça a seus interesses”. As políticas direcionam-se no sentido de preservar a zona de influência do país na região, nos moldes conhecidos pela Doutrina Monroe (1823). Soreanu destaca também que o petróleo do pré-sal é de particular interesse para os EUA, não somente pela riqueza que representa, mas também pela questão estratégica, pois pode significar alterações nas relações de poder entre os países da região. Neste cenário, segundo a professora, “o foco passa a ser a preservação do poder da liderança dos EUA na América Latina e o reposicionamento estratégico nas regiões da América do Sul e do Atlântico Sul, por meio da militarização”. A reativação da Quarta Frota do Atlântico Sul, o aumento de investimentos nos comando militares, instalação de bases militares, são iniciativas nesta direção.
O posicionamento do governo brasileiro face ao episódio da espionagem eletrônica realizada pela NSA foi tratar o fato como questão de segurança nacional, desenvolvendo importantes iniciativas. O anúncio pela presidenta da suspensão da visita de Estado que faria na última semana aos EUA e o discurso da presidenta Dilma, na tribuna das Nações Unidas, nesta terça-feira (24/09) tiveram repercussãointernacional. Na ONU, Dilma foi enfática nas suas considerações: “Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos fundamentais dos cidadãos de outro país”.
O ministro de Defesa, Celso Amorim tem manifestado sua preocupação com a Ciberguerra, também conhecida por guerra cibernética. Segundo Amorim, o Brasil criou um Centro de Defesa Cibernética, que já atuou em ações pontuais, mas é preciso avançar nesta área e desenvolver um software nacional de defesa. Além do que o ministro defende que “a América Latina necessita de uma visão comum sobre a defesa, baseada na cooperação, na preservação dos recursos naturais, mas também na área cibernética”. Nesta perspectiva, o debate sobre a criação de um sistema conjunto de defesa cibernética reuniu, em Buenos Aires, o ministro de Defesa Celso Amorim e o chanceler recém-empossado Luiz Alberto Figueiredo Machado e seus pares da Argentina, Agustín Rossi (Defesa) e Hector Temeram (Relações Exteriores), e a presidenta Cristina Kirchner.
Neste contexto, novos desafios são colocados para o movimento social e sindical. O debate sobre as novas estratégias da política imperialista contemporânea precisa ser aprofundado. Na América Latina e no Caribe, é necessário que as organizações sindicais atuem de forma articulada em torno de agendas unitárias na defesa de um projeto solidário e soberano de integração. Cabe aos trabalhadores o papel protagonista neste processo, fazendo valer de fato o lema: “A América para os Americanos”.
*Maria Clotilde Lemos Petta é coordenadora da Secretaria de Políticas Internacionais da Contee e diretora do Sinpro Campinas e da CTB
Referências:
Pecequilo, Cristina Soreanu – professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – Autora de “Os Estados Unidos e o Século XXI” – Campus Elsevier, 2012. Artigo “Os EUA, Barack Obama e a América Latina”, Revista Princípios – n. 122-Dez/2012-jan/2013 Editora e Livraria Anita Ltda.
Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe – Coordenadores Emir Sader e Ivana Jinkings – Laboratório de Políticas Públicas – Boitempo Editorial, 2006.
CAMBESES JR., Manuel. “Tio Sam” e a política do Big Stick em Escola Superior de Guerra –Wikipédia