A briga judicial em torno das notas do Enem: ‘Sensação de que não adiantou nada o esforço’

Matheus Camata Krabbe, de 17 anos, passou nove dias esperando por uma resposta aos emails que mandou a diversas instâncias do Ministério da Educação (MEC) e do Inep (Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira), responsável pela realização do Enem.

Assim como outros milhares de estudantes, ele enviou, primeiro, uma mensagem ao endereço de email divulgado pelo próprio ministro Abraham Weintraub e pelo presidente do Inep, Alexandre Lopes, em vídeo postado no Twitter em 18 de janeiro, quando as duas autoridades admitiram haver “inconsistências” nas notas do Enem de estimadas 0,15% das provas.

“Mandamos email sábado (18/1) à noite (dentro do prazo estipulado pelo MEC)”, afirma Sylvia Camata Krabbe, mãe de Matheus, à BBC News Brasil. Ela argumenta que, com 88,8% de acertos na prova de Linguagens, a “nota baixa” (677,4) dele não pode ser justificada pelo TRI (Teoria de Resposta ao Item, sistema em que a nota é calculada a partir de uma média ponderada, que leva em conta não só acertos, mas do nível de dificuldade das questões acertadas).

Quando finalmente recebeu uma resposta do ministério, na tarde da segunda-feira (27/1), foi um texto padronizado enviado por um sistema automático que não tratava dos detalhes do seu caso, mas apenas informava que “as inconsistências foram corrigidas” e que a nota de Matheus era mesmo aquela.

“Achamos que o problema não é a troca de gabarito, mas sim uma inconsistência na aplicação da média”, diz Sylvia, agregando que o filho conquistou nota no Enem mais baixa do que no ano passado, quando ainda era treineiro. “E neste ano ele estava muito mais preparado, fazendo ensino técnico o dia inteiro e cursinho à noite, ambos como bolsista. Ele está cheio de expectativa e frustração, com a sensação de que não adiantou nada o esforço.”

Matheus, que sonha cursar Relações Internacionais na USP, é um entre centenas de estudantes que, sentindo-se lesados pelos resultados do Enem, acionaram a Justiça na tentativa de cobrar explicações do MEC e do Inep.

O imbróglio veio a público em 18 de janeiro, quando, em vídeo, Weintraub e Lopes afirmaram que “um número pequeno de pessoas teve o gabarito trocado” na correção do Enem, agregando que “ninguém será prejudicado” e pedindo que “quem se sentir prejudicado pode nos contatar que vamos fazer a avaliação manual da sua prova”.

Mais tarde, o MEC afirmou ter encontrado erros de notas de 5.974 estudantes e que os resultados foram corrigidos. O órgão disse também que “todas as provas dos 3,9 milhões de participantes foram analisadas”.

Suspensão do Sisu

No entanto, isso não tranquilizou os estudantes que temem que suas notas estejam incorretas e que isso prejudique sua chance de entrar no curso universitário que desejam — algo que o MEC nega ter ocorrido.

O caso de Matheus Krabbe, citado acima, é um dos mencionados pela Defensoria Pública da União na ação judicial que conseguiu suspender por alguns dias, em caráter liminar (provisório), a divulgação dos resultados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Inicialmente, a liminar pela suspensão foi concedida pela 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, decisão que foi divulgada na última sexta-feira 24.

Depois, o governo recorreu à segunda instância, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) manteve a suspensão. No entanto, após novo recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça (28) revogar as decisões das instâncias anteriores pela suspensão — assim, a divulgação do resultado do Sisu foi autorizada.

“De antemão, o MEC e o Inep reforçam a lisura do Enem e a ausência de qualquer prejuízo aos inscritos”, afirmou a Advocacia-Geral da União (AGU), que defende o governo, em nota à BBC News Brasil. “Já foram adotadas todas as medidas administrativas necessárias para a solução dos problemas detectados. Qualquer nova medida não alterará o resultado das notas dos candidatos, e o eventual adiamento ou suspensão de prazos do Sisu causará prejuízos incalculáveis às instituições de ensino e aos candidatos.”

É no Sisu que os alunos cadastram suas notas do Enem para se qualificar para vagas em universidades públicas. O cronograma oficial do MEC previa a divulgação dos resultados do Sisu a partir desta terça-feira (28/1).

Questionamentos da Defensoria

“A grande questão é que não temos informações adequadas do que aconteceu (com a correção do Enem)”, afirma à BBC News Brasil o defensor público João Paulo Dorini, um dos responsáveis pela ação na Defensoria Pública da União na Justiça Federal paulista.

Essa ação questiona dois pontos específicos do Enem 2019, levantados pela maioria dos estudantes (cujo número não foi divulgado) que procuraram a instituição:

1 – Se, ao corrigir as notas que estavam erradas, o MEC usou essas mesmas notas para calcular a média ponderada que é usada pelo Sisu para decidir quais alunos serão aprovados em cada curso — ou se a ponderação foi feita antes da correção das notas. “Estamos falando de pequenas variações, mas que podem ser absolutamente relevantes (para os candidatos)”, diz Dorini.

2 – Qual resposta formal será dada às 172 mil queixas que foram feitas no email divulgado por Weintraub e Lopes, de candidatos que, assim como Matheus Krabbe, desconfiam que sua nota esteja incorreta. “Boa parte não recebeu resposta nenhuma, nem automática”, prossegue Dorini, criticando, ainda, o caso em que Weintraub ofereceu, via redes sociais, análise individual de um caso solicitado por um internauta.

“E quem fez a reclamação pelas vias formais e ficou sem resposta?”, questiona o defensor.

A partir do esclarecimento dessas questões, a Defensoria decidirá se vai tomar mais providências, afirma Dorini.

Existem também as queixas de 250 estudantes representadas no Ministério Público Federal até a quarta-feira (22/1), além de ações individuais na Justiça: a BBC News Brasil encontrou diversos registros pedidos de liminares e de mandados de segurança solicitados por estudantes, pedindo à Justiça que reserve vagas a eles nos cursos universitários de sua escolha, alegando erros na correção de sua prova no Enem.

Em comunicado emitido na sexta-feira (24), o Ministério Público Federal defendeu a manutenção do calendário do Sisu e afirmou que “as providências (tomadas pelo Inep e pelo MEC) para corrigir (as provas apontadas com erros) foram suficientes” e considera que “não se vislumbra, no momento, prejuízos concretos aos alunos que se submeteram ao Enem”.

Para o advogado Saulo Stefanone Alle, especialista em direito administrativo do escritório Peixoto & Cury, a “falha em uma amostragem razoável” das provas gera um “efeito de insegurança, que leva as pessoas a colocarem toda a prova em suspeição”.

Essa sensação de insegurança tem como consequência as ondas de ações coletivas, como a feita pela DPU, e de ações individuais — nas quais, aponta o advogado, nem sempre é fácil para o aluno demonstrar que foi alvo de injustiça.

“O desafio é separar os fatos que justificam rever (as notas)”, diz. “Porque o objetivo não é que o Judiciário resolva quem poderá ou não ser aprovado. Senão, não haverá prova pública que possa ser feita no Brasil sem que a Justiça seja acionada.”

A BBC News Brasil questionou o Inep e a AGU especificamente acerca de como serão respondidos os emails de estudantes queixosos e as reclamações de potenciais inconsistências de notas, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

Em 20 de janeiro, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, afirmara que “todas as providências (de correção) foram tomadas sem prejuízo a qualquer participante”.

BBC

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