A Conape e o resgate da participação popular em defesa da educação
A organização na Educação sempre poderá ser uma importante frente de batalha, afirma pesquisadora e integrante da Contee
Por Madalena Guasco Peixoto*
A transformação de Belo Horizonte na capital nacional em defesa da educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada, bem como da regulamentação do ensino privado, não foi apenas uma expressão de efeito usada para divulgar e engrandecer a Conferência Nacional Popular de Educação (Conape), realizada de 24 a 26 de maio, na capital mineira.
Foi um fato, e não restrito aos três dias de conferência. Da marcha “Educação se constrói com democracia” — que percorreu as ruas da Praça da Liberdade à Praça da Estação na quinta-feira 24, à aprovação do manifesto Carta de Belo Horizonte no sábado 26 —, a cidade pôde se tornar o centro do debate educacional no país porque, durante os últimos dois anos, a própria educação se tornou o centro da luta e da resistência ao golpe.
Foram três dias que só se justificaram pelos outros quase 730 de construção de um movimento que começou com a criação do Comitê Nacional de Educação Contra o Golpe, em Defesa da Democracia, Fora Temer, Nenhum Direito a Menos!, em junho de 2016. Ou mesmo antes.
Desde o início do processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff, legitimamente eleita, enfrentamos ataques sistemáticos à educação pública. Ataques que vão do desmanche das políticas educacionais — e aqui se incluem a Emenda Constitucional 95, com seu congelamento de investimentos públicos por duas décadas, e, consequentemente, a inviabilização do cumprimento das diretrizes e metas do Plano Nacional de Educação (PNE) — à submissão do governo ilegítimo de Michel Temer aos interesses privatistas.
Uma subserviência que pode ser observada no âmbito do setor educacional, com o escancaramento cada vez maior, depois do amplo processo de décadas de financeirização do ensino superior, à privatização da educação básica, mas também em outros setores, como na gestão da Petrobras, que destruiu a conquista dos recursos do pré-sal para a educação e, que, não por acaso, encontra-se na ordem do dia da atual crise política, econômica e social no país.
Foi o enfrentamento a esse processo, aliado à convicção de que o acesso à educação pública e gratuita de qualidade e a regulamentação do setor privado de ensino são essenciais à defesa da soberania, que as entidades reunidas na 2ª Plenária Nacional de Educação convocada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino — Contee em junho de 2016 deliberaram pela instituição do Comitê Contra o Golpe, mais tarde transformado no Comitê Nacional de Luta em Defesa da Educação Pública.
Foi dessa união que, um ano mais tarde, frente à dissolução arbitrária, pelo Ministério da Educação, do Fórum Nacional de Educação (FNE) como conquista da sociedade civil e à inviabilização de uma 3ª Conferência Nacional de Educação (Conae/2018) com real participação popular, foi gestada a Conape. Ou, como dito há pouco, ainda antes.
Assim como o Comitê transformou-se no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) após o rompimento das entidades com o FNE golpista, a Conape foi convocada — e cumpriu seu papel — como resposta ao esvaziamento da Conae pelo MEC e como espaço de resistência da sociedade civil organizada em defesa da educação. Mais do que isso.
É possível dizer que esta primeira Conferência Nacional Popular de Educação, intitulada Conape Lula Livre por aclamação de sua plenária final, incorporando a bandeira mais simbólica da batalha pela restauração do Estado Democrático de Direito, nasceu de todas as lutas educacionais empreendidas ao longo de décadas.
A Conape brotou das Conaes, mas também dos Congressos Nacionais de Educação (Coneds) dos anos 1990. Mais anteriormente, pode ser considerada também herdeira das Conferências Brasileiras de Educação (CBEs) dos anos 1980, e, ainda mais remotamente, de todo o engajamento pela própria redemocratização da educação, que se mistura à redemocratização do país. Como agora. A Conape, como seu próprio nome diz, é fruto de toda a experiência acumulada de participação popular em prol da educação.
O documento final aprovado em plenária no dia 26 de maio, assim como o manifesto político Carta de Belo Horizonte confirmam que a Conferência cumpriu o propósito para o qual foi concebida: um instrumento coletivo de luta, enfrentamento e resistência contra o congelamento dos investimentos em políticas públicas; em defesa de uma escola sem mordaça; contra uma reforma do ensino médio excludente; contra o processo de financeirização e privatização do ensino; e, entre tantos pontos, pelo cumprimento do Plano Nacional de Educação como plano de Estado, resgatando o projeto democrático do país.
*Madalena Guasco Peixoto é coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)