A desregulamentação da educação privada: afronta à Constituição
Por Madalena Guasco Peixoto*
A desregulamentação da educação privada é meta perseguida pelas empresas privadas de educação e por seus representantes no Estado e no Parlamento desde a constituição de 1988.
No seu art. 209 a Constituição Cidadã determina que a educação é livre à iniciativa privada atendidas as seguintes condições: 1- cumprimento das normas gerais da educação Nacional e 2- autorização e avaliação de qualidade pelo poder público. Ou seja, a liberdade de atuação está condicionada à regulamentação.
Desde a aprovação da Constituição, os setores privatistas atuam em duplo sentido: impedir a votação e implementação de políticas públicas que aumentem o controle do poder público e da sociedade sobre seus negócios e afrouxar os critérios de avaliação e de autorização do Estado e do Ministério da Educação.
Quando da aprovação da Lei 10.861 de 2004, do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), o lobby privatista, tentou de tudo para diminuir as exigências de qualidade na constituição do Sistema; atuou também fortemente na Comissão Nacional de Avaliação (Conaes) para impedir que os critérios de aferimento de qualidade dos cursos e instituições não ultrapassassem o que é previsto na Lei de Diretrizes e Bases, ou seja, o mínimo.
Em todos os encontros realizados pela Conaes, o discurso do setor é o mesmo: os critérios rígidos aferidos pela avaliação e pela supervisão. Em nome do lucro e da liberdade de atuação, as empresas e seus representantes sempre atuaram contra a regulação.
Essa pressão aumentou com a entrada, após 2005, dos grandes grupos de capital aberto na educação superior brasileira.
Apesar de todo esse aparato de atuação política para desregulamentação, não só o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior foi colocado em prática, como tem gerado inúmeros processos contra cursos e instituições que nas avaliações, de forma sistemática, não atingem o mínimo exigido de qualidade.
Em 2017, apenas 1,6% das instituições de ensino superior privado obtiveram boas avaliações (dados do Inep), isso dentro de um universo de 2.066 instituições e mais de 50 mil cursos presenciais.
Com esses dados, parece loucura pensar em autorregulamentação do setor, não?
Aliás, a criação em 2011 da Secretaria de Regulação (Seres) ocorreu diante da imperiosa necessidade de provimento aos inúmeros processos gerados pela avaliação. Parece, então, um contrassenso defender a autorregulação tendo como argumento a incapacidade da Secretaria de cumprir o seu papel. O secretário de Regulação e Supervisão, ao invés de defender a qualidade da educação superior, defende o contrário da razão da existência de sua secretaria. Defende publicamente a autorregulação das instituições privadas.
O secretário de Regulação e Supervisão, ao invés de defender a autorregulação, deveria estar reivindicando o fortalecimento de sua secretaria e a aprovação, por parte do Parlamento, da lei do Instituto Nacional de Avaliação da Educação Superior (Insaes), que daria não só maior condição para a supervisão, como garantiria para os(as) estudantes brasileiros o direito a um curso superior de qualidade.
Não existe nem mais a preocupação em disfarçar seus compromissos privatistas. A Secretaria de Regulação e Supervisão não foi criada para defender o lucro do capital aberto às custas da qualidade da educação.
A autorregulação defendida pelo setor privatista, tendo à frente o secretário de Regulação e Supervisão, fere o art. 209 da Constituição Federal. Mas isso parece não importar. O que esperar de um governo cujo objetivo principal é exatamente o de defender os interesses do capital financeiro, no caso, dos acionistas dos grandes grupos financeiros de educação, que não se importam com a qualidade de formação dos futuros profissionais brasileiros?
O pouco que se conseguiu de regulamentação, desde a Constituição de 1988, está sob risco e quem perde com isso é a educação brasileira.
*Prof.ª Dra. Madalena Guasco Peixoto é diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP e coordenadora da Secretaria)Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee