A educação é de interesse público e nacional, não pode ficar subordinada às demandas de mercado”, afirmou Allysson Mustafa

Declaração feita em audiência pública no Senado, promovida pela Comissão de Educação e Cultura, sobre o novo PNE.

Nesta segunda (16), o Coordenador da Secretaria de Assuntos Educacionais e Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), Allysson Queiroz Mustafa, participou de audiência pública promovida pela Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal, de forma remota.

A audiência pública tratou do projeto de Lei nº 2614/2024, que institui o novo Plano Nacional de Educação para o decênio 2024-2034 e foi coordenada pelo presidente da Comissão, o senador Flávio Arns (PSB-PR). A matéria está tramitando na Câmara dos Deputados, mas os senadores já estão se preparando para a chegada da proposta na Casa Alta.

O novo Plano Nacional de Educação contém 10 diretrizes, 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias a serem cumpridos até 2034 nas áreas de educação infantil, alfabetização, ensinos fundamental e médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior, estrutura e funcionamento da educação básica.

Mustafa sinalizou que o Plano Nacional de Educação precisa resgatar e garantir a centralidade do que foi produzido na Conferência Nacional de Educação (CONAE 2024), bem como discutir a inserção do setor privado de educação no Sistema Nacional de Educação, para além da possibilidade de cooperação entre os entes federados.

“Infelizmente o que foi estabelecido como metas para o plano anterior, na sua maioria não foi alcançado. A gente não pode abandonar aqueles itens, a gente precisa reafirmá-los e reforçá-los trazendo para esse plano agora. Compreendemos que as determinações precisam ser implementadas. As questões de universalização, de acesso, de carreira, de permanência. As questões relativas aos estudantes. Tudo isso precisa ser mantido porque tem que ser assegurado de fato”, elucidou.

Para consolidar um novo PNE alinhado com os preceitos democráticos, ele pontuou que pensar a educação inclusiva no sentido mais amplo é fundamental, frisando que não se pode apenas pensar na inclusão no sentido dos alunos que são deficientes ou que tenham algum tipo de comprometimento do ponto de vista cognitivo, mas é necessário pensar a educação observando as questões de gênero, as questões raciais.

Além disso, ressaltou a importância de contemplar a dimensão ambiental justificando: “pensar educação como projeto de país perpassa pensar educação como verdadeira promotora de cidadania e as questões de ordens socioambientais, elas são imperativas para nós, principalmente neste momento de grande emergência climática”.

CAMPANHA CONTEE

Allysson chamou atenção para a campanha Educação Transforma, Regulamentação Protege, lançada pela Contee, no ano passado, que visa a regulamentação do ensino privado no Brasil, da Educação a Distância (EaD), e deixou claro que embora a Confederação represente trabalhadores dos estabelecimentos de ensino privado, defende a educação pública gratuita, laica, socialmente referenciada e de qualidade.

“A gente, inclusive, defende que dinheiro público vá para a educação pública. Mas o setor privado de educação, ele existe e ele também precisa ser cuidado sob a perspectiva de quem trabalha, tanto os professores quanto os auxiliares e  técnicos administrativos que fazem parte da nossa confederação e que trabalham cotidianamente para tornar possível a educação privada no Brasil”, enfatizou

FINANCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Aproveitou para destacar a situação crítica dos professores que por serem horistas prestam serviços em várias escolas para honrar suas despesas básicas. “o problema é que a hora do salário mínimo é R$ 6,00 e uma fração. Nós estamos vivendo no Brasil, no setor privado de educação, lugares em que trabalhadores de educação, trabalham sem receber sequer o salário mínimo ao final do mês. Para que ele atinja esse salário mínimo, ele precisa trabalhar em 2, 3, 4, 5 escolas para juntar um pouquinho de cada uma e chegar a um valor minimamente decente à sua sobrevida”, contextualizou.

Ainda dentro dessa problemática, Mustafa disse que a educação privada peca em deixar de focar propriamente na educação e naquilo que ela pode contribuir para um projeto de país e passa ela mesma a construir um projeto paralelo de país, disputando, inclusive, o orçamento público, fazendo lobby dentro do Congresso Nacional. Salientou que o PNE precisa discutir essa realidade, tendo em vista que a educação abarca interesses coletivos muito mais amplos e republicanos, não pode ser súdita dos interesses privatistas.

Há uma bandeira histórica da nossa confederação que diz: educação não é mercadoria. E nós temos assistido a uma mercantilização da educação que disputa, inclusive, o orçamento público da educação. De que maneira, neste novo PNE, nós vamos conseguir garantir que o setor privado de educação, por um lado, tenha a liberdade que lhe é garantida pela própria Constituição, mas, por outro lado, esteja subordinada ao interesse público da educação? Porque a educação é algo de interesse público, é algo de interesse nacional, não é algo que pode ficar subordinado às demandas de mercado”, sustentou.

Terminou evidenciando que a financeirização da Educação é absurda e está concentrada nas mãos de poucos, onde o objetivo é lucrar cada vez mais, negligenciando a classe trabalhadora. Além disso, esse domínio educacional pelos oligopólios está se estendendo à educação básica.

“O Ensino superior privado no Brasil responde por um pouco mais de 85% das matrículas do ensino superior de modo geral. Ou seja, está nas mãos do ensino superior privado uma fatia muito significativa desse bolo que é a educação superior privada no Brasil. E essa lógica, que se iniciou no ensino superior, ela vem hoje para a educação básica. Nós temos formação de conglomerados, de oligopólios dentro da educação privada, agora na educação básica, com grupos que estão adquirindo dezenas, centenas de escolas, Brasil afora, e obviamente, interferindo naquilo que a gente chamaria de uma maior disponibilidade, de um maior estoque, tanto de propostas pedagógicas, quanto de postos de trabalho”, alertou.

Assista ao vídeo da fala completa do professor Allysson

AMPLO DEBATE

Participaram da audiência também o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Manoel Gomes Araújo Filho, a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella, e o presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Hugo Silva.

Manuella Mirella argumentou que o novo PNE não pode ser um conglomerado de letras mortas, deve garantir e destinar os 10% do PIB do nosso país para educação pública como o todo. Demonstrou ainda a sua preocupação com o crescimento acelerado do ensino superior privado sem regulamentação adequada.

“Nós temos 86% do ensino superior brasileiro hoje concentrado no ensino superior privado. Mas, quando olhamos a produção de ciência, tecnologia, inovação do país, 98% são concentradas na universidade pública. Não podemos dar mais espaço aos grandes tubarões do ensino. A gente precisa fortalecer e garantir a nossa posição de que dinheiro público precisa ser investido na educação pública”, reforçou Mirella.

Chega das escolas parecerem presídios. A gente visita escolas em que existem mais grades do que bebedouros… A gente precisa de esse PNE estruturar o que vai ser a construção dessa escola com a nossa cara. É uma escola com cultura, é uma escola com esporte, é uma escola com produção de ciência e tecnologia, é uma escola onde a gente sinta vontade de estar lá”, acenou Hugo Silva.

Já o presidente da CNTE, Heleno Araújo, cobrou além de mais investimentos direcionados à educação, a consolidação do Sistema Nacional de Educação para se cumprir com êxito as metas e objetivos do PNE. “Nas diretrizes, são indicadas para os próximos dez anos uma visão sistêmica, desde a creche até a pós-graduação, de forma que exista uma pactuação federativa. Mas como vamos conseguir essa pactuação com a ausência da lei do Sistema Nacional de Educação (SNE)?”, questionou.

Assista na íntegra o vídeo do debate

Por Romênia Mariani

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