A elegante fuga da realidade

O debate econômico no Brasil, por vezes, foge da realidade. Alguns articulistas bem colocaram que o estado da economia, visto das janelas da Av. Faria Lima, pode não condizer com a verdadeira realidade vivida pela ampla maioria da população brasileira.

Os especialistas começaram o ano desejando um futuro auspicioso ao país. No início de 2019, o Relatório Focus mostrava que a expectativa de crescimento do PIB para o fim do ano era da ordem de 2,5%. Ao longo de oito meses, a expectativa de crescimento para o corrente ano foi revista sucessivamente. Atualmente, essa expectativa chegou ao patamar de 0,8% – número que parece seguir teimosamente em busca do 0% e que ainda deve gerar novas frustrações.

Não deixa de ser curioso que, apesar de tamanho derretimento das expectativas para este ano, os especialistas não perderam o entusiasmo com o crescimento futuro.

Em 12 de agosto foi divulgado o IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), um indicador antecedente do PIB, que apresentou retração de 0,13% para o segundo trimestre de 2019, a segunda retração consecutiva. Porém, em 29 de agosto, os dados do IBGE descartaram o quadro de recessão técnica, com o PIB apresentando crescimento de 0,4% no segundo trimestre do ano.

Considerando o pífio desempenho da economia até o momento, confirmá-la ou descartá-la representa pouco mais que um “detalhe técnico”. Um preciosismo que não deve nublar a discussão acerca do fato de a recuperação antes esperada – ao menos por diversos analistas – estar muito distante. Se agora é pacífico que o país não entrou em recessão técnica, também resta claro que está caminhando para lugar nenhum.

Certamente é complicado criticar as predições dos especialistas. Afinal, são especialistas e suas predições decorrem, naturalmente, de forte especialização econômica e financeira. No entanto, essa não era exatamente a opinião de John Kenneth Galbraith, perspicaz economista norte-americano. Segundo ele: “Sucessos fortuitos do passado e um amplo painel de gráficos e equações, além de autoconfiança, corroboram profundidade de análise. Essa é a fraude, que espera por correção”.

John Kenneth Galbraith foi um dos economistas mais influentes do século XX, com atuação destacada na vida acadêmica, no debate amplo e na formulação de políticas públicas. Paul Samuelson, agraciado com o prêmio Nobel de economia em 1970, certa vez disse: “Ken Galbraith será eternamente lembrado e lido, enquanto a maioria de nós, laureados com o Nobel, estará enterrada em notas de rodapé nas empoeiradas estantes das bibliotecas”.

Ainda hoje, Galbraith teria muito a ensinar. E tendo proximidade com a economista britânica Joan Robinson, tinha plena ciência de seu alerta: o maior propósito de se estudar economia seria justamente não se deixar enganar pelos economistas e especialistas de plantão, sempre dotados de respostas prontas e convencionalmente aceitas.

Crítico costumaz da sabedoria convencional, sempre reconheceu a engenhosidade de seus pares que, fazendo uso de um aparato fantasioso, procuram descrever o mundo real e realizar previsões acuradas sobre o futuro próximo ou longínquo – previsões que geralmente se provam equivocadas. Aliás, é dele também a brilhante afirmação de que “a única função das previsões econômicas é fazer com que a astrologia pareça respeitável”. Com todo o respeito aos astrólogos.

Com a eloquência de poucos, procurou abordar as fraudes inocentes e não tão inocentes da economia. E uma das mais importantes consiste na fuga da realidade.

Tratando do caso dos Estados Unidos, o autor ressalta que o remédio geralmente prescrito para os tempos de crise é uma atuação incisiva por parte do Fed (Federal Reserve, Banco Central do país). Essa atuação é a mais bem aceita – mas, infelizmente, também é ineficaz. A ideia de que a taxa de juros seria um poderoso motor da atividade econômica está mais no campo da confiança em determinadas teorias econômicas e menos fundamentada na vida real. A mais prestigiosa das fraudes é a crença de que taxas de juros menores teriam forte influência positiva sobre a atividade econômica. Trata-se de uma elegante fuga da realidade.

No Brasil, à medida que derretem as projeções de crescimento do PIB, um número maior de analistas adere ao coro de solicitações ao Copom (Comitê de Política Monetária) pela queda da Selic. Após manter a Selic inalterada durante uma dezena de reuniões, em 31 de julho o Copom decidiu pela queda da taxa ao patamar de 6% ao ano. De acordo com o Relatório Focus, espera-se que a Selic chegue em 5% no final do presente ano.

Decerto, muitos têm o mérito de defender a queda da taxa básica de juros como mecanismo que auxilie o país a retomar uma trajetória mais robusta – outros se sentiriam tentados a dizer “menos vexatória” – de crescimento econômico com geração de empregos. Sentinelas mais apressadas dirão que o mandato do Banco Central é guardar tão somente a meta de inflação, não o crescimento, calibrando a taxa de juros. Seja como for, a inflação já se encontra abaixo da meta e as instituições poderiam ao menos fingir que pretendem cumprir sua missão. Seja falcão, seja pombo, o poleiro não costuma ficar limpo.

Sejamos francos: diante do frágil quadro atual, ninguém ousa discordar que juro baixo é melhor que juro alto; todavia, esse não será o elemento impulsionador do crescimento da renda e do emprego. A adoção de uma política monetária mais branda é bem-vinda, mas não é por si só capaz de devolver ao país um crescimento econômico com sensível redução de tão alto contingente de desempregados e subocupados.

A retomada do crescimento requer mais que juros baixos. Como se sabe, até ontem a reforma da previdência era vista como a bala de prata que findaria a mais longa crise vivida pelo Brasil. Obviamente, houve quem alertasse que tal recurso não passava de um projétil completamente oxidado. Agora, que nenhum analista projete na taxa básica de juro a ilusão da bala de prata da ocasião, pois descobrirá que ela pode estar praticamente tão oxidada quanto a infame reforma.

A economia brasileira somente alcançará um crescimento robusto quando se valer de política fiscal e da ampliação do investimento público. Mantido o mantra do (des)ajuste fiscal, com cortes de gastos e investimentos, agravar-se-á uma crise que já é grave. Seguramente não faltam áreas que merecem investimentos no país e, no entanto, o investimento público segue definhando. A extinção do “teto de gastos” e a revisão das regras fiscais são temas urgentes. Caso contrário, o espectro recessivo continuará rondando.

No campo das previsões, talvez seja possível prever um maior número de especialistas estupefatos diante da longa (não)recuperação econômica, mesmo após as tão solicitadas reformas e os sucessivos cortes de despesas. Como diria o Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.

Brasil Debate

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