A força ancestral dos povos originários: encantos e saberes necessários
Amanhã, 9 de agosto, o calendário marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas. No Brasil, mais de 300 povos originários mantêm vivas as raízes mais profundas desta terra. Raízes que resistem e que florescem mesmo sob o concreto do esquecimento.
Como canta Caetano Veloso, “um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante”, trazendo um saber que não cabe nas lógicas coloniais. Um saber que desorganiza o progresso que destrói e reconstrói o mundo com base na harmonia com a natureza, na escuta dos ciclos da terra, no tempo não linear, no coletivo como força e no conhecimento ancestral ancorado na sustentabilidade.
É um saber que ouve o canto dos pássaros, respeita a biodiversidade e ensina que o futuro se faz com os pés fincados na memória.
Os povos indígenas nos convocam a repensar o mundo, a educação, a política, a cultura e o futuro sob outra perspectiva: a da terra como vida, da ancestralidade como caminho e da comunidade como força transformadora.
A Constituição de 1988 reconheceu, no artigo 231, o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. No entanto, em 27 de maio de 2025, um novo retrocesso se desenhou. O Senado aprovou o PDL 717/2024, que suspende decretos de demarcação em Santa Catarina com base na controversa “lei do marco temporal”, exigindo que os povos provem ocupação simultânea à promulgação da Constituição, ignorando expulsões históricas e violências coloniais. A matéria ainda será analisada pela Câmara dos Deputados.
É inaceitável que o Congresso avance com uma medida que devasta comunidades inteiras, legitima violências históricas e enfraquece a democracia brasileira.
A questão que se impõe é mais do que jurídica: é existencial e civilizatória. São os direitos indígenas meras palavras no papel? Ou são, de fato, garantias vivas de dignidade e justiça?
Quando se relativizam os direitos garantidos pela Constituição, eles se transformam em letra morta. Sem terra, não há cultura. Sem cultura, não há povo. E sem povo, não há democracia.
A resistência indígena é também uma resistência ao apagamento cultural e ecológico. Reconhecer os povos originários é afirmar que a terra não é mercadoria. É vida, ancestralidade e futuro. Garantir seus direitos é reafirmar o compromisso do Estado com a justiça histórica, a reparação e a soberania nacional.
Celebrar os povos originários é ler suas histórias, assistir a seus filmes, valorizar suas vozes e refletir sobre suas lutas. A seguir, indicamos três livros e dois filmes que revelam fragmentos desse universo múltiplo, profundo e ancestral, sempre em conexão com a natureza e o coletivo.
Ecos da Ancestralidade
Livros
Maíra, de Darcy Ribeiro
Mistura de ficção, etnografia e denúncia política. O romance acompanha os dilemas de um indígena dividido entre o mundo da floresta e o da sociedade ocidental. Darcy Ribeiro, grande intelectual brasileiro, nos provoca a repensar o Brasil a partir da sabedoria indígena e de seu enfrentamento à colonização. Uma obra poderosa e atual.
O Pássaro Encantado, de Eliane Potiguara
Narrado com poesia e sensibilidade, o livro conta a história de uma menina indígena que sonha com um pássaro mágico. Símbolo de liberdade, conexão com a natureza e força ancestral. Com belas ilustrações de Aline Abreu, encanta leitores de todas as idades ao valorizar a diversidade e a escuta dos mais velhos.
Contos Indígenas Brasileiros, de Daniel Munduruku
Coletânea de lendas e narrativas da tradição oral de diversos povos do Brasil. O autor indígena nos conduz por histórias que explicam o mundo natural e os valores comunitários, revelando uma sabedoria milenar em harmonia com a vida. Leitura acessível e essencial para crianças, jovens e adultos.
Filmes
Raoni (1978) – Dir. Jean-Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha
Disponível gratuitamente no YouTube e DailyMotion.
Documentário histórico e sensível sobre a vida do cacique Raoni e sua luta pela preservação do território indígena no Xingu. Um retrato direto da resistência indígena frente à invasão e à destruição ambiental, com forte apelo político e humanitário.
O Abraço da Serpente (2015) – Dir. Ciro Guerra
Disponível no Prime Video e Apple TV+.
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, narra a jornada de um xamã amazônico e um cientista europeu em busca de uma planta sagrada. Ao longo da expedição, passado e presente se entrelaçam, revelando os traumas da colonização e a potência do saber ancestral. Uma obra poética, profunda e visualmente impactante.
Por Romênia Mariani





