A gente trabalha demais, mas não precisa ser assim
Entre os séculos XIX e XX os trabalhadores conquistaram a jornada de trabalho de 10 horas e depois de 8 horas, mas após a Grande Depressão essa tendência parou, embora a produtividade tenha aumentado. A questão trabalhista crucial para o século XXI é: como podemos conquistar mais tempo livre e garantir (menos) trabalho para todos?
A distinção entre trabalho e lazer é tão velha quanto a civilização humana e sempre houveram aqueles que sugerem que o primeiro seria apenas uma pré-condição para o segundo. Aristóteles, por exemplo, pensava que a felicidade depende do lazer, que ele definia como uma atividade que se faz apenas com ela mesma como objetivo, ao invés de como um meio para alguma outra coisa.
Desde a Revolução Industrial, a distinção entre trabalho e lazer tem tomado uma forma particularmente rígida, por que o que a maioria de nós experiencia como “trabalho” é a instituição historicamente específica do trabalho assalariado: o tempo que nós gastamos obedecendo as ordens de alguma outra pessoa em troca de dinheiro.
Em defesa do tempo livre
Por toda a história do capitalismo, os trabalhadores têm demandado uma redução nas horas de trabalho para liberar mais tempo para o lazer, enquanto os empregadores têm pressionado no sentido oposto. No final do século XIX e início do século XX, os trabalhadores lutaram e conquistaram o dia de trabalho de 10 horas e depois o de 8 horas. Desde então, entretanto, o progresso rumo a menos horas travou. Vai ser necessário organização política e reformas legislativas para expandir e enriquecer o tempo disponível para nós fora do trabalho.
Lá pelos anos 30, a redução progressiva das horas de trabalho havia sido aceita como um fato da vida, e os analistas previam uma vida com tempo livre cada vez maior para as massas. O economista John Maynard Keynes escreveu um ensaio contemplando as implicações sociais dessa tendência, intitulado “Possibilidades econômicas para nossos netos”, onde dava como garantida a diminuição gradual das horas de trabalho e passava para o que, para ele, seriam, questões existenciais mais profundas: o que faríamos com o nosso tempo livre? Como encontraríamos fontes de sentido e de propósito?
Porém, depois da Grande Depressão, algo estranho aconteceu: a tendência rumo a menos horas parou. A produtividade continuou aumentando, mas os trabalhadores não recebiam mais um dividendo na forma de tempo livre. O movimento trabalhista descobriu que os trabalhadores estavam mais dispostos a garantir salários maiores do que jornadas mais curtas, pelo menos enquanto a produtividade dos trabalhadores se manteve crescendo rapidamente e a competição com a União Soviética tornava mais difícil vender a ideia de jornadas menores.
No fim, os trabalhadores também deixaram de compartilhar do crescimento da produtividade através de aumentos nos salários: desde os anos 70 a produtividade continuou aumentando, mas os salários têm continuado estagnados. A duração da semana de trabalho completa tem permanecido em 40 ou 40 e poucas horas desde os anos 50, apesar do fato de que as mulheres (que agora compõem 47% da força de trabalho) dedicarem horas adicionais significativas para aquilo que o sociólogo Arlie Rissell Hochschild chama de “segundo turno” em casa.
Do que precisaríamos para recuperar nosso tempo livre? Como listado acima, foram os trabalhadores organizados que lideraram a luta por jornadas menores e mais tempo vago, para início de conversa. Não é coincidência que nos países europeus com sindicatos mais fortes, os trabalhadores desfrutem de férias garantidas, diferente do que acontece nos EUA, mesmo que tendam a trabalhar tantas horas quanto os estadunidenses. A taxa de sindicalização está em torno de 11% nos EUA, e fica difícil exigir de seus chefes menos horas quando você pode ser demitido facilmente e ser substituído por alguém mais inclinado a ser um workaholic.
No entanto, mesmo sem um renascimento dos sindicatos, existem remédios legislativos. Baixar o limite para pagamento de horas extras e estendê-lo para cobrir mais trabalhadores diminuiria o incentivo para extrair o máximo de horas de cada trabalhador. Salários mínimos mais altos significaria que as pessoas não precisariam trabalhar tanto para sobreviver. Mais radicalmente, algumas pessoas têm proposto uma “renda básica universal”: um pagamento garantido para todos os adultos que tornaria possível viver sem trabalhar, pelo menos por curtos períodos.
Chegou a hora de uma semana de trabalho mais curta?
Criar mais tempo livre seria bom para todos nós, para a sociedade, até mesmo para o meio-ambiente. Mas para evitar a experiência do tempo livre como tédio ou falta de sentido, as pessoas precisam de acesso a ferramentas para usar o tempo de lazer “de maneira sábia, agradável e boa”, nos termos de Keynes. Para lidar com essa necessidade, nós também precisaremos repensar nossa concepção de educação pública.
Hoje, a educação é tipicamente debatida em termos de testes padronizados e preparação para o trabalho, mas a educação também permite que as pessoas explorem seus interesses e desenvolvam seus talentos, seja em programação de computadores, conserto de carros, música e arte. Como a professora e escritora Megan Erickson defendeu em seu livro “Guerra de Classes”, precisamos de uma visão da educação que seja mais do que decoreba e treinamento para o emprego. Nós precisamos de escolas em que os estudantes não aprendam apenas para passar nas provas e se comportar como empreendedores-modelo, mas onde sejam orientados por professores que os ajudem a desenvolver suas habilidades e sua criatividade para si mesmos, para que possam aproveitar por completo o lazer no sentido de Aristóteles.
É possível recebermos uma parte maior da riqueza que produzimos na forma de tempo para as massas, ao invés de mais coisas para o 1% mais rico. Contudo, para fazermos isso precisamos desenvolver tanto o poder para demandar mais liberdade em relação ao trabalho quanto a capacidade para fazermos um uso pleno das nossas horas livres.