“A grande imprensa age como partido político”, diz Fernando Morais

Fernando Morais é um dos jornalistas mais engajados politicamente no Brasil. Nascido em 1948, na cidade mineira de Mariana, fez carreira em São Paulo atuando nas redações do Jornal da Tarde, da Veja, da Folha de S. Paulo e da TV Cultura. Nessa entrevista, ele confirma que não vai mais escrever biografias.

“Dá muito trabalho e pouco dinheiro. Assim que terminar o livro que estou escrevendo sobre o ex-presidente Lula, penduro as chuteiras”, assegura. Fernando fala ainda sobre vários temas: política, governo Dilma, regulação da mídia, marco civil da Internet, espionagem americana e utopias.

Você acha que Dilma fez um bom ou mal governo?

Fernando Morais – Fez, sim, um ótimo governo. Tenho objeções pontuais com relação à descontinuidade de políticas importantes implantadas por Lula, como a política externa e a democratização da aplicação dos recursos de publicidade das empresas estatais.

A mídia conservadora é desonesta?

Toda generalização é perigosa. Eu diria que muitos veículos da mídia conservadora se converteram em partidos políticos. Disfarçados, mas partidos políticos. Mas acho que devemos tratar de maneira diferente os veículos de papel daqueles que são fruto de concessão pública. Não devemos perder de vista que a imprensa está sempre a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga as contas no final do mês. Seja em Washington, em Havana, no Rio ou em Beijing. No caso dos meios eletrônicos de comunicação, como o rádio e a TV, no entanto, é preciso ressaltar que se trata de uma propriedade social, uma concessão pública que não pode, por exemplo, ser colocada a serviço de interesses antinacionais.

O que pensa sobre a regulação da mídia?

Sou e sempre fui a favor. Jornais, revistas e TVs vêm envenenando e confundindo a opinião pública ao associar regulação à censura. Regulação, como existe em outros países, é impedir propriedade cruzada: quem é dono de concessão de TV não pode ser concessionário de rádio nem dono de jornal e revista; é proibir parlamentares e seus parentes de enésimo grau de serem concessionários de rádio e TV; é discutir com a sociedade a renovação das concessões de rádio e TV. Nada de censura.

Como vê a regulação da mídia na Argentina?

O modelo da Argentina foi muito bem sucedido. Lá a Ley de Medios atacou fundo a propriedade cruzada. O império encabeçado pelo jornal Clarín foi obrigado a se desfazer de ativos para continuar sendo concessionário de meios eletrônicos.

A grande imprensa age como quarto poder?

Não. Age como partido político. Meio envergonhada, porque não tem coragem de assumir isso, mas age como partido político. De direita.

O que pode ser feito para incentivar a pequena imprensa?

Primeiro que ela seja boa, legível e que traga notícias que são escamoteadas pela grande imprensa. As medidas implantadas pelo ministro Franklin Martins, no governo Lula, pulverizando as verbas de publicidade estatais entre milhares e milhares de veículos – verbas que antes eram destinadas apenas à mídia conservadora – foram uma transformação importante na democratização das comunicações.

Como viu a espionagem americana revelada recentemente?

A bisbilhotice planetária por parte dos Estados Unidos é mais velha que a Sé de Braga. No final dos anos 90, quando o FBI prendeu cinco cubanos na Flórida, condenando-os a penas enormes (um deles pegou duas perpétuas), Fidel Castro reagiu: “É assombroso que os Estados Unidos, o país que mais espiona no mundo, acusem de espionagem justamente a Cuba, o país mais espionado do mundo. Não há chamada telefônica minha para qualquer dirigente político no exterior que não seja captada e gravada por satélites e sistemas de escuta dos Estados Unidos”.

Qual será o papel de Lula nestas eleições?

A presença de Lula na campanha será importante não só porque ele se converteu na mais expressiva liderança popular do Brasil. O governo Dilma é a continuação do seu governo. Tenho acompanhado o ex-presidente em suas andanças pelo Brasil e pelo mundo, como parte do trabalho de campo de um livro que escreverei sobre ele e seu governo. Nas eleições municipais de 2012 a presença dele em palanques regionais arrebatava multidões e alterava as pesquisas de opinião locais. Ter o apoio de Lula é um handicap (vantagem) cobiçado por todo candidato de esquerda.

Confere que não vai mais escrever biografias?

Confere. Como dizem os tucanos, cansei. Dá muito trabalho e pouco dinheiro – ao contrário do que imagina o Roberto Carlos. Assim que terminar o livro que estou escrevendo sobre o ex-presidente Lula, penduro as chuteiras.

Quais são seus projetos?

Estou desenvolvendo com o cineasta Claudio Kahns um canal internacional de notícias para a internet. Vamos ver se dá certo.

Tem alguma utopia?

A de sempre: a construção do socialismo.

Do Brasil de Fato

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