A nova “poesia” verde-amarela da elite brasileira
O que Bolsonaro e seu economista pretendem é criar uma subclasse de trabalhadores, sujeitando cada empregado à necessidade de negociar individualmente, em completa desvantagem com o patrão
Por João Batista da Silveira e Táscia Souza
Da história do Modernismo brasileiro, a Antropofagia de Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e companhia é o manifesto mais conhecido, tendo sido preconizado, poucos anos antes, pela Poesia Pau-Brasil. Por isso mesmo, fora dos estudos literários, talvez pouca gente se lembre de outra vertente modernista no país, o Movimento Verde-Amarelo, mais tarde transformado na Escola da Anta (qualquer ironia terá sido mera coincidência). De clara tendência nazifascista (basta lembrar que um de seus representantes era o jornalista, escritor e político Plínio Salgado, fundador da Ação Integralista Brasileira), o Verde-Amarelismo defendia um patriotismo extremo, ufanista e autoritário.
Vale recordar que, segundos historiadores, embora Plínio Salgado rejeitasse o racismo e a AIB tenha sido uma das primeiras organizações políticas a aceitar a participação de negros e de mulheres, alguns de seus integrantes defendiam ideias fortemente racistas (o que não é surpreendente, dada a inspiração do fascismo europeu). Além disso, uma das marcas do integralismo era o anticomunismo e, ainda que desconheçamos registros historiográficos disso, não duvidaríamos se, quem sabe?, os integrantes da Escola da Anta, entre um verso e outro, saíssem por aí declamando que “nossa bandeira jamais será vermelha”.
Mais de 90 anos nos distanciam dos movimentos modernistas, mas, em muitos aspectos, parecemos ter regressado ao cenário da década de 1920 (muito antes da Consolidação das Leis do Trabalho) ou mesmo a um período ainda anterior, no qual nem a Lei Áurea havia sido assinada. De todo modo, a proposta de uma carteira de trabalho verde-amarela feita por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes deve soar como poesia aos ouvidos da elite empresarial brasileira. A intenção deles é que a carteira seja “voluntária”, para “novos trabalhadores”. “Assim, todo jovem que ingresse no mercado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) — mantendo o ordenamento jurídico atual —, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (em que o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais)”.
Traduzindo, o que o candidato do PSL e seu economista pretendem é criar uma subclasse de trabalhadores, sem proteção da justiça e dos sindicatos, sujeitando cada empregado à necessidade de negociar individualmente, em completa desvantagem com o patrão. Nas escolas privadas, por exemplo, não deixariam apenas de existir bolsas de estudos para os filhos de professores e de técnicos administrativos ou participação nos lucros e resultados, como é conquista de algumas convenções coletivas. Mais do que isso, se extinguiriam quaisquer direitos, mesmo aqueles já extremamente precarizados pós-reforma trabalhista e liberação irrestrita das terceirizações.
A apropriação das cores majoritárias da bandeira nacional, mais do que vestir um pretenso ufanismo, acoberta a velha ideia de um Brasil só para quem pode pagar. À classe trabalhadora, para eles, que sobrem as migalhas que o patrão quiser dar. A nova Escola almejada por esse projeto nefasto está posta: amordaçada, censurada, sem pensamento crítico e sem direitos trabalhistas.
Resta saber quem serão as antas.
João Batista da Silveira é secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg) e do Sindicado dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saaemg)
Táscia Souza é doutora em Estudos Literários e jornalista da Contee