A possibilidade de revisão de entendimento sobre o financiamento sindical
Consultor jurídico da Contee analisa processo de estrangulamento financeiro das entidades sindicais e o que pode mudar com julgamento do STF sobre a contribuição assistencial
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
A metáfora amigo da onça foi cunhada pelo cartunista Péricles Maranhão e publicada pela revista “O Cruzeiro”, em outubro de 1943, significando alguém em quem não se pode confiar, falso, dissimulado, que faz o contrário do que diz.
Os/as trabalhadores/as brasileiros/as se acham cheios, a não mais poder, de amigos da onça, especialmente no quesito liberdade sindical. Tais falsos amigos apregoam, a plenos pulmões, que a liberdade de escolher se deseja ou não se filiar ao respectivo sindicato, assegurada pelo Art. 8º, V, da Constituição Federal, garante imunidade de todas as modalidades de contribuição de natureza sindical a quem optar por não se filiar, ainda que se beneficie das conquistas obtidas pela categoria por meio da entidade que a representa.
E mais: que se afigura inconstitucional, sendo, portanto, nula de pleno direito, qualquer previsão, em convenção ou acordo coletivo de trabalho, com o propósito de contribuir com a entidade.
Essa trama, urdida por ideólogos a serviço de quem não mede esforços nem meios, por mais sórdidos que sejam, para enfraquecer o movimento sindical laboral, contaminou, há muito o MPT (Ministério Público do Trabalho), a Justiça do Trabalho, o Congresso Nacional e o próprio STF (Supremo Tribunal Federal).
Embevecido por essa contaminação, o MPT, há anos, litiga com os sindicatos que se atrevem a inserir nos instrumentos normativos coletivos que celebram taxa assistencial — também chamada de negocial, de reforço de solidariedade etc. —, por meio de cláusula que preveja sua cobrança de trabalhador/a não associado/a (sindicalizado/a), levando muitos a ser condenados a devolver quantias vultosas, que dizimam suas finanças; e outros, a celebrar famigerados termos de ajuste de conduta, comprometendo-se, sob pena de multa altíssimas, a abster-se de tal cobrança.
Instada pelo MPT, por meio de centenas de ações civis públicas, a coibir a cobrança de contribuição de não filiados/as e condenar quem o fez a devolver o que cobrou, a Justiça do Trabalho, por sua sessão de dissídios coletivos , baixou a Orientação Jurisprudencial 17 e o Precedente Normativo 119, que atendem o que postula aquele.
“OJ nº 17 da SDC – TST
CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS. (mantida) – DEJT divulgado em 25.08.2014
As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados.”
“PN nº 119 do TST
CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS – INOBSERVÂNCIA DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – (mantido) – DEJT divulgado em 25.08.2014
A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados.”
Faz-se necessário registrar que, tanto o MPT quanto a Justiça do Trabalho, até o advento da Lei 13.467/2017, nunca se insurgiram contra a contribuição sindical, maldosamente chamada de imposto sindical — nomenclatura que deixou de existir em 1967, por determinação do Decreto-lei 229 —, de todos os integrantes da categoria, que se prestava a financiar sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais, a partir da Lei 11.6478/2008.
Frise-se que essa contribuição, enquanto teve natureza compulsória, mascarava os deletérios efeitos dos citados OJ 17 e PN 119, posto que, por meio dela, cada trabalhador/a não filiado/a contribuía, por ano, com o equivalente ao valor de um dia de serviço. O montante era distribuído, pela Caixa Econômica Federal, do seguinte modo; 60% para os sindicatos; 15% para as federações; 5% paras as confederações; 10% para as centrais sindicais, a partir de 2009, inclusive; e 10%, para a conta especial emprego e salário, administrada pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Até 2008, inclusive, essa conta ficava com 20%.
Na esteira do entendimento do TST (Tribunal Superior do Trabalho), em 2003, o STF baixou a Súmula 666 (número da besta do apocalipse), estabelecendo que a contribuição confederativa, autorizada pelo Art. 8º, IV, da CF, só é exigível dos/as filiados/as. Em 2015, essa súmula, com igual conteúdo, foi convertida em vinculante, ou seja, que obriga a todos.
Aqui se consagra o primeiro certeiro ataque do STF contra as entidades sindicais laborais, porquanto a contribuição confederativa, autorizada pelo Art. 8º, IV, da CF, e fixada em assembleia geral da categoria, tem por finalidade garantir o custeio das atividades de todo o sistema confederativo, que, à luz desse mesmo Art., incisos II, III e VI, representa todos/as os/as integrantes de suas respectivas categorias e não apenas os/as filiados/as, que se beneficiam igualmente de todas as conquistas sindicais, como, aliás, deve sê-lo.
Todavia, essa injustiça não ganhou maiores contornos nem repercussão sindical, por igual motivo ao da OJ 17 e do PN 119, enquanto a contribuição sindical foi compulsória.
Em 2017, o Congresso Nacional, com ampla maioria de representantes do capital, em seus diversos matizes, resolveu empunhar a bandeira do estrangulamento financeiro das entidades sindicais laborais, que tem como corolário seu definhamento e, em considerável parcela, a morte, fazendo-o por meio da conversão da contribuição sindical em facultativa, por meio de alteração dos Arts. 578 e 582 da CLT e da proibição de cobrança de contribuição de qualquer natureza sem expresso consentimento escrito de cada trabalhador/a, com a inclusão do Art. 611-B, inciso XXVI, igualmente da CLT:
“XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
Com essa penada mortal do legislador, a partir de 2018, primeiro ano de vigência da contribuição sindical como facultativa, pendente de expressa autorização individual, o total arrecadado a esse título foi reduzido em 95%, segundo dados do MTE. Isso levou as federações, confederações e centrais à bancarrota, porquanto mais de 90% de suas receitas provinham e continuam provindo dessa contribuição.
Essa queda na arrecadação da contribuição sindical atingiu em cheio a quase totalidade dos sindicatos, pois que não a tinham como principal fonte de receita. Com ela, centenas encerraram suas atividades, outro tanto ficou sobrestado (atividades suspensas), e a maioria continua funcionando precariamente.
Essa situação se agravou sobremaneira com os próximos passos do STF, que são os seguintes:
aos 29 de junho de 2018, o STF, por maioria de votos, julgou improcedente a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5794, ajuizada pela Contmaf (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos, Aéreos e Fluviais) e pela Contratuh (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade), na qual a Contee atuou como amicus curiae, e procedente a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 55, ajuizada pela Abert (Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão), para declarar constitucional a conversão da contribuição sindical em facultativa, nos termos da Lei 13.467, Arts. 578 e 582.
Antes desse julgamento, em fevereiro de 2017, o STF julgou o Agravo em Recurso Extraordinário 1018459, constitucionalizando o PN 119, do TST, fixando a seguinte tese, com repercussão geral, ou seja, obrigando a todos:
“Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte”.
Decisões de igual jaez foram reiteradas, em decisões colegiadas e monocráticas, em dezenas de reclamações.
Com esse esforço concentrado, por anos a fio, envolvendo o MPT, a Justiça do Trabalho, o Congresso Nacional e o STF, o cenário sindical passou a ter monstruoso desenho, que pode ser assim delineado: por determinação constitucional (Art. 8º, I, II, III, IV e VI), os sindicatos representam todos/as os/as integrantes de suas respectivas categorias, filiados/as ou não; as convenções e acordos coletivos por eles firmados são extensivos, sem qualquer ressalva, a filiados/as e não filiados/as. Porém, só podem cobrar contribuições de filiados/as.
Dito em linguagem singela, o cenário sindical desenhado pelos três poderes da República divide as categorias em dois segmentos distintos: o que tem direitos e deveres, os/as filiados/as; e o que só tem direitos e nenhum dever, os/as não filiados/as. Importa dizer: quem se filia é punido com a obrigação de pagar contribuição. Já quem não se filia, goza de todas as conquistas sindicais, sem qualquer obrigação, não podendo, em hipótese alguma, ser molestado com a cobrança de qualquer contribuição.
Essa teratológica jurisprudência agasalhada pela legislação infraconstitucional e desautorizada constitucionalmente é digna de todas as loas pelo capital de forma direta, sobretudo pela grande mídia (não foi sem razão que a Abert requereu e obteve do STF a declaração de constitucionalidade da conversão da contribuição sindical em facultativa), e indireta por advogados de empresa e quantos são avessos ao movimento sindical laboral forte e vigoroso.
Como salta aos olhos quanto ao financiamento sindical, essa jurisprudência do TST e do STF é teratológica (monstruosa), sendo guiada pela desrazão, pois que, por um lado, proíbe a cobrança de toda e qualquer contribuição de trabalhador/a não associado/a, punindo quem a desafia; por outro, declara nulas as cláusulas convencionais que, por caminhos erráticos e descabidos na organização sindical brasileira, concedem vantagens aos/às que se associaram, como no caso concreto acima citado.
Por mais que se diga o contrário, a jurisprudência do TST e do STF sobre o tema em debate constitui-se em verdadeiro atentado à organização sindical brasileira, ditada pelo Art. 8º da CF, que determina a organização por categoria.
É de se se perguntar a esses tribunais em qual democracia do mundo existe direito sem dever? Onde é consagrada extensão dos direitos convencionais aos/às trabalhadores/as sem que a eles adiram expressamente, por meio de contribuição? Em nenhum, por óbvio. Como é comum dizer, em tom jocoso, é mais uma jabuticaba brasileira. Ou seja, só existe aqui.
Se é fato que, nos países que adotam a pluralidade sindical, apenas os/as associados/as pagam contribuições a seus sindicatos, também o é que quem não a paga não goza de nenhum benefício sindical. Nesses países, o/a trabalhador/a que pretender algum benefício sindical tem de pagar contribuição ao sindicato escolhido.
No Brasil criado pelos discutidos atores, não é assim, como já dito, pois quem não se filia goza de todos os benefícios convencionais, sem obrigação de pagar por isso. Para os detratores sindicais, que só querem o mal do sindicalismo laboral, muito embora digam ao contrário, o que o faz amigo da onça, esse cenário é o ideal, vociferando com furor contra entendimento diverso, como se fossem paladinos da justiça e da moralidade e ilustres defensores dos/as trabalhadores/as não filiados/as, e não seus algozes, como de fato o são.
A jurisprudência sob discussão chegou a tal grau de surrealismo e monstruosidade que a mesma instância que declara inconstitucional a cobrança de contribuição de trabalhador/a não filiado/a no âmbito da Justiça do Trabalho, a SDC, sem pejo algum declara igualmente inconstitucional a exclusão desses/as trabalhadores/as das garantias convencionais, bem como a diferenciação entre filiados/as e nãos filiados/as, ou seja, a previsão de maior benefícios aqueles/as, e, por conseguinte, de menor para esses/as, como bem ilustra o julgado abaixo.
“RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. PROCESSO ANTERIOR À LEI 13.467/2017. AÇÃO ANULATÓRIA. 1. CLÁUSULA DÉCIMA SÉTIMA: BENEFÍCIO SOCIAL AUXÍLIO CESTA BÁSICA. A cláusula em análise (Cláusula Décima Sétima) criou o benefício “auxílio cesta básica”, que deveria ser pago, nos termos de sua redação, apenas para os empregados associados ao Sindicato Réu. A maioria dos membros desta Seção Especializada votou no sentido de que a cláusula é nula e extrapola os limites da negociação coletiva, na medida em que, ao restringir o seu alcance aos filiados do sindicato, gera discriminação nas relações de trabalho e representa uma tentativa de obrigar a filiação compulsória dos trabalhadores ao sindicato, também vedada pela ordem jurídica. (…).” (TST – RO: 7725720165080000, Relator: Maurício Godinho Delgado, Data de Julgamento: 08/04/2019, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 15/04/2019)
Aqui, aplica-se integralmente a genial metáfora do imortal Bertolt Brecht, segundo a qual “Do rio, que tudo arrasta, diz-se que é violento; mas, nada se diz sobre as margens que o comprimem”.
Estranhamente, ou nem tanto, nenhum dos falsos paladinos da liberdade de o/a trabalhador/a não contribuir para seu sindicato, mesmo usufruindo dos direitos convencionais, sobre os quis silenciam-se, propositadamente, diz uma palavra sobre a compulsória contribuição ao impropriamente chamado Sistema S, que lhe rende dezenas de bilhões de reais anualmente, essa, sim, feita com dinheiro público, posto que as empresas repassam a alíquota aos seus produtos, recaindo, portanto, sobre os ombros de quem os compra o financiamento das entidades patronais.
A resposta para esse silêncio é simples e descomplicada: a contribuição se destina às entidades patronais. Por isso, ao juízo dos paladinos, não merece reparo. Porém, as contribuições sindicais laborais são pecados mortais. Haja hipocrisia.
Para a SDC-TST, que faz coro à falsa liberdade sindical, negar direito convencional a quem não contribui com seu sindicato é inconstitucional, o que no cenário constitucional, por ela e o STF relegado a plano inferior, efetivamente o é; mas a punição de quem se filia e o empobrecimento e definhamento das entidades sindicais, precipuamente por essa razão, é constitucional.
O cenário de esvaziamento e estrangulamento sindical, artesanalmente desenhado e construído pelo esforço comum dos três poderes da República, como demonstrado acima, provocou tal grau de corrosão sindical que, como a parafrasear a emblemática e instigante obra de José Saramago, “Ensaio sobre a lucidez”, seus construtores viram-se na contingência de rever, ainda que parcialmente, seu posicionamento que fere de morte as finanças sindicais.
O MPT, idealizador e artífice dessa nefasta jurisprudência, sendo ao longo dos anos pós-Constituição de 1988, principal algoz da contribuição assistencial, por meio da Conalis (Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade e do Diálogo Social), já mudou seu entendimento, conforme Orientação 20, de 5 de outubro de 2022, assim exarada:
“FINANCIAMENTO SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL/NEGOCIAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INTERESSE PATRIMONIAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Nas notícias de fato que versem sobre alcance subjetivo de cláusula de contribuição assistencial/negocial prevista em norma coletiva, prevalece o interesse da coletividade sobre eventuais interesses individuais ou plúrimos de não contribuição, revelando-se, no caso, interesse patrimonial disponível do (s) interessado (soa, bem como, a princípio, irrelevância social de atuação do Parquet, devendo-se privilegiar a manifestação da coletividade de trabalhadores e trabalhadoras, exercida por meio da autonomia privada coletiva na assembleia que deliberou sobre o entabulamento da norma coletiva”.
Em que pese a possibilidade de um ou outro procurador fazer tábula rasa dessa orientação, o MPT, como fiscal da lei, não irá mais patrocinar ações civis públicas ou coletivas de anulação cláusulas que versem sobre a discutida contribuição assistencial. Isso representa significativo avanço, a toda evidência.
O STF, ao julgar ARE 1018459, firmou Tese com repercussão geral sobre a inconstitucionalidade de cobrança de qualquer contribuição de trabalhador/a não filiado/a. Todavia, ao julgar os embargos de declaração opostos no citado processo, a partir do judicioso Voto-Vista, do ministro Roberto Barroso, prontamente acolhido pelo relator, ministro Gilmar Mendes, pela ministra Carmen Lúcia e pelos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, está a um voto de mudar, substancialmente, não de forma satisfatória, seu entendimento sobre a questão, para reconhecer a constitucionalidade da taxa assistencial, desde que prevista em convenção e acordo coletivo e seja assegurado o direito de oposição à sua cobrança, manifestado em assembleia, prévia e amplamente divulgada, que a discuta e aprove. O processo está com vistas para o ministro Alexandre Moraes.
Em síntese, o voto do ministro relator Gilmar Mendes, acolhendo a proposta do ministro Barro, divulgado pelo portal jurídico Migalhas, propõe:
“Refletindo sobre os fundamentos de seu voto, entendo que é caso de evolução e alteração do posicionamento inicialmente por mim perfilhado para aderir àqueles argumentos e conclusões, em razão das significativas alterações das premissas fáticas e jurídicas sobre as quais assentei o voto inicial que proferi nestes embargos de declaração, sobretudo em razão das mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) sobre a forma de custeio das atividades sindicais.
Isso porque, como mencionado pelo Ministro Roberto Barroso, a exigência de autorização expressa para a cobrança da contribuição sindical prevista na nova redação do art. 578 da CLT impactou a principal fonte de custeio das instituições sindicais. Caso mantido o entendimento por mim encabeçado no julgamento de mérito deste Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, no sentido da impossibilidade de cobrança da contribuição sindical a trabalhadores não filiados aos Sindicatos respectivos, tais entidades ficariam sobremaneira vulnerabilizadas no tocante ao financiamento de suas atividades.
Tendo em vista que a contribuição assistencial é prioritariamente destinada ao custeio de negociações coletivas, as quais afetam todos os trabalhadores das respectivas categorias profissionais ou econômicas, independentemente de filiação, entendo que a solução trazida pelo Ministro Roberto Barroso é mais adequada para a solução da questão constitucional controvertida por considerar, de forma globalizada, a realidade fática e jurídica observada desde o advento da Reforma Trabalhista em 2017, garantindo assim o financiamento das atividades sindicais destinadas a todos os trabalhadores envolvidos em negociações dessa natureza.
[…]
É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.
Além dos já citados bem fundados argumentos, o ministro Roberto Barroso assentou em seu voto-vista:
“15- A contribuição assistencial é mecanismo essencial para o financiamento da atuação do sindicato em negociações coletivas. Assim sendo, vislumbro uma contradição entre prestigiar a negociação coletiva e esvaziar a possibilidade de sua realização.
[…]
17- Portanto, deve-se assegurar ao empregado o direito de se opor ao pagamento da contribuição assistencial. Convoca-se a assembleia com garantia de ampla informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento”.
Sem surpresa alguma, diante da possibilidade de revisão de entendimento sobre o financiamento sindical, a um passo de se efetivar no STF, pululam às centenas ilações maldosas sobre o que está em questão. Em decorrência desse coto infernal, o gabinete do ministro Roberto Barroso divulgou, ao dia 24 de abril corrente, a seguinte nota explicativa sobre o tema:
“Explicações sobre o voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso no sentido da constitucionalidade da contribuição assistencial
Em seu voto, o Ministro permite a cobrança das contribuições assistenciais, previstas em acordo ou convenção coletiva, desde que o trabalhador possa, individualmente, se opor a esse desconto.
Em 14/04/2023, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento de recurso em que se discute a constitucionalidade da cobrança a empregados não filiados das contribuições assistenciais instituídas por sindicatos, mediante autorização da categoria profissional manifestada em assembleia. As contribuições assistenciais não se confundem com a contribuição sindical (também conhecida como ‘imposto sindical’), cuja cobrança deixou de ser obrigatória a partir da Reforma Trabalhista de 2017. Portanto, o julgamento em questão não é capaz de alterar nenhum ponto da Reforma Trabalhista.
A cobrança das contribuições assistenciais está prevista na CLT desde 1946. Ao contrário da contribuição (ou “imposto”) sindical, a sua arrecadação só pode ocorrer para financiar atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas. Como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos, passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos, identificou-se uma contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por uma atuação efetiva em favor da categoria profissional.
Por esse motivo, o voto recentemente proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso permite a cobrança das contribuições assistenciais, previstas em acordo ou convenção coletiva, desde que o trabalhador possa, individualmente, se opor a esse desconto. Trata-se de solução intermediária que prestigia a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, garante aos sindicatos alguma forma de financiamento”.
Essa revisão parcial da jurisprudência do STF, ora sob discussão, faltando um voto para sua consolidação, muito embora mantenha o descabido direito de oposição ao desconto da contribuição assistencial, feita em assembleia, sem dúvida abre nova perspectiva para o financiamento das atividades sindicais, hoje totalmente inviabilizado, posto que o ato de sindicalizar-se foi convertido em punição. Isso por implicar autorização para cobrança dessa e de outras contribuições, ao passo que quem não se filia mantém o direito de usufruir das conquistas sindicais, sem a obrigação de contribuir para tanto, como já dito e repisado.
Se se confirmar essa revisão, a cobrança de contribuição assistencial, prevista legalmente desde 1946 (Art. 513, ‘e’, da CLT), como registra o ministro Roberto Barroso nas citadas explicações, adquirirá foro constitucional e poderá ser aprovada em assembleia geral, amplamente divulgada e assegurado o direito de oposição — que, com certeza, será considerável embaraço — e constante de convenção ou acordo coletivo, sendo extensiva a associados e não associados, não sendo mais cabível ações judiciais com vistas à declaração de sua nulidade.
Não restam dúvidas de que a maioria das empresas vai continuar determinando aos/às trabalhadores/as que se oponham à destacada contribuição, com a única finalidade de estrangular financeiramente as entidades sindicais. Porém, diante desse novo entendimento do STF, sob discussão, essa prática, a toda evidência, poderá ser caracterizada como antissindical e, por conseguinte, passível de severa punição, o que, no contexto atual, não é possível, por ser considerada nula qualquer cláusula que a preveja.
Diante desse parcial novo cenário que se desenha, a prudência indica que o esforço das centrais, dos sindicatos, federações e confederações sindicais laborais, em prol de solução razoável, duradoura e imediata, quanto ao financiamento sindical, deve direcionar-se para, sob a coordenação do MTE, chamar o STF e o TST para o diálogo social, com vistas à celebração de pacto social amplo, envolvendo todos esses atores, que garanta o financiamento das atividades sindicais.
São recomendáveis, para mais bem embasar o debate sobre a quase nova tese do STF sobre taxa assistencial, bons artigos e boas reflexões sobre esse complexo tema, já veiculados, dentre os quase merecem destaque:
O STF e a contribuição assistencial dos sindicatos, de Francisco Gérson Marques de Lima, sub-procurador-geral do Trabalho, publicado no portal do Diap
O reexame do tema de repercussão geral 935 pelo plenário virtual do STF (ED-ARE 1.018.459) no sentido do reconhecimento condicionado da cobrança de contribuição assistencial por entidades sindicais, de Mauro Azevedo Menezes e José Eymard Loguercio, publicado no site Migalhas
A grande mídia mente: contribuição assistencial não é imposto sindical, de André Cintra, publicado no Portal Vermelho.
O combinado não sai caro: a volta por cima da liberdade sindical, de Felipe Santa Cruz, ex-presidente nacional da OAB, publicado na revista Consultor Jurídico
Ao debate e à ação!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee