A saúde mental dos professores brasileiros vai de mal a pior
Quando a vocação de ensinar torna-se um pesadelo diário em nossas escolas
Por Valter Mattos da Costa*
“Muito cansativo e estressante, todos os dias são sofridos, dentro de um quadrado, com a porta fechada, com algumas dezenas falando alto. O corpo é obrigado está ali, mas a cabeça… Ah!… foge pra praia…. Mas não adianta, a realidade se impõe…”
Qualquer professor do ensino básico brasileiro poderia ter dito isso.
Os estudos mais recentes mostram que o adoecimento psíquico docente deixou de ser exceção e tornou-se uma constante preocupante.
Pesquisas acadêmicas nacionais revelam níveis elevados de estresse crônico, exaustão emocional, ansiedade e sintomas compatíveis com burnout em faixas amplas da categoria, variando conforme região, rede e condições de trabalho.
Dados públicos apontam que transtornos mentais já figuram entre as principais causas de afastamento de professores no Brasil.
E, no meio desse cenário, o sistema segue cobrando “inovação”, “engajamento”, “flexibilidade” e até alegria compulsória – um convite direto ao colapso subjetivo.
A sala de aula, meio estressor docente, encrustada no chão de fábrica da escola, é o ambiente que mais tem incidido na saúde mental dos professores, que, não à toa, anda mal, muito mal.
A situação se agravou na última década – devido a “Pedagogia da Métrica” -, com a combinação perversa entre precarização estrutural, burocracias inúteis, violência simbólica cotidiana e políticas que fingem modernizar a educação enquanto apenas deslocam a culpa.
A lógica é simples: se o sistema falha, o professor vira réu. E quando o professor quebra, ninguém assume a autoria do problema.
O mais inquietante é perceber como a estrutura escolar contemporânea produz um tipo específico de sofrimento: aquele que faz o professor até duvidar de si mesmo.
Não basta estar exausto; é preciso sentir-se culpado por estar exausto.
Vladimir Safatle, filósofo da USP, em “Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico” (Autêntica, 2021), diz que o neoliberalismo encontrou “o melhor aproveitamento do sofrimento no trabalho, extraindo o máximo de cansaço com o mínimo de risco jurídico…” (p. 10).
Isso vale também para a docência. No caso do ensino básico público, são inúmeros decretos, resoluções e exigências de uma “burocracia pedagógica”, inscrita em forma de “leis”, que esgotam o professor.
E aí o cansaço torna-se sinal de incompetência, e não um sintoma óbvio de um trabalho emocional impossível.
O docente, vencido, ainda precisa performar entusiasmo para agradar gestores, famílias e algoritmos de desempenho.
Isso tudo ocorre em um país onde a violência escolar normalizou-se como se fosse parte natural da paisagem urbana (é só estar atento aos meios de comunicação, para perceber que estar em uma escola é risco de vida).
O professor entra em sala com receio de questionar, chamar atenção ou tentar conter conflitos.
O medo – esse velho conhecido da classe trabalhadora (em um sistema violentamente capitalista) – agora mora na porta da escola e nos seus corredores.
O professor entra em sala com receio de questionar, chamar atenção ou tentar conter conflitos.
Os episódios de agressão, intimidação e hostilidade, que deveriam ser exceções, tornaram-se comuns o suficiente para deixar qualquer profissional em estado de alerta permanente. E quem vive a educação básica sabe que isso não é novidade alguma.
Junte-se a isso a burocracia imposta pelo nível central, que empilha tarefas como se o tempo docente pudesse ser esticado até a ruptura.
Relatórios intermináveis, plataformas digitais travadas (que às vezes consomem as noites dos professores), metas inatingíveis, avaliações externas que fingem diagnosticar um problema que elas mesmas ajudam a produzir.
E ainda querem que o professor sorria para a foto nas reuniões pedagógicas que encerram o ano letivo – num claro sinal de que estaria ainda satisfeito com sua profissão.
No fim das contas, o sofrimento psíquico do professor brasileiro é uma soma de violências pequenas, contínuas, invisíveis e previsíveis. Nada ali é “acidental”.
Cada sala superlotada, cada política improvisada, cada ataque moralista à profissão forma, dia após dia, o mapa da exaustão docente.
E quando alguém adoece, tratam como fragilidade individual – nunca como efeito de uma estrutura que precisa funcionar justamente à custa do corpo e da mente de quem ensina.
Enquanto isso, o país segue discutindo tudo, menos a pergunta fundamental: quem cuida de quem cuida da escola?
Ah! Não podemos esquecer: e o nosso piso salarial nacional da educação? Dinheiro público para financiar existe, só falta a vontade política.
Porque, se a sala de aula e a escola podem matar – e às vezes matam -, o que exatamente esperam que reste da vocação de ensinar?
*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.





