A tática do Novo e dos bolsonaristas para tentar saquear o Fundeb
Saiba como o obscurantismo age para proteger os ricos em detrimento dos pobres. Uma articulação entre direita e esquerda impediu que R$ 16 bilhões saíssem da educação pública
A direita bolsonarista fez o diabo para tentar desviar dinheiro do fundo que é o principal financiador da educação pública do país, o Fundeb, para irrigar instituições de ensino privadas sem fins lucrativos. Por sorte, uma articulação entre partidos de esquerda e direita barrou a tungada e manteve o projeto que garante 100% das verbas para o setor público.
O fundo para financiar a educação pública nasceu em 1997, durante o governo FHC. Em 2006, foi ampliado e aprimorado durante o governo Lula. A nova política do bolsonarismo e do partido Novo agora tentam boicotar esses avanços. Essa semana, eles lutaram muito para desviar bilhões do orçamento da educação básica pública do país para o setor privado. Não conseguiram, mas é importante deixar explícitas todas as táticas sórdidas utilizadas pelos reacionários para degradar o ensino público em favorecimento de entidades privadas.
O projeto de lei de regulamentação do Fundeb havia sido debatido com professores, especialistas, prefeitos, governadores e setores da sociedade civil. Esse debate foi promovido por uma articulação suprapartidária na Câmara, que aprovou o texto final do projeto. Mas, na calada da noite, o obscurantismo agiu. Deputados bolsonaristas incluíram emendas que retiravam dinheiro da educação pública para dar à privada.
Com os remendos, quase R$ 16 bilhões em verbas públicas seriam destinados para escolas privadas, escolas religiosas — fruto de um lobby da bancada evangélica — e para o Sistema S. Essas emendas permitiriam que os recursos do Fundeb fossem usados até para pagamento de salário de funcionários terceirizados de escolas públicas, religiosas e filantrópicas. O projeto original, que havia passado por intenso debate com a sociedade civil, foi completamente desfigurado pelo bolsonarismo para favorecer determinados grupos privados.
O golpe articulado na Câmara foi barrado por unanimidade no Senado, que devolveu o texto para ser votado na Câmara sem as emendas. Pouco antes, o Ministério Público Federal havia emitido uma nota técnica dizendo que o repasse de parte do Fundeb para entidades privadas seria inconstitucional.
Os deputados defensores das emendas tentaram se livrar da pecha de saqueadores da educação pública apresentando as justificativas sofríveis. Segundo o atual prefeito de Porto Alegre, o tucano Nelson Marchezan Jr., o repasse para entidades privadas não tem a ver com favorecer entidades privadas, mas permitir o acesso dos mais pobres nas escolas dos mais ricos.
Ou seja, já que a maioria das escolas públicas são ruins, então vamos retirar verba delas para abrir meia dúzia de vagas para pobres em escolas de rico distantes das periferias. Na prática, essa lógica sentencia a educação pública ao fracasso eterno.
O partido Novo foi quem liderou o boicote ao texto original aos 45 minutos do segundo tempo. Foi também o único que orientou seus deputados a não aprovarem o Fundeb. Para tentar justificar o injustificável, seus correligionários saíram espalhando a mentira de que o Brasil gasta muito com educação, mas gasta mal.
Essa é outra falácia. O Brasil investe pouco na educação básica em comparação aos países da OCDE. Nós gastamos 3,8 mil de dólares por aluno do ensino fundamental, enquanto os países da OCDE gastam US$ 8,6 mil. No ensino médio, gastamos 4,1 mil de dólares por aluno, enquanto que nos países da organização o valor chega a US$ 10 mil.
Gasta-se muito aquém do se deveria. Dados do Censo Escolar de 2019 mostram que a grande maioria das escolas brasileiras não possui infraestrutura adequada. Segundo a pesquisa, apenas 41,7% das escolas urbanas têm biblioteca; 43,6% têm laboratório de informática; 18,8% têm laboratório de ciências; 27,8% das escolas de educação infantil e ensino fundamental nos anos iniciais têm parque infantil.
Mesmo diante desse quadro precário dos colégios brasileiros, evangélicos bolsonaristas e o clubinho dos ricos chamado partido Novo se mobilizaram para transformar um fundo público voltado para a educação dos mais pobres em um balcão de negócios para entidades privadas. Eles insistiram que não era esse o objetivo, já que, pelas emendas, essas entidades deveriam ser sem fins lucrativos. Ora, quem conhece como funcionam os convênios dessas entidades filantrópicas sabe que o buraco é bem mais embaixo.
Como esquecer da Máfia das Creches em São Paulo, que criou uma indústria de ONGs de fachada para gerir unidades terceirizadas. A máfia fabricava uma série de organizações sociais, as chamadas Oscips, voltadas para obter lucro. Laranjas também eram usados para abrir entidades filantrópicas, que depois eram vendidas pela máfia. Incentivar a terceirização do ensino público abre margem para esse tipo de farra com as verbas públicas. É isso o que acontece na prática. Exaltar o caráter filantrópico dessas entidades é a embalagem bonita que ajuda a justificar a mamata de algumas entidades privadas.
Além de serem inconstitucionais, as emendas dos bolsonaristas — e aí incluo Novo, um dos partidos mais alinhados aos projetos bolsonaristas no Congresso — não foram baseadas em nenhum estudo. O objetivo nunca foi melhorar a educação dos mais pobres, mas exclusivamente atender seus interesses. Os ultraliberais querem cortar os gastos públicos, mas não sem antes garantir um naco desses gastos. É a lógica do estado mínimo, meu bilhão primeiro.
Graças à intensa mobilização de sindicatos, das militâncias, das entidades em defesa do ensino público e da articulação de deputados e senadores, essa crueldade foi impedida de passar. E, nos tempos em que vivemos, há muito o que se comemorar. Foi uma grande vitória daqueles que defendem o ensino público. De qualquer forma, é importante registrar e ficar atento às estratégias sorrateiras dessa minoria que pretende sabotar os serviços públicos. A sanha dos reacionários é grande e permanente.