Abrat aprova em plenária do 44º Conat a “Carta de Porto Seguro”
"Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, em conjunto com a Abat, vêm a público manifestar-se acerca do grave momento histórico e institucional vivenciado em nosso país e no mundo, no que diz respeito ao Direito do Trabalho e sua aplicação", diz a carta
Foi aprovada na plenária do “44º CONAT – Congresso Nacional da Advocacia Trabalhista”, realizado pela Abrat – Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista, em conjunto com a Abat – Associação Bahiana de Advogados Trabalhistas de 19 a 21/10, em Porto Seguro, a “Carta de Porto Seguro”.
Confira abaixo a íntegra da Carta.
Carta de Porto Seguro
A advocacia trabalhista brasileira, reunida na Universidade Federal do Sul da Bahia, em Porto Seguro, Bahia, nos dias 19, 20 e 21 de outubro de 2023, no 44°º Conat (Congresso Nacional da Advocacia Trabalhista), convocado, organizado e realizado pela Abrat – Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, em conjunto com a Abat – Associação Bahiana de Advogados Trabalhistas, que integra o bloco representado por vinte e nove associações regionais congêneres, vêm a público manifestar-se acerca do grave momento histórico e institucional vivenciado em nosso país e no mundo, no que diz respeito ao Direito do Trabalho e sua aplicação.
Antes de mais, a Abrat renova o seu compromisso com a paz. O mundo pede paz, abertura de corredores humanitários, cessar fogo imediato e retomada de todos os diálogos que têm como propósito a obtenção da paz possível.
A paz não é, porém, apenas o antônimo de guerra. Paz é resultado e produto essencial da justiça e da igualdade. Enquanto houver injustiça e desigualdades gritantes, a paz estará gravemente turbada.
A Constituição da República de 5 de outubro de 1988 comprometeu-se com a paz e com uma ordem democrática, fundada na valorização do trabalho humano, entre outros princípios. O artigo 7º do seu texto assentou, de modo absolutamente inequívoco, que os direitos da classe trabalhadora, além de outros, visam à melhoria de sua condição social, o que impõe à sociedade e ao Estado e seus agentes um comando de incremento, de progressividade do plexo de direitos destinados ao gozo de quem trabalha e produz as riquezas e, na sua contraface, estabelece como princípio a vedação do retrocesso desse conjunto de direitos e garantias.
Nesse contexto, é com sofrimento que se notam as dores de minorias humilhadas e ofendidas, dos povos tradicionais e originários, e, entre outros exemplos de restrições reais e simbólicas, a limitação das políticas de cotas para acesso ao trabalho, inclusive no Judiciário, o uso de Regimentos Internos para contenção do exercício de direitos, a supressão de marcos democráticos no âmbito dos sistemas que gizam tanto o processo como o próprio direito material, o PJe, o E-Social, a entre outros instrumentos que confinam a atuação da advocacia à programação de cuja elaboração é alijada, não obstante seja essencial à administração da Justiça.
O Direito do Trabalho, ao longo dos últimos oitenta anos, assentou-se sobre noções fundamentais que se mantiveram intactas, a despeito de a Consolidação das Leis do Trabalho ser o texto legal vigente no Brasil com o maior número de modificações supervenientes à sua versão original, objeto de incessante tentativa de descaracterização pelas vias legislativa e jurisprudencial.
Uma de tais pilastras é a presunção de laboralidade subordinada, que deriva da legislação que incide sobre as relações de trabalho. O segundo pilar está na imposição de nulidade de quaisquer atos tendentes a fraudar, desvirtuar ou impedir a aplicação das normas imperativas alusivas ao trabalho de ser humano, pessoal, não eventual, oneroso e realizado sob dependência. Outra coluna está na inalterabilidade das condições contratuais ajustadas em prejuízo direto ou indireto de quem trabalha, além do respeito às normas de ordem pública, que escapam à disponibilidade das próprias partes.
Essas características fazem com que os trabalhos da advocacia trabalhista, do Ministério Público do Trabalho e da Magistratura laboral estejam profundamente vinculados ao exame criterioso de fatos e provas, aspectos que fazem das lides trabalhistas tendentes à exclusiva jurisdição ordinária e, em sua ampla maioria, insuscetíveis da jurisdição de mérito das Cortes Superiores.
As relações de trabalho, assim, têm um natural vínculo com a subsunção dos fatos ao direito. Mas o que se nota é uma tentativa de impor submissão do Direito do Trabalho ao ideário liberal que reveste aquela Corte, suprimindo a discussão fática de cada caso concreto. Estamos a trocar subsunção por sujeição.
O artigo 114 da Lei Maior acometeu à Justiça do Trabalho suas competências, entre as quais a de apreciar as lides decorrentes das relações de trabalho. Sucede que o Supremo Tribunal Federal, abandonando os estritos limites de sua jurisdição constitucional em tese e mesmo as suas tradições de não se imiscuir em matéria de prova, tem atraído a jurisdição ordinária por meio do uso metódico de dois instrumentos: a restrição da competência da Justiça do Trabalho e o desvirtuamento do instituto processual da Reclamação.
Recentes decisões exaradas em Reclamações Constitucionais, delineiam que o guardião da ordem constitucional pretende deliberadamente, pela via da interpretação, amoldar o seu texto a outro figurino ideológico, que não aquele que é o projeto constitucional que lhe incumbiria defender. Trata-se de declarar guerra ao Direito do Trabalho, à Justiça do Trabalho, ao Ministério Público do Trabalho, à magistratura trabalhista e à advocacia trabalhista.
A Abrat não tem o propósito de declarar uma guerra contra o Supremo Tribunal Federal. Ao contrário. É defensora de sua permanência e reconhece o papel histórico exercido na preservação da democracia. Tem, no entanto, o direito de não ver declarada uma guerra contra si, contra os profissionais que a integram e a classe trabalhadora. A interpretação da Constituição da República não pode resultar na negação do projeto constitucional original. Haveremos de obter um corredor humanitário para o Direito e o Processo do Trabalho, pelo qual possam se preservar os princípios paradigmáticos da justiça social, preservando todas as instituições que lhe protejam, com o Supremo e com tudo.
Porto Seguro, 21 de outubro de 2023.