Alta de ações na bolsa prova que EaD serve aos interesses privatistas

Não é de hoje que se percebe que a precarização do ensino superior é um projeto de governo Bolsonaro. Isso ficou nítido no corte de verbas para universidades e institutos federais; na tentativa de desmoralização dessas instituições; nas acusações infundadas contra docentes, pesquisadores e estudantes; no anti-intelectualismo; na perseguição ideológica; no desmonte de programas e políticas voltadas para o desenvolvimento científico; nas declarações explícitas de que a expansão da educação superior deveria supostamente se dar via iniciativa privada; e por aí vai — a lista é longa. Ontem, mais uma medida nesse sentido foi tomada: em portaria assinada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, e publicada no Diário Oficial da União, o MEC autorizou a ampliação do ensino na modalidade a distância (EaD) para 40% da carga horária de praticamente todos os cursos superiores no Brasil (a única exceção são os cursos de medicina).

Para fazer jus ao ditado popular, o governo acerta dois coelhos com uma cajadada só: de um lado, ao rebaixar a formação, apequena também a construção de pensamento crítico; de outro, atende os interesses do setor privatista e sua sanha por menos custos e mais lucros. Não por acaso, o noticiário econômico anunciou alta nas ações da Cogna (antiga Kroton) e da Yduqs (novo nome da Estácio) avançaram 7,08% e 4,25%, respectivamente, de ontem para hoje. E não foi só agora. Ao longo de 2019, a alta da primeira foi de 36,32% e a da segunda, de 89,27%. Vale lembrar que em meados do ano o MEC anunciou a destinação de 51% das bolsas integrais do Programa Universidade Para Todos (ProUni) — isto é, mais da metade — a cursos de graduação a distância, que são mais baratos que os presenciais (não necessariamente no quesito mensalidades, diga-se de passagem, mas, sobretudo, para serem mantidos pelas instituições). E a medida foi tomada a despeito de a modalidade EaD estar abaixo da média de avaliação no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Até 2016, as instituições de ensino superior podiam introduzir, na organização pedagógica e curricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes do currículo que utilizassem modalidade semi-presencial, desde que essa oferta não ultrapassasse 20% da carga horária total do curso. Depois do golpe que destitui a presidenta Dilma Rousseff, o governo ilegítimo de Michel Temer alterou a regra duas vezes, sendo a última em 2018, permitindo a aplicação de até 20% da carga horária dos cursos em EAD e a ampliação para para 40% caso as instituições estivessem credenciadas para oferecer cursos das duas modalidades, possuíssem ao menos um curso de graduação não presencial com mesma denominação e grau de um presencial, não estivessem sob processo de supervisão, e caso a ampliação estivesse dentro dos limites dispostos pelas diretrizes nacionais do curso. Além disso, os cursos que utilizassem o limite deveriam ter conceito igual ou superior a 4 na avaliação do MEC.

O que já era um retrocesso fica ainda pior com a recente portaria do MEC bolsonarista, uma vez que, além de permitir que todos os cursos, exceto medicina, tenham 40% da sua carga horária na modalidade EaD — o que equivale a dois dias inteiros por semana — e terão seu conceito reduzido para igual ou superior a 3 nos seus indicadores. “Sabemos que os cursos oferecidos hoje totalmente em EaD são os mais mal avaliados”, denunciou a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, criticando também o método adotado para o ensino a distância.  “O interesse em aumentar o tempo em EAD não é para utilizar uma plataforma que valorize a interação entre os alunos, nem a execução de pesquisas em plataformas com interação, nem a realização de trabalhos em grupo. Pelo contrário, as plataformas usadas são as mais baratas. O que há é o aumento no número de alunos, o rebaixamento do trabalho do professor e a criação de plataformas de formação que impedem a construção e aprofundamento do conteúdo. Ou seja, é a massificação e também o rebaixamento da formação, cujo objetivo é aumentar o lucro das instituições. Isso serve aos interesses privatistas.”

Por Táscia Souza, com informações da Fepesp

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