Aplicação da reforma trabalhista na área da Saúde causa polêmica no Rio e em SP
A reforma trabalhista entrou em vigor há menos de um mês, e sua aplicação já causa controvérsias no setor de Saúde. Nas duas maiores cidades do país, dois grandes grupos que administram hospitais privados comunicaram a médicos e fisioterapeutas suas demissões para a recontratação como pessoas jurídicas (PJs) ou como terceirizados. Em São Paulo, porém, a rede responsável pelos hospitais Bandeirantes e Leforte terá de recontratar cem profissionais, por decisão judicial, após denúncias de que houve um processo irregular de migração dessa mão de obra para outro tipo de relação trabalhista.
No Rio, o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu uma investigação para apurar denúncias de demissões em massa de médicos e fisioterapeutas da Rede D’Or São Luiz, considerada uma das maiores do país, com presença também em São Paulo, Distrito Federal e Pernambuco. Segundo o MPT, pelos menos 50 médicos já foram dispensados. Já o Sindicato dos Fisioterapeutas (Sinfito), que protocolou uma denúncia na Superintendência Regional do Ministério do Trabalho, calcula 320 demissões.
— A partir da reforma, algumas empresas entenderam que liberou geral. Elas captaram de forma errada as premissas da mudança da lei. Não se pode transformar um funcionário em PJ (pessoa jurídica) simplesmente — disse o procurador Rodrigo Carelli, coordenador do Núcleo de Fraudes Trabalhistas do MPT.
Carelli se baseia em um dispositivo da reforma (veja o quadro) que proíbe a empresa, durante 18 meses, de contratar como prestadora de serviço uma firma que tenha como sócio um ex-funcionário seu. O objetivo é impedir que um empregador force seus trabalhadores a abrirem empresas. A quarentena também vale para os terceirizados.
A Rede D’or São Luiz informou que “a nova legislação permite formas mais flexíveis de contração, e atende à demanda de certas áreas profissionais”. A empresa acrescentou que “tem buscado atender os diferentes pleitos, mantendo a qualidade do atendimento dos serviços”.
— Até as firmas dos funcionários serem abertas, o que leva, no mínimo, 45 dias, estamos em um limbo, trabalhando sem contrato algum. Vamos entrar no esquema de PJ e perder todos os benefícios. Os acordos entre a empresa e os trabalhadores variam. Em alguns casos, será possível manter o 13º salário e as férias, mas sem o abono de 1/3. Alguns conseguiram manter o plano de saúde por três ou seis meses, outros não — disse um médico, que pediu anonimato.
Contra a Constituição
Para Renato Sabino, juiz titular da 62º Vara do Trabalho de São Paulo, os dois casos envolvendo redes hospitalares das duas maiores cidades do país são os primeiros de maior relevância da aplicabilidade da reforma trabalhista, que entrou em vigor no dia 11 de novembro. No entendimento de Sabino, a decisão da Justiça paulista evidencia a prática do controle difuso de constitucionalidade, quando um juiz considera a natureza inconstitucional de um dispositivo previsto na nova lei. Neste caso, uma das justificativas para a reversão das demissões em São Paulo foi a falta de submissão da demissão em massa ao crivo do sindicato da categoria.
— A lei não pode contrariar a Constituição. E a Justiça tem que analisar: por que os hospitais estão fazendo isso? A finalidade de um hospital é cuidar da saúde. Antes, a atividade-fim não poderia ser terceirizada, mas, agora, é permitido. Com isso, os hospitais podem até demitir seus médicos. Esses dois casos são exemplos de precarização da relação do trabalho — ressaltou o juiz Renato Sabino.
O Ministério Público do Trabalho em São Paulo destacou ainda que chamou a atenção da procuradoria o fato de a empresa contratada para atender na área de Fisioterapia não tinha nenhum profissional registrado em seu quadro e com carteira assinada, mas apenas intermediava mão de obra.
‘Estamos trabalhando sem contrato’, diz profissional que preferiu não se identificar
Embora tenhamos assinado a carta de demissão há quase um mês, todo mundo, incluindo os médicos, continua trabalhando normalmente, sem bater ponto eletrônico. Não havia opção de continuar com carteira assinada. A opção que nos foi dada era não retornar após a demissão ser oficializada. Assinamos uma carta de demissão sem data.
Terceirização das atividades
De acordo com MPT de São Paulo, o Hospital Bandeirantes demitiu 45 fisioterapeutas e 62 empregados de outras categorias, em setembro, além de terceirizar o setor de Fisioterapia. No mesmo mês, o Hospital Leforte demitiu, ao todo, 23 fisioterapeutas.
— São mais de cem dispensas consideradas abusivas, porque foram realizadas sem prévia negociação coletiva. São mais famílias em situação de desamparo — afirmou a procuradora Elisiane dos Santos.
De acordo com ela, a Lei da Terceirização, utilizada pelo grupo hospitalar para justificar as dispensas, não autoriza a modificação unilateral de contratos de trabalho. A decisão da Justiça tem caráter liminar e pode ser alterada após recurso.