As 7 mulheres que ousaram lutar pelo direito ao voto no Brasil

Há 87 anos, no dia 24 de fevereiro de 1932, as mulheres brasileiras garantiram o direito ao voto. A vitória foi alcançada depois de mais de 50 anos de mobilização do movimento feminista, que se organizou na luta pelos seus direitos políticos e pelo respeito a cidadania das mulheres, antes mesmo da proclamação da República.

Após intensa campanha nacional, o voto feminino e secreto foi introduzido no Código Eleitoral Provisório elaborado durante o governo de Getúlio Vargas, 2 anos após a Revolução de 30, e instaurou uma nova fase na participação das mulheres na política brasileira.

A bióloga e feminista Bertha Lutz se consolidou como um dos principais nomes na luta pelo sufrágio feminino no Brasil. Com influência do movimento feminista europeu, que ganhou força nas primeiras décadas do século 20, Bertha fundou a Frente Brasileira pelo Progresso Feminino e liderou as articulações pelo direito das mulheres ao voto.

Porém, antes dela, outras mulheres já atuavam nesta mobilização e ajudaram a abrir as portas para que finalmente o direito ao voto fosse garantido em 1932. O caminho percorrido foi longo e cheio de obstáculos, conforme contam as pesquisadoras Schuma Schumaher e Antonia Ceva no livro Mulheres no poder: trajetórias na política a partir da luta das sufragistas no Brasil (Edições de Janeiro, 2015).

“A luta pelo voto é uma etapa das diferentes lutas das mulheres. Agora essa luta está num estágio da questão reprodutiva, da sexualidade, da autonomia do corpo. É um processo constante, e o direito ao voto também faz parte disso”, explica a socióloga Fátima Pacheco Jordão, fundadora do Instituto Patrícia Galvão.

A ousadia de tentar votar

Em um movimento extremamente ousado para a época, a cirurgiã-dentista gaúcha Isabel de Souza Matos requereu o alistamento eleitoral em 1885, ainda no período do Império. O pedido foi baseado na Lei Saraiva, de 9 de janeiro de 1881, que institui o voto para os cargos eletivos do regime imperial (senadores, deputados, membros das assembleias das províncias e vereadores) e declarava como eleitoras as pessoas com títulos científicos. Isabel conseguiu o registro em 1887, mas posteriormente teve o exercício do voto negado, já na República Velha, quando foi convocada a Assembleia Constituinte em 1890.

Também 1890, outra Isabel – a baiana Isabel Dillon – também reivindicou o direito ao voto e o direito de ser votada, se apresentando como candidata a deputada na primeira Constituinte republicana. O argumento utilizado por ela, explicam Schumaher e Ceva, era de que a Lei Eleitoral de 1890 estabelecia o voto direto para maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever, sem referência explícita ao gênero da pessoa.

A tentativa, no entanto, foi frustrada, e ela nem sequer conseguiu se alistar para votar. “Entendo que um governo democrático não pode privar uma parte da sociedade de seus direitos políticos”, chegou a escrever Isabel em manifesto pela sua candidatura publicado no jornal A Família, de Josefina Álvares de Azevedo.

O periódico fundado pela irmã do poeta Manoel Álvares de Azevedo em 1988 circulou por quase 10 anos, até 1897. Suas publicações estavam sempre pautadas na defesa da educação como condição básica para a emancipação das mulheres. Com a proclamação da República, A Família tornou-se um veículo de propaganda do direito ao voto. Josefina passou a publicar artigos nos quais afirmava que sem esse direito, a igualdade prometida pelo novo regime não seria alcançada. Inspirada na história de Isabel Dillon, ela escreveu a peça Voto Feminino, encenada durante os trabalhos constituintes entre 1890 e 1891 em um teatro no Rio.

A discussão sobre o voto feminino foi intensa durante essa Constituinte. Uma emenda que propunha o direito a mulheres diplomadas de títulos científicos e outra que possibilitava o sufrágio às cidadãs, solteiras ou viúvas, diplomadas em direito, medicina ou farmácia e às que dirigissem estabelecimentos docentes, industriais ou comerciais, foram rejeitadas. Adversários do voto feminino declaravam que, com ele, se teria decretada “a dissolução da família brasileira” e que a mulher não possuía capacidade, pois não tinha, “no Estado, o mesmo valor que o homem”.

O texto final da Constituição de 1891 considerava eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei, sem menção clara proibindo ou permitindo o voto feminino. Na prática, isso continuou impedindo as mulheres de votar, mas no futuro isso serviria de brecha para as primeiras eleitoras do Brasil.

No cenário mundial no final do século 19, as mulheres neozelandesas foram as primeiras a poder votar, em 1893. Apesar de as brasileiras terem conseguido exercer o voto somente 40 anos depois, o país foi o segundo na América Latina a garantir o direito, atrás apenas do Equador, e antes de nações como França, Itália e Japão. “Essa é luta que não é apenas brasileira, e o processo foi muito lento não só no Brasil”, afirma a socióloga Fátima Pacheco Jordão.

A criação do Partido Republicano Feminino (PRF)
O movimento pelo sufrágio feminino ganha forma e força em 1910, quando a educadora e ativista Leolinda Daltro funda o Partido Republicano Feminino, após ter seu pedido de alistamento eleitoral negado. Baiana nascida no século 19, Leolinda mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida e criou seus cinco filhos separada do marido.

“Leolinda desempenhou um importante papel como precursora do feminismo, além de ter sido uma defensora dos direitos indígenas”, afirmam Ceva e Schumaher. Leolinda era uma mulher desquitada, ativa politicamente, que circulava em ambientes masculinos. Por sua atuação política em um país fervorosamente católico, recebeu a alcunha de “a mulher do diabo” no final da primeira década do século 20.

Inspirado nas suffragettes inglesas, o PRF organizava passeatas, e além de pressionar o governo para garantir o direito ao voto feminino, questionava a situação de opressão vivenciada pelas mulheres na sociedade brasileira, incluindo as condições precárias de trabalho.

“O movimento dependeu muito da capacidade e da liderança das próprias mulheres. A capacidade de entender também a integração do direito ao trabalho, à educação. Foi uma luta e não apenas pelo voto, foi pela independência e pela autonomia das mulheres”, diz a socióloga.

A conquista do voto feminino em outros lugares do mundo fortaleceu o movimento sufragista no Brasil, que passou a ser liderado pelo Partido Republicano Feminino. A lei brasileira, à época, determinava que só um cidadão pleno tinha direito ao voto. Para romper com o cerco que impedia que as mulheres fossem consideradas cidadãs e, assim, pudessem votar, o movimento adotava diferentes estratégias de atuação.

Em mais uma tentativa, em 1919, Leolinda pleiteou uma candidatura à Intendência Municipal do Distrito Federal. O registro mais uma vez foi negado e a nova frustração afastou a ativista da vida política.

As primeiras eleitoras

Em 1921 o senador Justo Chermont (PA) apresenta o primeiro projeto de lei sobre o voto feminino, mas a proposta não foi convertida em legislação e nem sequer foi discutida pelos parlamentares, frustrando as expectativas do movimento sufragista, que se fortalecia cada vez mais já com a liderança de Bertha Lutz.

Nos anos seguintes, já à frente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, Lutz inicia uma articulação política para pressionar governantes dos estados a criar espaços de discussão para debater os direitos das mulheres, inclusive o direito ao voto.

No Rio Grande do Norte, o candidato ao governo Juvenal Lamartine, por influência da FBPF, inclui na sua plataforma eleitoral a defesa do sufrágio feminino e, em 1927, aprova uma nova lei eleitoral que estabelece que não haveria distinção de gênero para exercício do voto.

Em 25 de novembro daquele ano a professora Celina Guimarães Vianna se torna a primeira eleitora do Brasil, após a Justiça local aceitar o seu alistamento. Depois da conquista, a professora de Mossoró (RN) envia um telegrama ao Senado Federal, com um apelo para que todas as suas compatriotas obtivessem o mesmo direito.

No ano seguinte, em Minas Gerais, outra mulher também fez história ao requerer na Justiça e garantir o direito de votar. A advogada feminista Maria Ernestina Carneiro Santiago Pereira, conhecida como Mietta Santiago, argumentou em seu pedido que a proibição do voto feminino contrariava o artigo 70 da Constituição de 1891, que considerava eleitores “os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei”.

Além de conseguir o direito de votar, Mietta também garantiu, de forma inédita, o direito de concorrer ao cargo de deputada federal. A história ganhou repercussão nacional e até poesia de Carlos Drummond de Andrade.

A MULHER ELEITORA

Mietta Santiago

loura poeta bacharel

Conquista, por sentença de Juiz,

direito de votar e ser votada

para vereador, deputado, senador,

e até Presidente da República,

Mulher votando?

Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?

O escândalo abafa a Mantiqueira,

Faz tremerem os trilhos da Central

e acende no Bairro dos Funcionários,

melhor: na cidade inteira funcionária,

a suspeita de que Minas endoidece,

já endoideceu: o mundo acaba.

(Carlos Drummond de Andrade)

Mietta não foi eleita, mas a brecha aberta por sua candidatura foi utilizada por Alzira Soriano que pelo Partido Republicano do Rio de Grande do Norte concorreu à prefeitura da cidade de Lages (RN) e se tornou a primeira prefeita da América Latina, em 1928, 4 anos antes de o direito ao voto ser concedido às brasileiras, em 1932.

Apenas as mulheres com renda puderam votar a partir daquele ano. Em 1934, a lei tornou o voto obrigatório, mas ainda apenas para aquelas que exerciam função remunerada. Apenas em 1946, o direito ao voto estendeu a obrigatoriedade a todas as mulheres até hoje.

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