As inúmeras formas de luta por uma sociedade solidária

O Portal da Contee publica hoje o segundo artigo da série sobre sindicalismo. Confira:
A resistência dos trabalhadores em relação aos seus opressores marca a história humana, desde o surgimento da escravidão.
“Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre (patrão da guilda, corporação de ofícios na idade média) e companheiro, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimulada, uma guerra que acaba sempre pela transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes”, escreveram Karl Marx e Friedrich Engels (Manifesto do Partido Comunista), que consideravam a luta de classes o motor da história .
Eles afirmaram que no capitalismo essa guerra se trava entre a burguesia (“a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social que empregam o trabalho assalariado”) e o proletariado (“a classe dos assalariados modernos que, não tendo meios próprios de produção, são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver”).
As formas de luta adotadas pelos oprimidos foram e são as mais variadas. Muitas adotadas nos primórdios do surgimento das classes permanecem até hoje. Além da fuga e eventual revolta e execução de seus proprietários, a destruição de instrumentos de trabalho foi adotada pelos escravos desde milhares de anos atrás até 1888, quando o Brasil colocou na ilegalidade essa forma de exploração, último país a fazê-lo.
No começo da história industrial da Inglaterra, operários revoltados quebravam as máquinas — a quem culpavam pela diminuição de empregos. O movimento, que já existia no início dos anos 1700, ficou conhecido como luddismo, derivado de Ned Ludd que, em 1779, quebrou máquinas em Leicestershire. Para combater os luddistas, o governo britânico se valeu de 12 mil soldados — mais do que o número utilizado na Batalha de Waterloo, em 1808. A quebra de máquinas, que ocorria também nas fazendas mecanizadas da época, continuou acontecendo em solo inglês até cerca de 1830.
Essa quebra também ocorria nas manifestações, por vezes violentas, contra a alta de preços ou outras causas de protesto. O luddismo também era dirigido contra matérias-primas, produtos acabados e propriedades privadas dos empresários, ruralistas e furadores de greve — ainda hoje, no Brasil, quando trabalhadores dos transportes se valem desse recurso para impedir a circulação de ônibus, ou trabalhadores rurais sem terra destroem plantações, percebe-se uma retomada de método, embora não de objetivo… O valor da técnica luddista “era óbvio, tanto como meio de fazer pressão nos empregadores, como de garantir a solidariedade essencial dos trabalhadores”, avaliou Eric J. Hobsbbawn (Os trabalhadores, estudos sobre a história do operariado).
Arruaças, destruição de propriedades e barricadas também foram utilizadas ao longo da história. Engels considerou que a luta de ruas com barricadas “servia em toda parte para levar à decisão final” até 1848 (ao menos na Europa). Seu objetivo era desgastar as tropas adversárias “por meio de pressões morais”. Depois, perdeu eficácia devido ao desenvolvimento das forças militares e até mesmo ao alargamento das ruas.
Uma forma de luta das mais utilizadas pelos assalariados é a paralisação dos trabalhos, a greve. A palavra vem do celta “gravo”, que significa ‘pedrisco, cascalho’. Dela se originou a palavra francesa “grève”, com significado de ‘areia, cascalho’ e, por extensão, ‘praia de areia’. Desde o século XVII existe em Paris, nas margens do Rio Sena, a Place de Grève (hoje, Place de l’Hôtel-de-Ville), local onde havia uma pequena praia arenosa. No século XIX, operários industriais das proximidades, insatisfeitos com as condições de trabalho, saíam da fábrica e se reuniam nela. Quando o patrão questionava sobre o funcionário faltoso, diziam-lhe que ele estava em Grève. Essa situação gerou a expressão “faire grève”, fazer greve; algumas décadas depois, foi cunhada a palavra “grèviste”, grevista.
Vladmir Ilitch Lenin, líder da Revolução Russa de 1917 e idealizador dos partidos comunistas que se multiplicaram pelo mundo, valorizava essa forma de luta. “Toda greve infunde com enorme força aos trabalhadores a ideia do socialismo: a ideia da luta de toda classe trabalhadora por sua emancipação do jugo do capital”, escreveu.
Outra forma de luta dos primórdios do movimento de assalariados foi a de militantes e grevistas percorrerem a região onde atuavam convocando aldeias, oficinas e fábricas para agitações e reuniões de massas nos centros administrativos ou na indústria onde se desenrolava a luta. Os trabalhadores se valiam de demonstrações, gritaria, incitações e vaias, intimidação e violência. Ainda hoje manifestações de protestos são realizadas dessa forma, em lutas salariais e outras – das expressamente de oposição a governos às de defesa de direitos de setores ou de aspirações da sociedade (gênero, opção sexual, democracia, paz, direitos sociais etc.).
Também a danificação ou supressão de estágios ou peças do processo produtivo é um recurso utilizado. Quando da Revolução Industrial na França, operários, para impedir o trabalho de outros e fazer com que aderissem à greve, ou para prejudicar os patrões, jogavam seus tamancos nas engrenagens das máquinas, levando-as a parar. Em francês, tamanco se chama sabot, daí a palavra sabotagem, ação ou efeito de sabotar, danificação propositada de estradas, meios de transporte, instalações industriais, militares etc., para a interrupção dos serviços, na definição dos dicionários.
Além dessas e de outras inúmeras formas de luta econômica, os trabalhadores também travam batalhas políticas, almejando o poder. Na modernidade, teve destaque a luta (ainda presente em várias regiões do planeta) pelo voto universal e pelo aprofundamento da democracia e da justiça social, com distribuição de renda.
Houve inclusive momentos de luta aberta — e conquista — do poder da parte dos oprimidos. Do período da escravidão, tem-se a rebelião comandada pelo gladiador Espártaco contra a Roma Antiga, nos anos 80-70 antes de Cristo, conhecida como “Terceira Guerra Servil”, “Guerra dos Escravos” ou “Guerra dos Gladiadores”. Ele liderou um exército rebelde de quase 40 mil ex-escravos, mas perdeu a guerra contra as legiões de Crasso.
Quase 2 mil anos depois, em São Domingos (atual Haiti), colônia francesa, eram explorados quase meio milhão de escravos. Em 22 de Agosto de 1791, eles se revoltaram e deram início à guerra civil. Em 1801, o ex-escravo Toussaint Louverture tornou-se governador-geral, mas, logo depois, foi deposto e morto pelos franceses. O líder Jean Jacques Dessalines organizou o exército e derrotou os franceses em 1803. No ano seguinte, foi declarada a independência (o segundo país a se tornar independente nas Américas) e Dessalines se proclamou imperador. O Haiti foi a primeira nação independente pós-colonial do mundo a ser liderada por um negro e a única cuja independência foi obtida como parte de uma rebelião de escravos. Mas eles não tinham um projeto de poder e de sociedade, foram boicotados pelos países escravagistas e tiveram seu desenvolvimento truncado — até hoje é o país mais pobre da América, medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Da parte dos escravos modernos, o proletariado, a primeira grande experiência de tomada de poder foi a Comuna de Paris, que dominou a capital francesa de março a maio de 1871. Marx considerou que os operários franceses tomavam “o céu de assalto” e Engels, 20 anos depois, avaliou que “esse governo da classe trabalhadora era uma impossibilidade”, devido à correlação militar de forças com o resto da França e à “briga estéril entre os dois partidos que a cindiam, os blanquistas (maioria) e os proudhonistas (minoria), sendo que nenhum dos dois sabia o que tinha de ser feito”.
A segunda maior experiência ocorreu na Rússia, em 1917, quando os trabalhadores tinham à frente um partido de concepção marxista, com projetos do que fazer no poder. A revolução se expandiu aos países circundantes e deu origem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, que existiu até 1991. Foi, até hoje, a mais longa experiência de poder dos trabalhadores. Inspirou outras revoluções (algumas em franco desenvolvimento), tanto socialistas quanto nacionais, e a avaliação de seus feitos e dos motivos de sua queda ainda é controversa entre analistas proletários e burgueses.
Também a luta de ideia é travada pelos trabalhadores. Panfletos, jornais, sociedades de correspondência, petições ao parlamento, debates públicos, publicações teóricas, escolas sindicais e partidárias, atuação na Internet se multiplicam. Fazem contraponto às ideias dominantes, burguesas, que apresentam como natural, destino humano, a sociedade baseada na exploração. Uma batalha multifacética, que envolve inclusive disputas internas no próprio proletariado sobre quais as melhores abordagens e propostas para se chegar a uma sociedade superior, e sobre qual seria seu conteúdo.
Com todas essas vicicitudes, os trabalhadores buscam tornar realidade a letra do hino A internacional, escrita em 1871 por Eugène Pottier, um dos membros da Comuna de Paris, que entre outras estrofes, registra e conclama:
Abomináveis na grandeza,
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha!
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu.
Querendo que ela o restitua,
O povo só quer o que é seu!
Bem unido façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos
A Internacional
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Carlos Pompe





