As inverdades da Veja
Por Luiz Antonio Barbagli e Ailton Fernandes*
Alvíssaras! Gustavo Ioschpe promete que foi a última vez que trata da situação dos professores. Todos ficamos felizes. Não porque ele não seja um educador, na verdade todos os setores da sociedade devem participar do debate pela melhoria da escola no Brasil. A alegria é saber que ficaremos sem sua linguagem torpe, rasteira e preconceituosa.
Nessa linguagem, tão comum a ele, há a denúncia da “vitimização” do professor brasileiro. Poucas categorias são tão bem vistas pela sociedade como a nossa, em que pese a enorme carga que está sobre nossos ombros. Na verdade a escola transformou-se no útero da sociedade. Pais terceirizam a educação de seus filhos na esperança de que a escola transforme em cidadãos filhos que, muitas vezes, não trazem nenhuma espécie de freio social de suas famílias.
Não há que se falar em “vitimização”, há sim a constatação de que os professores suportam uma carga de trabalho, com condições aviltantes, que poucas categorias sofrem.
Ao fazer uma lista de conselhos aos professores, o articulista, de maneira sorrateira, elege aquilo que ele acha que os professores deveriam fazer para recuperar a autoestima da categoria. De maneira maquiavélica, esconde que nenhuma situação listada por ele ocorrerá sem a participação de outros setores da sociedade. Isso é uma verdade inquestionável, mas os “conselhos” dados são perfeitamente dispensáveis.
O primeiro ponto a ser considerado, que foi oculto por ele, são as condições de trabalho dos profissionais em educação. A grande quantidade de alunos por sala de aula torna difícil a lida do aprendizado. Muitos alunos num pequeno espaço, onde deveria reinar a calma necessária para que a relação ensino/aprendizagem ocorresse de maneira plena, inviabiliza qualquer projeto pedagógico, independente se o professor estiver estimulado ou não. A pergunta necessária é a seguinte: são os professores os únicos responsáveis por esse desatino educacional? Com certeza, não! O poder público e os donos de escola enchem as salas de aulas de alunos, ou porque não querem investir em novos prédios públicos, ou porque, no caso das escolas particulares, a avidez pelo dinheiro fala mais alto que qualquer preocupação pela educação de qualidade.
O articulista, de seu escritório confortável, critica a bandeira da luta pelos salários dizendo que há “uma obsessão por salários”. Ora, mais uma vez tem uma leitura estreita do problema. Baixos salários obrigam os professores a lecionar em várias escolas, com cargas horárias que ocupam todos os períodos da semana nessa tarefa. Salários decentes permitiriam um tempo ocioso durante o qual os professores poderiam consumir cultura e, dessa forma, estar mais capacitados para transmitir e produzir conhecimento com os seus alunos. Tempo para leitura, dinheiro para viagens, ócio para o cinema, tempo disponível para debates e saraus… tudo isso fica inviabilizado com a enorme carga de aula que os professores são obrigados a assumir para poder sobreviver.
Terceiro ponto: a revista “Veja” advoga em causa própria ao ceder espaço para tal posicionamento, sendo o grupo Abril, editor de tal revista, proprietário de grande grupo educacional que lucra com o ensino sem jamais se preocupar com as condições de trabalho de seus professores, já que não tem projeto que busque criar uma cultura de respeito junto aos seus profissionais. Como a maioria esmagadora dos grupos educacionais, enxerga os alunos como cifrão e não como potenciais cidadãos.
A omissão do articulista não permite que ele lute, por exemplo, pela implementação do piso salarial nacional que prevê que um terço do tempo de trabalho do professor seja cumprido fora da sala de aula para que ele tenha tempo de preparar as aulas e para aumentar seu cabedal cultural.
O total desconhecimento do cotidiano do professor leva o articulista, mais uma vez, a destilar seu preconceito vil e inconsistente. Quando acusa os professores de utilizar “cuspe e giz” para dar aula demonstra não saber da ausência de material didático na imensa maioria das escolas brasileiras. Pior ainda: o veneno destilado é um tiro no pé, já que escolas próximas a ele também não possuem esses equipamentos, e aí não se trata do debate pobre sobre quem é culpado, se a direita ou a esquerda. Todos são culpados quando a educação é tratada dessa maneira, uns por não terem interesse político na solução do problema, outros por mercantilizarem essa área tão vital. Não se trata de jogar a culpa na direita ou na esquerda. Quem mesmo está ideologizando este debate ao levantar tal insídia?
Por fim, o Brasil precisa fazer uma escolha: ou investe na educação ou continuaremos a patinar nesta área. Compreende-se em investir em educação na captação de mais recursos; no seu gerenciamento, de tal maneira que ele efetivamente chegue ao aluno; na criação de condições de trabalho digna para todos os profissionais em educação e pelo fim do debate pobre promovido por alguns setores da mídia, entre eles esse espaço dado a tal articulista em revista semanal de grande circulação.
Voltemos ao início deste texto para ressaltar duas posições: a de que a sociedade como um todo pode e deve participar deste debate e de que todos são bem vindos, já que esta não é apenas uma luta corporativa; e a alegria em saber que o articulista prometeu que não mais opinaria sobre este tema. A torcida é para que pelo menos ele seja um homem de palavra nesta promessa.
*Luiz Antonio Barbagli e Ailton Fernandes são, respectivamente, presidente e diretor do Sinpro-SP