As tentativas de destruir o Plano Nacional de Educação
O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014 e que segue em vigor até 2024, foi fruto de muita luta da sociedade civil organizada, dos trabalhadores em educação, do movimento estudantil e das entidades que defendem a educação pública, gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada. Foram anos — pelo menos desde a Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2010 — de debates, defesa de propostas, expectativa, articulação, às vezes cabo de guerra, para que ele fosse aprovado, se não foi possível com todas, ao menos com a maioria das principais bandeiras defendidas por esses atores sociais que defendem nada mais, nada menos do que aquilo que está na Constituição: a educação como dever do Estado e direito de cada cidadã e cidadão.
Cada um desses pilares essenciais para o fortalecimento da educação pública, inclusive com instrumento de um desenvolvimento sustentável e soberano, têm ruído um a um sob a égide dos governos Temer e, agora, Bolsonaro — para os quais esses dois conceitos, aliás, soberania e sustentabilidade, parecem não ter significado algum. Não existe educação inclusiva se grupos reacionários tentam impedir um ensino voltado para a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual. Não existe educação democrática se correntes autoritárias buscam aprovar projetos para censurar, amordaçar e criminalizar professores.
Tampouco existe perspectiva de educação gratuita quando o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Fórum Nacional de Educação (FNE) são aparelhados por interesses privatistas, quando o ensino continua a ser tratado como mercadoria e quando, depois de todo o processo de financeirização, oligopolização e desnacionalização do ensino superior, a sanha das grandes empresas de capital aberto atinge cada vez mais também a educação básica. E não existe política de fortalecimento da educação pública com o congelamento dos investimentos por duas décadas, como fez a Emenda Constitucional (EC) 95, que inviabilizou completamente uma das principais metas desse PNE tão duramente conquistado: a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor.
Da mesma forma, pouco ou nada se pode almejar em termos de qualidade socialmente referenciada após a decisão do MEC, denunciada ontem (26) pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, de enterrar de vez outra das vitórias do PNE: o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Ainda ontem, o Conselho Nacional de Educação deliberou que é incompetente “para definir o valor financeiro e precificação do Custo Aluno Qualidade Inicial [CAQi]”. A atribuição havia sido pelo próprio CNE, em decisão de sua Câmara de Educação Básica, mas nunca efetivada.
Como destaca a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, o CAQi e o CAQ definiriam o investimento mínimo anual do país por estudante, nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio da rede pública. A eles estão relacionados o número de estudantes por sala, as condições de infraestrutura, o plano de carreira dos trabalhadores em educação, a existência ou não de bibliotecas e de acesso à internet, entre outras questões atreladas à qualidade e ao financiamento. Ou seja, por eles seriam destinadas mais verbas para aquelas escolas que precisam aumentar a qualidade, auxiliando na melhora dos índices. Colocar fim no que foi uma conquista sem nem sequer implementá-la é mais um golpe grave para destruir o PNE e a educação pública.
Os ataques são muitos, são ferozes e estão todos interligados, compondo um amplo espectro de agressões que servem aos mesmos interesses que alçaram Michel temer ao poder, depois de derrubar a presidenta Dilma Rousseff, e que elegeram Jair Bolsonaro. Para enfrentá-los, é essencial a articulação de uma frente ampla em defesa da educação pública, gratuita e democrática e transformação da luta pela educação pública em bandeira estratégica.
Por Táscia Souza