Atacado pelo governo Bolsonaro, Paulo Freire é celebrado na Suíça
Professores se reuniram na Universidade de Genebra para analisar a obra do educador que inspira especialistas da educação em todo o mundo
Criticado pelo governo Bolsonaro no Brasil, o educador Paulo Freire é celebrado no exterior, 22 anos depois da sua morte. Professores da Suíça e do Brasil se reuniram na Universidade de Genebra, num seminário de dois dias, para analisar a obra de Paulo Freire, que continua a inspirar especialistas da educação em todo o mundo.
Debater a obra de Paulo Freire entre os professores que estudam o tema e como ela pode ser aplicada hoje em dia eram alguns dos objetivos do seminário, que também serviu como uma homenagem ao educador, segundo Abdeljalil Akkari, professor de Educação Internacional e Comparada da Universidade de Genebra e chefe de um grupo de pesquisa que estuda Paulo Freire na instituição.
“Paulo Freire é um pedagogo global. Não significa que a obra não necessita crítica, reescrita, investigação, pesquisa, mas precisamos entender que a obra de Paulo Freire, na verdade, pertence mais ao mundo que ao Brasil”, diz.
O método de Freire, de acordo com Akkari, é utilizado com alguns grupos em Genebra: “Na comunidade de base, muitas pessoas usam o método de Freire para conscientizar os grupos da importância da escrita e da alfabetização para resolver alguns problemas sociais com refugiado, imigrante e pessoa não qualificada. O método Paulo Freire é usado, por exemplo, por uma associação que se chama Ler e Escrever. É usado na Universidade Popular de Genebra, que se ocupa de alfabetizar imigrantes e refugiados”, explica.
Educação transformadora
A RFI conversou também com outros estudiosos de Paulo Freire, como Joaquim Dolz, professor da Universidade de Genebra, que falou sobre a importância do educador brasileiro.
“Um pedagogo que tem uma obra considerável de reflexão sobre a importância da alfabetização para as populações desfavorecidas, oprimidas, que tem um interesse maior em todos os países do mundo, inclusive em países com um desenvolvimento grande como a Suíça. Ele mostra como a educação pode transformar as pessoas e as pessoas a melhorar o mundo, que é uma utopia, mas uma utopia necessária”, afirma Dolz, lembrando que Freire foi professor da Universidade de Genebra, cidade onde morou e trabalhou durante a ditadura, tendo recebido o título de Doutor Honoris Causa em 1979.
“Eu acho que Villa-Lobos na música e Paulo Freire na pedagogia são dois autores reconhecidos internacionalmente. Desprezar um ou outro é barbárie”, diz Dolz.
Com um livro dedicado a ele por Freire nas mãos, Dolz contestou as críticas feitas pelo governo brasileiro a Paulo Freire. Antes mesmo de ser eleito, Jair Bolsonaro chegou a dizer que pretendia usar um “lança-chamas” no Ministério da Educação para tirar de lá as ideias de Paulo Freire.
“Para uma pessoa que acredita na educação, falar de lança-chamas é muito triste. Eu não sei onde o estereótipo da cordialidade brasileira ficou. É lamentável que o patrono da educação brasileira se transforme num mártir desacreditado pelo próprio poder brasileiro. É lamentável que o poder brasileiro deprecie uma figura importante internacionalmente”, afirma Dolz.
Professor da Universidade Católica do Paraná, Peri Mesquida falou à RFI sobre como Paulo Freire é visto na Suíça e no Brasil.
“A Universidade de Genebra tem uma equipe que trabalha Paulo Freire. Eu venho todos os anos aqui conversar sobre Paulo Freire, com o professor Akkari e a equipe dele, que trabalham especialmente a questão ligada à interculturalidade. Paulo Freire é visto no Brasil como comunista, como alguém culpado pelo fato de a educação brasileira não ter atingido até hoje o nível desenvolvido. Isso não bate, porque, na realidade, Paulo Freire é lido muito pouco no Brasil. A sua teoria da educação não é trabalhada nas instituições de ensino e o seu método não é trabalhado também nas instituições que trabalham com alfabetização de adultos no Brasil”, afirma Mesquida.
Postura de Bolsonaro ajuda a difundir obra
Sobre o fato de Genebra sediar um seminário sobre o pensamento de Freire, enquanto o governo brasileiro o critica, Mesquida responde com ironia: “Interessante. É um país capitalista, como é que vão trabalhar um comunista desses?”, disse, rindo depois.
Questionado sobre as críticas do governo Bolsonaro ao legado de Paulo Freire, Mesquida diz que, na verdade, o presidente tem ajudado é difundir a obra do educador.
“Bolsonaro está fazendo um trabalho em favor de Paulo Freire, querendo ir contra, porque agora as pessoas têm interesse em ler Paulo Freire. Não tinham. Paulo Freire está sendo conhecido no Brasil, as pessoas estão comprando os seus livros para saber o que que esse cara diz que essas pessoas estão demonizando dessa maneira. Até setembro, foram 60 mil exemplares da Pedagogia do Oprimido vendidos”, diz.