Atividade sobre diversidade em escola do DF é de alvo de ataque parlamentar
Evento realizado em julho tratou sobre o papel da família no processo educacional de crianças e adolescentes LGBTs
O que era para ser uma roda de conversa com adultos sobre educação e questões LGBTQIA+, se tornou em mais uma demonstração de preconceito e intolerância.
Realizada no dia 19 de julho para pais dos alunos do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 08 de Sobradinho II, região administrativa do Distrito Federal, o evento ‘Diálogo: famílias que acolhem – a importância da família no processo educacional de crianças e adolescentes LGBTQIAPN+’ foi alvo de ataques e constrangimento.
Coordenador da Casa Rosa, um espaço de acolhimento e assistência para pessoas LGBTQIA+, Pedro Matias foi o palestrante da atividade. “Eu fui levar um material informativo para conversar com as famílias. O evento foi à noite, no contraturno, com adultos. Esse já é um trabalho que a Casa Rosa já faz em muitas escolas aqui do DF”, explicou Matias.
Segundo ele, havia pessoas “infiltradas” que não eram pais de alunos e foram até lá para “patrulhar”. Eles tentaram interromper a atividade várias vezes, mas ainda assim o evento foi realizado.
Depois da atividade, o deputado distrital Pastor Daniel de Castro (PP) entrou em ação e enviou um ofício para a Secretaria de Educação do DF pedindo esclarecimentos sobre o evento, o que motivou a repercussão do vídeo em que uma pessoa tenta interromper o palestrante.
De acordo com Pedro Matias, depois disso a escola recebeu notificações de denúncias que foram feitas na Ouvidoria, questionando se a atividade poderia ter acontecido e o teor do conteúdo apresentado, além da própria manifestação do parlamentar informando que a atividade não poderia acontecer.
Com a repercussão do vídeo, Pedro Matias conta também que matérias sem contextualização foram divulgadas sobre o episódio e ele passou a ser alvo de discurso de ódio nas redes sociais.
“A partir daí gerou-se um imenso debate, ataques massivos. Minha imagem estava exposta, como representante da Casa Rosa e eu recebi inúmeras ameaças”, contou Matias, ressaltando que todas as atividades que ele realiza estão amparadas na legislação vigente.
Líder em crimes de homofobia
O DF lidera o ranking de registros de homofobia no Brasil. De acordo com o anuário Anuário Brasileiro de Segurança Pública foram 68 registros de casos de homofobia ou transfobia no DF. Para Pedro Matias um episódio como este “só reforça o quanto ainda os direitos da população LGBTQIA+ aqui no DF estão fragilizados. A agenda dos direitos é monitorada, com um discurso que deturpa e isso gera situações de violência”.
A professora Patrícia Ramiro, que também foi uma das convidadas do ‘Diálogo: famílias que acolhem’, disse que o evento foi tranquilo e havia apenas duas pessoas que foram até lá para tumultuar. “Esse cara que gravou colocou por várias vezes que havia possibilidade de mudança se a pessoa quisesse, como se fosse uma escolha ser LGBT. Ainda tem pessoas que acreditam na cura gay, o que é um absurdo e não existe”, afirmou a professora, que atua no coletivo Mães da Resistência.
Segundo Patrícia, ela foi convidada para o evento ao lado de Pedro Matias para falar com os pais sobre suas experiências de vida, por ser mãe de pessoa trans, e ajudar a combater a desinformação, que segundo ela é o que leva sempre ao preconceito.
“Dentro da escola, onde a gente lida com pessoas e informação o interesse é que a gente tire as dúvidas, ajude a desmistificar e deixar claro o que são termos pejorativos, que não devem ser utilizados”, informou a professora, destacando que tudo isso está previsto na Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e nos planos nacional e distrital de educação.
Por meio de sua assessoria, o deputado Pastor Daniel afirmou que sua resposta é uma proposição de um Projeto de Lei já apresentado que assegura aos pais e responsáveis “o direito de vedar a participação de seus filhos ou dependentes em atividades pedagógicas de gênero”. Já a assessoria de imprensa da Secretaria da Educação informou que recebeu o ofício do deputado e “está averiguando a solicitação do parlamentar”.
Escola é lugar de todo mundo
O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro) publicou um nota em que afirmou que a diretoria colegiada repudia a tentativa do deputado Daniel de Castro de constranger o trabalho educativo realizado no CEF 08.
“O deputado pastor alega estar defendendo o público dele, “que é a família tradicional”. A diretoria colegiada do Sinpro lembra ao deputado pastor que a escola pública, com o ensino laico e de qualidade socialmente referenciada não “defende” apenas uma dentre tantas famílias brasileiras. A obrigação da escola pública é acolher e incluir a todas as famílias, independentemente de credo, raça ou orientação sexual. Não cumprir com esse papel, sim, é ato passível de punição legal”, observa trecho da nota.
Para Márcia Gilda, coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do Sinpro-DF, a ação do deputado atua para criminalizar uma ação educativa, respaldada pelo currículo em movimento e diversas normativas que permitem a discussão sobre diversidade dentro das escolas. “Esse é um trabalho de criminalização mesmo da carreira docente e do papel social da escola, mas os professores não se calarão, porque ninguém estava fazendo algo fora da lei, estavam inclusive cumprindo o currículo”, afirmou Gilda, acrescentando que “a escola é lugar de todo mundo”.
O presidente Comissão de Educação, Saúde e Cultura (CESC) da Câmara Legislativa do DF, deputado Gabriel Magno (PT), também repudiou a ação de seu colega e informou que entrou com um ofício na Secretaria da Educação pedindo esclarecimentos e manifestando apoio à escola e que será proposta uma moção de apoio CEF 08 de Sobradinho II. “Foi uma tentativa de intervenção sobre o trabalho docente e essa palestra é muito importante do ponto de vista do conteúdo e do mérito”, afirmou Magno, destacando que se trata de uma tentativa de intimidação ao trabalho escolar.
Já o deputado distrital Fábio Félix (PSOL) destacou que a equipe do CEF 08 de Sobradinho vem sendo alvo de ataques, intimidações e perseguições de cunho discriminatório “movido pelo ódio LGBTfóbico”. “A única atitude criminosa e ilegal presente nessa situação é o ataque às escolas públicas, às professoras e aos professores, que está sendo realizado por parte de setores da sociedade que pregam a manutenção de um espaço violento, excludente e preconceituoso dentro das escolas”, acrescentou Félix.
Edição: Flávia Quirino