Atos de domingo ecoam pelo país: Congresso deve aumentar dosimetria social, não reduzir penas de golpistas
Milhares ocuparam as ruas de todas as capitais brasileiras neste domingo (14) em protesto contra o Projeto de Lei da Dosimetria (PL 2162/2023), aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada do dia 10 de dezembro. O PL permite reduzir o cálculo das penas, a chamada dosimetria, de condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e favorece o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Sem anistia para golpistas” foi o coro que marcou as manifestações, expressando indignação diante de um Congresso Nacional que age como inimigo do povo ao escolher amenizar penas de quem atentou contra a democracia, em vez de ampliar a dosimetria das políticas públicas voltadas ao enfrentamento das desigualdades sociais.
Convocados por centrais sindicais, movimentos sociais, entidades estudantis, partidos políticos e organizações da sociedade civil, os atos ocorreram nos quatro cantos do país. Em São Paulo, cerca de 13,7 mil manifestantes ocuparam a Avenida Paulista, enquanto no Rio de Janeiro aproximadamente 18,9 mil se concentraram na orla de Copacabana. Houve protestos em Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, Fortaleza, Belém, Manaus e em diversos municípios do interior, com caminhadas, apresentações culturais e discursos contra a impunidade.
A mobilização ganhou grande ressonância nacional com a adesão de artistas e intelectuais que se apresentaram em Copacabana. A convocação e a participação de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que classificaram a manifestação como o segundo ato musical contra retrocessos em discussão no Congresso Nacional, reforçaram o alcance simbólico e político do movimento e o caráter histórico da jornada. O primeiro ocorreu em 21 de setembro, contra a PEC da Blindagem, e surtiu efeito, levando ao arquivamento da proposta.
No palco montado na orla carioca, além de Gil e Caetano, cantaram Paulinho da Viola, Duda Beat, Tony Bellotto, Fernanda Abreu, Lenine, Leila Pinheiro, Fafá de Belém, Xamã, Baco Exu do Blues, Chico Buarque e Moreno Veloso. A atriz Fernanda Torres fez um discurso em defesa da democracia, enquanto Paulo Vieira conduziu a programação musical.
A votação do PL da Dosimetria na Câmara
Os protestos ocorreram poucos dias após a Câmara dos Deputados aprovar o PL da Dosimetria por 291 votos a 148, em uma sessão marcada por atropelos regimentais, violência institucional, retirada do sinal da TV Câmara do ar e expulsão da imprensa do plenário. O projeto altera profundamente a responsabilização penal de crimes contra a democracia ao unificar os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, fazendo prevalecer apenas a pena mais grave, de 4 a 12 anos, em vez da soma das penas atualmente previstas. Além disso, modifica a Lei de Execução Penal para permitir a progressão de regime após o cumprimento de apenas 16% da pena, reduzindo o patamar atual de 25%.
Na prática, como a legislação penal pode retroagir para beneficiar réus já condenados, o projeto abre caminho para uma redução drástica do tempo de prisão de golpistas. No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses por comandar a trama golpista, estimativas apresentadas durante a tramitação indicam que o tempo de cumprimento em regime fechado poderia cair para cerca de dois anos e meio. Até o momento, mais de 630 pessoas já foram condenadas pelos ataques de 8 de janeiro, o que evidencia a gravidade do retrocesso representado pela proposta.
Tramitação no Senado
No Senado, o projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA). Apesar de já ter indicado que o relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), deve apresentar seu parecer na próxima quarta-feira (17), Otto Alencar afirmou publicamente que o texto, tal como aprovado pela Câmara, “não tem a menor chance de passar na CCJ”. O senador classificou a proposta como um projeto “pró-facção” e considerou absurdo que uma iniciativa com esse teor esteja em debate no Parlamento. Ainda assim, o próprio presidente da comissão reconhece que o cenário é de forte disputa política, com possibilidade de pedidos de vista para adiar a deliberação e empurrar a votação para 2026.
Não há, portanto, espaço para ilusões. Mesmo diante das declarações do presidente da CCJ, o contexto político indica que o projeto pode avançar, ainda que com ajustes, fruto de um acordo costurado entre setores do Congresso, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro e interlocutores institucionais. A pressão das ruas, evidenciada nos atos deste domingo, torna-se ainda mais decisiva para barrar acordos de bastidores que promovam a impunidade.
Caso o PL da Dosimetria seja aprovado no Senado, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva exercer o veto presidencial, uma expectativa amplamente compartilhada pelos movimentos democráticos. No entanto, mesmo o veto não encerraria a disputa, já que o Congresso pode derrubá-lo. Por isso, a mobilização popular aponta para um horizonte mais amplo. O julgamento definitivo também virá nas urnas. Em outubro de 2026, o povo brasileiro terá a oportunidade de responsabilizar politicamente os parlamentares que votaram a favor da redução das penas para golpistas.
Aumento da dosimetria da agenda social
Está na hora de o Congresso Nacional deixar de ser inimigo do povo e direcionar seus esforços para aumentar a dosimetria das pautas que efetivamente beneficiam a população. Educação pública de qualidade, valorização dos profissionais da educação, fortalecimento do SUS, direitos trabalhistas, políticas de combate à pobreza e às desigualdades sociais, o combate ao feminicídio, com políticas públicas de prevenção, proteção às mulheres, fortalecimento da rede de atendimento e responsabilização rigorosa dos agressores, além de iniciativas como a PEC pelo fim da escala 6×1, são agendas que exigem prioridade, urgência e compromisso.
Essa é a dosagem que precisa ganhar fôlego no Parlamento brasileiro. Não a da impunidade para quem atentou contra a Constituição, o voto popular e o Estado Democrático de Direito, mas a da justiça social, da equidade, da democracia e da vida.
Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), os atos de 14 de dezembro não foram um ponto final, mas um ponto de partida. Eles representam o primeiro passo de uma jornada de mobilização permanente. Diante da gravidade do projeto aprovado pela Câmara e agora em tramitação no Senado Federal, a entidade avalia que será necessária vigilância constante, pressão social organizada e presença contínua nas ruas para impedir a consolidação de mais um ataque à democracia brasileira.
Não haverá esquecimento, não haverá anistia e não haverá conciliação com quem afrontou e segue afrontando o Estado Democrático de Direito. As ruas já deram o recado e seguirão atentas.
Da Redação Contee




