Autoritarismo via decreto: o perigoso projeto de poder de Bolsonaro
A Constituição Federal, em seu artigo 84, estabelece que compete ao Presidente da República “dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”. Em outras palavras, os decretos presidenciais são atos administrativos, os quais, na hierarquia legal, estão abaixo da Constituição e de suas emendas, dos tratados internacionais dos quais o país é signatário, das leis ordinárias e mesmo dos decretos legislativos. O presidente Jair Bolsonaro, contudo, parece não saber disso. Ou, o que é mais provável, ignora-o deliberada e descaradamente, dando provas de seu autoritarismo e insubmissão às próprias leis, sobretudo quanto os objetivos são os mais nefastos possíveis.
Dois temas que estão na ordem do dia ilustram bem essa sanha. O primeiro é a promulgação, por Bolsonaro, dos decretos que flexibilizam a posse e o porte de armas de fogo no Brasil, e que promovem mudanças na lei brasileira à revelia do Congresso Nacional. De acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz , desde que assumiu o Palácio do Planalto, em 2019, o governo Bolsonaro já publicou 31 alterações na política de acesso a armas no Brasil. Entre elas, os decretos mais recentes, publicados em plena sexta-feira de carnaval, que flexibilizam o uso e a compra de armas de fogo no país. Mudanças que contradizem a lei do Estatuto do Desarmamento e que são, portanto, inconstitucionais.
O outro tema urgente é aquele no qual a Contee vem insistindo ao longo dos últimos dias: a minuta do decreto presidencial, sob consulta pública, que “regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas e o Prêmio Nacional Trabalhista”. A princípio (ou aos crédulos), a intenção declarada do governo seria unificar outros 31 decretos trabalhistas em vigor num único texto. Como faltam boas intenções e sobram subterfúgios na administração bolsonarista, constatou-se logo que o objetivo central não era o anunciado, mas, sim, o de promover uma nova reforma trabalhista via decreto presidencial — o que, mais uma vez, é inconstitucional —, arrasando em definitivo o pouco que restou dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do país.
Há um projeto político bem orquestrado nesses dois temas. De um lado, o que Bolsonaro quer é armar seus apoiadores, formando uma espécie de exército civil subserviente e violento ao seu comando, uma ameaça nada velada a uma democracia já extremamente combalida. De outro, o presidente ataca trabalhadores e sindicatos, numa tentativa de minar as forças que podem lhe fazer resistência.
Ter em mente que se trata de um único e perigoso projeto de poder é fundamental para enfrentá-lo. A luta pela anulação dos decretos bolsonaristas sobre armas é parelha à denúncia das irregularidades da consulta pública e da minuta do decreto que pretende alterar a legislação trabalhista. E ambas, por sua vez, fazem parte da mesma e mais importante batalha: a da derrubada necessária e urgente do governo Bolsonaro e de todo o autoritarismo e protofascismo que o cercam.
Brasília, 18 de fevereiro de 2021.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee